Cowboy Bebop - Depois Do Folk Blues escrita por Jensen


Capítulo 2
Session 28 – Solo de um passado distante




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As sirenes estavam ficando cada vez mais fracas, talvez alguém tenha ligado para a polícia e utilizado alguns favores, sabe-se lá quantos contatos eles tinham. Spike pensou brevemente no que Jet lhe disse uma vez, que tinha deixado a ISSP por causa da corrupção dentro da corporação... Jet, o cachorro negro. O homem de vinte e sete anos sangrando e sendo balançado no banco traseiro do carro abriu os olhos esperando ver o rosto de Faye, como no dia em que Vicious o jogou pelo vitral da velha igreja, ele passou três dias desacordado, sonhando com pequenos fragmentos de seu passado. Ainda assim, tudo o que viu dessa vez foi um homem um pouco mais velho, com cara de preocupação enquanto tentava estancar o sangramento provocado pelo corte certeiro de Vicious... Bastardo! Sempre com essa mania de treinar com espadas... Spike já vira aquele homem antes.

Depois de resolvida a situação com Albert Greaves, os dois rapazes tiveram que sair do apartamento calmamente, deixando o gás aberto e todas as janelas fechadas, uma vela acesa deveria ser o suficiente para provocar uma explosão mais cedo ou mais tarde... Infelizmente foi mais cedo do que eles esperavam e precisaram evitar com cautela as lanternas dos sindicalistas rivais para não serem descobertos. Ainda assim, era possível ver no rosto de Vicious a sua vontade de experimentar a sensação de matar alguém, tal qual Spike fizera meia hora antes. Mas ainda não era hora para isso, eles tinham um encontro com o restante do clã num restaurante do outro lado da cidade, comemorar a sua entrada no grupo e o seu batismo de fogo.

– E qual é a sensação?

– De matar um homem?

– Sim, você disse que gostou...

– É bem indiferente, Vicious, uma hora ele estava lá suando e tremendo e foi só eu puxar o gatilho e ele estava caído sem vida... Acho que é normal.

Chegaram ao restaurante com alguns minutos de atraso, mas era o suficiente para ter deixado Mao preocupado com o sucesso da missão. Estavam todos reunidos, menos os Van, os três velhos não participavam desse tipo de evento, pareciam múmias, sempre dentro daquele quarto, sentados um ao lado do outro... Spike tinha uma sensação estranha sempre que tinha algum encontro com eles. Um pouco mais afastada do grupo estava uma mulher de cabelos louros conversando com uma mulher mais velha, Spike nunca tinha visto nenhuma das duas, mas sentiu que as veria mais algumas vezes durante a sua vida.

– Rapazes, venham comigo, quero que conheçam Annie.

– É um prazer, Annie, eu sou o Spike e esse é o Vicious.

– Ouvi falar muito de vocês, Mao sempre faz muitos elogios às qualidades dos dois.

– Aquela ao lado dela é Júlia, ela está concluindo um curso de enfermagem e será trazida para o Sindicato em breve, assim como vocês dois foram.

– Olá. – Falou a moça sem muita convicção e saiu para buscar uma bebida.

– Mulher com atitude... – Comentou Spike quando Annie e Mao começaram a sair para conversar com outros membros.

– Muita atitude. – Completou Vicious quando todos os outros se retiraram.

– Eu acho que você está a fim dela, meu amigo.

– Não seja tolo.

– Ah, mas eu percebi outra coisa também... A respeito dela.

– O QUÊ?!

– Há-há-há. Não falei que você estava a fim? Ela também parece estar.

O mundo ao redor era um grande borrão, parecia que ele nunca chegaria ao hospital. Ele preferia morrer de uma vez a ter que continuar balançando ali, todos se comunicavam aflitos, mas ele não conseguia ouvir muita coisa, se ao menos ele pudesse enviar uma mensagem à Bebop para avisar que ainda não estava morto. Ainda. Ele já havia escapado da morte várias vezes, mas parecia que dessa vez era o fim... Quando finalmente o carro parou, ele sentiu de leve os braços fortes que o carregaram até a porta do hospital e depositaram o seu corpo na entrada... Não haveria problema, afinal, ele era um caçador de recompensas e não tinha mais o nome vinculado aos sindicatos.

– Fique aí, senhor, mandaremos alguém aqui para cuidar das despesas... Não morra, não podemos ficar sem uma boa liderança.

Foi só aí que Spike lembrou de vez quem era o homem que o acompanhara até ali. Eles se conheceram numa das missões que Spike teve pouco depois de ser feito um membro do clã. Naquela época as ruas não eram seguras, principalmente se você fosse parte de alguma organização criminosa, havia um banho de sangue por todos os lugares e muitas vezes a melhor forma de se defender, era atacar. Era uma ordem simples dada pelo conselho, cinco homens seriam enviados até um depósito rival e deveriam matar toda a resistência, depois disso, a missão se resumia a incendiar tudo, cortar o suprimento de drogas do sindicato rival. Aquele homem era um dos que acompanharam o grupo.

Vicious achou que seria mais útil se atacasse por cima, enquanto Spike preferia uma aproximação mais direta, os três membros restantes deveriam esperar até que os primeiros disparos fossem feitos para começar a agir. Desse modo, tinham mais chances de ser eficientes do que se todos os cinco atacassem de uma só vez. Vicious ainda estava desejando matar alguém pela primeira vez, Spike estava ansioso pela segunda oportunidade... Caminhou tranquilamente assobiando uma canção que ouvira num bar enquanto jogava sinuca na semana anterior, uma fina chuva começara a cair quando um dos guardas no portão do depósito pediu sua identificação.

– Aqui está... – Falou Spike sorrindo, pouco antes de sacar a pistola e fazer dois furos no peito do homem à sua frente. – Ótimo, isso deve ter chamado atenção suficiente.

Enquanto ele buscava proteção, Vicious começou a fazer disparos cadenciados com um fuzil de assalto, estava numa posição privilegiada no segundo andar do galpão. Agora eles tinham dividido a atenção dos inimigos, era o suficiente para que os outros três se aproximassem e completassem a pequena festinha que eles haviam criado. Spike começou a caminhar em direção ao lugar onde Vicious se encontrava, às vezes precisava correr entre uma cobertura e outra, atirando em quem se colocasse no caminho, desde que fosse membro do sindicato rival, alguns dos presentes eram apenas trabalhadores do porto que provavelmente nem sabiam do que se tratava a carga dentro das caixas de madeira.

Um a um os inimigos sucumbiram aos disparos, até que os dois amigos estavam novamente reunidos. Vicious já estava munido de sua pistola, agora que a munição do fuzil estava no fim. Dois dos outros três homens do grupo estavam mortos, apenas o mais velho, de bigode e cabelo bem penteado restava de pé, tentando escapar das balas que voavam em sua direção.

– Ei, Vicious, vamos resgatar o nosso companheiro!

– Me dê cobertura!

Depois de alguns instantes, estavam todos reunidos novamente, ao redor, diversos corpos cheios de buracos de bala, paredes ensanguentadas e civis assustados. Era hora de incendiar tudo antes que a polícia chegasse, ou os reforços que provavelmente foram chamados. Não se brinca facilmente com os Tigres Brancos, aquilo teria volta se descobrissem quem estava envolvido na situação.

Spike espalhou quantidades generosas de gasolina em pontos estratégicos e ordenou que todos os civis fossem embora, para sua própria segurança. Vicious quis ter a honra de acender a trilha de gasolina que saia pela porta principal... Em poucos instantes tudo o que havia ali tinha se transformado numa espécie de portão do inferno, labaredas lambendo os telhados e a fumaça alcançando o céu. O homem, que gostava de ser chamado apenas de Trevor, estava dirigindo o carro o mais rápido que podia, atrás deles, três carros cheios de sindicalistas revoltados tentavam alcançá-los.

– Rápido, Spike, atire neles! – Gritou Vicious, preocupado com o sucesso da missão e a sobrevivência do grupo.

– Dirija mais rápido, Trevor, não se preocupe conosco!

Spike cadenciou os disparos, buscava atingir o motorista do carro da frente, seria o suficiente para atrasar os rivais. Infelizmente, atirar de um carro não é muito fácil, ele não estava conseguindo acertar muito do que desejava.

– Ai, caralho! – Spike caiu no banco traseiro do carro segurando o ombro, fora atingido por um tiro de sorte.

– Você está bem?

– Sim, sim!

Ele estava bem, mas sabia que o ferimento não deveria fazer com que ele descansasse, sair da briga agora poderia ocasionar a morte de todos. Empunhou mais uma vez a pistola e levantou para disparar. Crash! O vidro do carro estourou, ferindo o olho esquerdo do rapaz que caiu quase inconsciente no banco do carro.

– PORRA! Filho da puta! Meu olho! MEU OLHO!

– Calma, Spike, calma.

– Você quer que eu fique calmo por que não foi você!

– Fique aí, senhor, – Finalmente Trevor abriu a boca. – o senhor Yenrai enviou reforços, eles estão logo ali, vamos levá-lo para um lugar para tratar dos seus ferimentos e...

– Eu perdi meu olho, Trevor, você não percebe?!

– Eu sei, mas é possível implantar outro olho, perfeitamente funcional, se o senhor quiser.

– Pare de me chamar de senhor, por favor, eu tenho só vinte anos.

Dizendo isso, Spike perdeu os sentidos e ficou desacordado no banco do carro. Vicious pôs a cabeça do amigo no colo enquanto fazia mais alguns disparos, logo ali estava um bloqueio na pista, feito por homens enviados por Mao, não havia mais preocupação com a missão, estava preocupado com o amigo... Spike foi levado para um laboratório clandestino, cheio de tecnologias de ponta, passou cinco dias desacordado, Vicious não saiu do seu lado nem mesmo quando recebeu ordens para que o fizesse. Quando finalmente abriu os olhos, Spike percebeu uma diferença do lado esquerdo da visão, era o lugar onde haviam implantado um olho cibernético.

– Ei, amigão, por quanto tempo eu fiquei aqui?

– Cinco dias.

– Meu rosto, como está?

– Feio como sempre, há-há!

– Há! Diga isso para as garotas que saem comigo todas as noites, espertinho.

Ele se lembrava disso enquanto era levado para a emergência do hospital, um hospital de verdade, ele nunca esteve num assim. Quando era do sindicato, tinha os melhores médicos do submundo, e também, depois de certo ponto, tinha Júlia para fazer curativos. Quando era membro da tripulação da Bebop, tinha a ajuda de Jet e Faye para fazer seus tratamentos... Na infância ele não podia se dar ao luxo de ficar doente, na adolescência ele não teve grandes problemas... Era isso, a primeira vez num hospital civil.

Longe dali, Jet andava com suas muletas de um lado para o outro na Bebop, Faye estava sentada no sofá, parecia estar com o rosto inchado por chorar bastante durante a noite... Jet sentiu-se no dever de oferecer um ombro amigo para a companheira de longa data.

– Ei, Faye, como você está?

– Bem...

– Não me venha com essa, Faye, ninguém aqui está bem e você sabe!

– Eu não sei, Jet, você sabe que Spike não vai voltar, mas também sabe que eu tentei fazer com que ele ficasse, todos nós tentamos.

– Você diz isso e o conheceu faz pouco tempo, eu passei três anos acompanhado dele... Talvez tenham sido os mais tranquilos da minha vida.

– EI, JET! – A voz de Bob soava pelo telefone.

– Hum? Oi, Bob.

– Não sei se você está sabendo, mas, aconteceu agora à noite um tiroteio na sede dos Dragões Vermelhos, a polícia foi pra lá e encontrou vários corpos e severos danos na estrutura, provocados por explosões.

– Spike...

– Espere, ainda não acabou... Aparentemente encontraram a nave do seu parceiro, mas não o encontraram entre os mortos... O mesmo não pode ser dito a respeito de Vicious, que havia subido à condição de líder bem recentemente, foi encontrado com um ferimento a bala no peito, parece que morreu instantaneamente...

– SPIKE!

– Calma...

– Fala logo, Bob, caramba! – Falou Faye sem paciência.

– Acabei de ficar sabendo que um homem alto e de cabelo grande e verde deu entrada num hospital em Tharsis uma hora atrás... Ele usava um terno e gravata e estava ferido a balas e tinha um corte na altura do estômago...

– Obrigado, Bob. Vamos, Faye, eu te dou uma carona.


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