Um Homem Sob Medida escrita por Gilraen Ancalímon


Capítulo 12
Capítulo 12 - Mal humor


Notas iniciais do capítulo

Este capítulo vai ser bem grande, por favor comentem sobre ele, pois os seus recados são muito importantes, bjs.



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Kíria largou o lápis sobre o bloco de anotações e, ao se espreguiçar, teve um choque. Eram quase sete horas! Não vira o tempo passar!

Não planejara se demorar tanto na biblioteca, mas como sempre, quando começara a ler, acabara se envolvendo no trabalho.

Agora, descobria que já estava uma hora e meia atrasada para a visita a Vinícius e ainda teria de atravessar a cidade para chegar ao hospital.

Dez dias haviam se passado desde o acidente. Nesse período, Kíria passara a maior parte de seu tempo livre com Vinícius... sem contar a ele sobre Aya. Não possuía uma boa desculpa para tal atitude, exceto pelo fato de amar Vinícius cada vez mais e, por isso, não encontrar coragem para contar a verdade e arriscar-se a perdê-lo.

Sabia que era covardia, mas não conseguia evitar. Vinícius era tudo o que Kíria desejava na vida. Sonhava com ele todas as noites e pensava nele o tempo todo. Nem mesmo o trabalho a distraía.

Ao chegar ao hospital, foi diretamente para o quarto de Vinícius e parou na porta.

Como se pressentisse a presença dela, Vinícius ergueu os olhos e a viu.

― Por onde você andou? ― inquiriu de mau humor, da poltrona que ocupava junta à janela.

Kíria largou a bolsa e o casaco sobre o sofá, cruzou os braços e sustentou o olhar de Vinícius.

― Boa noite para você, também ― replicou com voz aveludada.

― Que tipo de resposta é essa? ― ele persistiu.

― O tipo que se recebe quando se cumprimenta alguém como você acabou de me cumprimentar!

Vinícius também cruzou os braços.

― Sabe que horas são? ― indagou, estreitando os olhos.

― Sei exatamente que horas são. Tenho relógio.

― Nesse caso, não faria mal algum chegar na hora marcada. Onde você esteve o dia todo?

Ora, ele não estava sendo razoável. Kíria sabia que a atitude de Vinícius se devia ao fato de ele estar preso naquele quarto, mas isso não o desculpava. Todos os dias, independente do cansaço, ou das condições do tempo, ela o visitava depois do trabalho e, agora, ele tinha o desplante de tratá-la daquela maneira, só porque ela havia se atrasado um pouco? Bem, não fora tão pouco, mas a questão não era essa.

― Estive trabalhando, ganhando algum dinheiro para poder comer e ter um teto para me abrigar!

― Trabalhando? Há esta hora? ― Vinícius falou com ironia.

― O que acha que eu estava fazendo, Vinícius? ― Kíria inquiriu, sentindo a paciência chegar ao seu limite.

― Acho que poderia estar tendo um caso com alguém! ― ele explodiu.

― Você só pode estar brincando!

― Por quê? Qualquer homem normal que olhe para você, vai desejar levá-la para a cama!

― Pois, deixe-me dizer uma coisa, Vinícius Maldonado. Não sou uma leviana idiota. Não me entrego a qualquer homem que me queira! Nem quero outro homem que não seja você, embora só o Senhor possa explicar o motivo, já que você me julga capaz de fazer uma coisa dessas!

Vinícius ficou imóvel e Kíria sentiu uma pontada de satisfação ao perceber o rubor em suas faces.

― Está dizendo que estou errado?

― Mais uma pergunta cretina como essa, e serei capaz de parti-lo ao meio!

Vinícius abaixou a cabeça e esfregou o pescoço com a mão. Quando voltou a fitá-la, seus olhos exibiam um brilho maroto:

― Está zangada.

― Tenho o direito de estar, não acha? Tive um dia difícil no tribunal e você tem a petulância de insinuar...

― Tribunal?

Kíria deu-se conta de que acabara de pisar em campo minado. Por mais estranho que pudesse parecer, seu trabalho não fora discutido em nenhuma das conversas que os dois haviam travado até então. E, aparentemente, os pais dele também não haviam mencionado a sua profissão. Bem, não poderia mentir.

― Sim, sou advogada ― anunciou.

― Pensei que fosse secretária ― Vinícius falou, pensativo.

Pálida, Kíria decidiu blefar.

― Não me lembro de ter dito isso.

Para sua surpresa, Vinícius ficou sem jeito.

― E não disse ― admitiu. ― Quando contou que trabalhava em uma firma de advocacia, concluí que era secretária.

Kíria ficou irritada ao constatar que a irmã não só se apropriara de seu nome, mas também de sua profissão. Ou, quase. Certamente, acreditara que isso a tornaria mais aceitável para Vinícius.

― Pensei que um bom advogado jamais tirasse conclusões ― arriscou, empinando o queixo com ar de desafio.

De repente, os olhos de Vinícius se iluminaram.

― Eu me declaro culpado, mas alego circunstâncias atenuantes.

― Que circunstâncias?

― Quando estou perto de você, não consigo raciocinar com clareza ― ele respondeu com um sorriso.

Grande coincidência! Com um suspiro, Kíria sentiu a ira se dissipar.

― Isso me soa familiar. Quanto ao meu atraso, acabei me distraindo na pesquisa sobre um caso e não vi o tempo passar.

Os olhos cinzentos de Vinícius exibiram um brilho divertido.

― Disso eu entendo! ― falou. ― E então? Venceu o julgamento?

― Claro! ― ela respondeu triunfante.

― Sem falsa modéstia?

― Sou muito boa no que faço.

― Não tenho a menor dúvida. Você defende causas criminais?

― Não, cíveis. Vou deixar as manchetes para você ― acrescentou em tom de provocação.

― Da maneira como fala, parece que vivo correndo atrás de publicidade ― Vinícius protestou.

― Pelo que sei, você não faz nada para evitá-la. Seu ego deve adorar ver o seu rosto estampado em capas de revistar e nos noticiários de televisão.

Kíria sabia que isso não era verdade. Se fosse, ela teria visto a foto dele nos jornais, antes. Ainda assim, não queria perder a oportunidade de alfinetá-lo.

― Ego! Que tipo de homem pensa que sou? ― Vinícius inquiriu, franzindo o cenho.

Sem mais se conter, Kíria soltou uma risada e só então ele se deu conta de que ela estava apenas se vingando do seu comportamento anterior.

― Muito bem. Você venceu ― admitiu. ― Estou perdoado.

― Vou pensar no seu caso.

― Não demore muito ― ele ameaçou com um estranho brilho no olhar.

Kíria estreitou os olhos.

― Por quê? O que você vai fazer?

― Talvez eu mude de idéia.

― Sobre o quê?

― Isso eu não posso dizer.

― Às vezes, você é mesmo irritante! ― Kíria acusou-o, embora suas faces já começassem a corar sob aquele olhar intenso e sugestivo.

― Eu sei, mas você me ama mesmo assim.

― Vai me contar por que estava tão zangado? ― Kíria perguntou, tentando mudar de assunto.

― Porque senti demais a sua falta ― confessou.

― Ah, Vinícius!

Kíria sentiu o coração se derreter no peito.

Vinícius estendeu-lhe a mão.

― Por que não vem até aqui e me deixa cumprimentá-la da maneira adequada? Você está muito longe ― Vinícius protestou e, sem hesitação, ela foi se ajoelhar ao lado da poltrona. ― Assim está melhor. Pensei que nunca mais fôssemos conseguir ficar sozinhos. Estava esperando, ansioso, por este momento. Quero que você me dê um beijo de verdade, não esses beijinhos no rosto que tenho recebido, ultimamente.

Kíria suspirou, sabendo exatamente o que ele sentia. Nos últimos dias, sempre havia mais alguém no quarto, quando estavam juntos.

― Eu...

― Pelo amor, Kíria, pare de falar e me beije! Vou acabar enlouquecendo se não sentir o seu sabor outra vez.

― Vinícius...

O beijo foi ainda mais ardente e apaixonado que o primeiro, provocando em ambos reações mais profundas e intensas.

Nenhum deles saberia dizer o que poderia ter acontecido se o ruído metálico no corredor não os houvesse trazido de volta à realidade.

Com o coração aos saltos, Kíria limitou-se a fitá-lo com expressão de adoração.

― Não me olhe assim! ― Vinícius advertiu com um gemido e ela obedeceu de pronto, desviando o olhar. ― Não! Olhe para mim como quiser. Ah, esses seus olhos! Não sabe o que eles fazem comigo. Amaldiçoado seja este quarto, onde não podemos ter um momento de privacidade!

― Talvez eu devesse temer esse brilho nos seus olhos ― Kíria murmurou com uma pontada de malícia.

Vinícius acariciou-lhe a face e puxou-a para si.

― Está com medo?

― Não.

― Tem idéia de quanto eu te amo?

Kíria sentiu-se grata por Vinícius não poder ver o seu semblante naquele momento. Não, ela não fazia idéia do que ele sentia. Vinícius se sentia atraído por ela, mas aquilo não era amor. Ainda assim, tal sentimento poderia se transformar em amor e, se fosse honesta consigo mesma, Kíria admitiria que era exatamente o que ela esperava que acontecesse. Devagar, mas com firmeza, ela estava apagando a irmã da memória dele. Vinícius gostava das diferenças, preferia a pessoa que via agora.

― Acha que me ama mais do que amo você? ― replicou em um sussurro.

Com um suspiro relutante, Vinícius se recostou na cadeira e a encarou.

― Tenho uma confissão a fazer ― declarou, deixando Kíria alarmada.

― Por acaso, eu deveria estar preocupada? ― ela inquiriu em tom de brincadeira, embora encontrasse dificuldade para respirar.

― Não ― ele respondeu com um sorriso. ― Se alguém tem de se preocupar, esse alguém sou eu.

― Verdade? Parece interessante. Conte mais.

― Pare de me provocar! Está se esquecendo de que sou um enfermo?

― Para um enfermo, você beija muito bem!

― Não faça isso...

― Desculpe ― ela fingiu arrependimento. ― Prometo ser boazinha.

― Vai acabar me enlouquecendo! Bem, onde foi que eu parei?

― Estava prestes a fazer uma confissão.

― Certo. A verdade é que quando vi você pela primeira vez, eu me apaixonei pela sua aparência. Você é tão linda, que quando me dei conta, já estava caidinho por você. Mas, agora...

O coração de Kíria ameaçava saltar para fora do peito. Ela teve de se esforçar para não tirar conclusões apressadas, embora não desejasse nada além de ouvi-las.

― Agora? ― insistiu.

Vinícius estendeu a mão para afagar-lhe os cabelos.

― Agora, estou me dando conta de que você é ainda mais bonita por dentro. A cada momento que passa, eu te amo mais, Kíria.

Incapaz de conter a felicidade que a invadiu, Kíria atirou-se nos braços dele. Não havia esperado por uma declaração como aquela. Vinícius acabara de confirmar que havia se apaixonado pela beleza de Aya, mas era a Kíria que amava.

― Esse abraço significa que você gostou de ouvir o que eu disse? ― ele provocou, apertando-a nos braços.

Kíria riu e se afastou para fitá-lo nos olhos.

― Você não faz idéia de quanto suas palavras significaram para mim.

― Ah, eu posso imaginar ― ele admitiu, depositando um beijo terno nos lábios dela.

Sorriam um para o outro, quando uma leve batida na porta chamou-lhes a atenção. Os dois se viraram naquela direção e depararam com os pais de Vinícius.

― Podemos entrar? Ou seria melhor voltarmos mais tarde? ― Thiago perguntou de bom humor.

Kíria se pôs de pé, enquanto Vinícius fazia um sinal para que os pais entrassem.

― Conseguiu? ― ele perguntou ao pai, com ares de mistério.

Thiago bateu no bolso do paletó.

― Está tudo aqui, filho. Já contou a ela?

― Contou o quê? ― Kíria inquiriu, notando a expressão excitada no rosto de Paula. ― O que está acontecendo?

― Que bom que você ainda não contou Vinícius. Eu queria estar aqui quando ela soubesse ― Paula falou, animada, acomodando-se na beirada da cama. ― Vá em frente.

― Obrigado ― Vinícius agradeceu e, vendo que Kíria estava prestes a explodir, dirigiu-se a ela: ― Em primeiro lugar, vão me deixar sair desta prisão na segunda-feira.

― Boa notícia! Agora, você já pode parar de seduzir as enfermeiras ― Kíria declarou de bom humor.

Vinícius lançou-lhe um olhar ameaçador e seus pais caíram na risada.

― Em casa, posso ao menos trabalhar, mesmo que ainda não possa voltar ao escritório ― ele anunciou com entusiasmo.

O peito de Kíria se apertou.

― Vai retornar ao Rio? ― ela perguntou, sem esconder a decepção.

― Assim que puder ― Vinícius confirmou e, então, sorriu. ― Quanto tempo acha que vai precisar para fazer as malas?

― Malas? Quer que eu vá com você?

― Ora, você não pensou que eu fosse partir sem você, pensou? Você vai comigo no voo que papai reservou para o final da próxima semana.

A mente de Kíria girava em disparada. Vinícius queria que ela partisse em uma semana?

― Mas... o meu trabalho... minhas coisas...

Vinícius praguejou baixinho.

― Sou obrigado a admitir que não considerei nenhuma dessas coisas. O trabalho pode ser um problema? Precisa avisá-los com antecedência?

― Sim, mas como tenho férias vencidas, talvez eu consiga reduzir o prazo para uma semana ― ela considerou pensativa.

― Ótimo. Quanto às suas coisas, contrataremos uma firma especializada para cuidar da mudança.

Kíria sentiu uma pontada de irritação.

― Vejo que já pensou em tudo ― comentou em tom ácido.

A expressão de Vinícius tornou-se séria.

― Exceto na possibilidade de você não querer ir. Não parece muito feliz com a minha decisão.

― Ora, é claro que quero ir com você.

Kíria o amava e, naturalmente, queria estar com ele onde quer que fosse. O problema era que não esperava ter de tomar aquela decisão tão depressa, o que não passava de uma grande tolice. Deveria ter sabido que Vinícius certamente quereria voltar para casa assim que fosse possível. Na verdade, o que a deixava aflita era o fato de se ver frente a frente com o que não havia contado a ele.

Sem sequer imaginar os pensamentos sombrios que cruzavam a mente de Kíria, Vinícius voltou a sorrir.

― Isso é bom, pois tenho mais a dizer ― declarou.

― O quê?

― Thiago e eu adiamos a nossa viagem ao Havaí, por causa do acidente ― Paula falou. ― Todos os anos, vamos para lá, afim de comemorar o nosso aniversário de casamento. Como já mudamos a data, decidimos que não faria diferença adiarmos mais uma semana.

― Para que nós possamos nos casar antes da viagem deles ― Vinícius completou.

Casar? Vinícius queria se casar com ela? Kíria jamais poderia negar que era o que ela mais queria, mas pensara nisso como algo a acontecer no futuro. Havia se imaginado morando com Vinícius por algum tempo, levada pela noção de que a convivência lhe daria a certeza absoluta de que ele amava a ela e mais ninguém. Então, poderia contar sobre Aya, sem correr o risco de perdê-lo. Kíria pensara em tudo, considerando que teria meses pela frente, não apenas dias. Agora, contava com pouco mais de uma semana!

Fitou os três pares de olhos ansioso, fixos nos seus.

― Bem, acho que vou ter de correr para encontrar um vestido que me agrade ― falou com uma risada.

Por dentro, porém, ela não ria. Seu tempo havia se esgotado. Que o Senhor a ajudasse, pois teria de contar a verdade a Vinícius e rezar para que os sentimentos dele por ela fossem fortes o bastante para resistir ao choque.


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