Fernanda passou a noite tendo pesadelos. Os sonhos de que estava sozinha num lugar deserto voltaram. Ela detestava ficar sozinha e desde pequena sempre teve esse tipo de sonho. Pela manhã estava exausta. Caio se levantou primeiro, tomou seu banho e carinhosamente, levou o café da mulher na cama.

- O mesmo sonho?

- Não deixei você dormir direito, não foi?

- Não se preocupe com isso. – Ele beijou a testa da mulher abraçando-a. – Agora, quer contar o pesadelo?

- Eu estava num deserto, mas sem o calor, só estava sozinha procurando você e a Cristina. Eu os via, mas não conseguia chegar mais perto.

- Foi apenas um pesadelo, amor.

- Eu sei que foi. – Mas ela sempre ficava insegura o dia inteiro quando tinha esse tipo de sonho.

- Tome um gole de suco de laranja. Ajuda a despertar. – Ele falou sorrindo.

O astral de Fernanda melhorou sensivelmente com o carinho dele. Começou a tomar o café delicioso que ele preparou pra ela.

- Você quem fez?

- Está ruim? – Ele perguntou sinceramente preocupado.

- Não, bobo, está maravilhoso. Obrigada. O que você está falando no celular?

- Eu? Avisando que vou chegar um pouco mais tarde para o Ruy. Ele disse para não me preocupar.

- Caio você não precisa...

- Quero conversar com você um pouco. – Ele falou sentando perto dela na cama.

- Caio...

- Fernanda eu estou liberando mais dois seguranças para andar com você. Pelo que eu andei sabendo, essas meninas são sequestradas pra vivarem prostitutas na Europa e nunca mais são encontradas. Ou é assim, ou você não vai mais estar envolvida nesse caso.

- Sem direito de escolha?

- Não. Não vou arriscar perder você.

- Você não vai me perder, mas aceito suas condições. Para você ficar mais tranquilo.

Depois da conversa matinal, Caio chegou ao escritório um pouco mais aliviado. Deixou ordens específicas para os seguranças não saírem de perto da mulher dele, caso contrário, eles iriam sofrer as consequências.

A construção do complexo, graças a interferência de Aguiar estava acelerada e logo estaria pronta, provavelmente perto de seu aniversário. Ruy sabia que teria que começar a organizar o coquetel de inauguração, mas ainda não gostava da presença do senador por lá. Não contou nada, mas ele estava dando novas ordens para os empreiteiros, ordens que ele sabia que Caio não concordaria.

- Preciso falar com você, Caio.

- Claro cara, o que foi?

- Você confia nesse cara?

- Ruy eu sei que ele não é flor que se cheire, só estou me aproveitando dele para terminar logo a construção.

- Eu não confio nele.

- Nem eu.

Depois de tomar um banho e se arrumar, Fernanda chegou em tempo para a sua segunda aula no cursinho. No caminho ligou para Thiago para saber mais detalhes das investigações. Soube que haveria um grande carregamento de drogas no porto a noite e que essa droga iria para Estados Unidos e Europa. Pediu um tempo para Thiago e discou o número de Tião.

- Fernandinha, o que conta de novo?

- Preciso da sua ajuda.

- O que foi, aquele troglodita do Caio andou saindo da linha?

- Não, preciso de um favor seu. – Seu tom de voz estava sério.

- Claro princesa, pra vocês, qualquer coisa.

- Você ainda tem aquele contato no porto?

- Tenho sim.

- Quero que ele averigue um carregamento pra mim hoje à noite. Não é pra fazer nada, apenas para anotar tudo que ele presenciar. Nomes, horário, tudo.

- Algum problema?

- Ainda não sei.

- Considere feito.

Depois disso retornou a ligação para Thiago. Avisou que no dia seguinte eles teriam toda e qualquer informação que precisarem e se duvidar, conhecendo Tião como ela conhecia, teria também fotos. Thiago ficou impressionado com a certeza de Fernanda que nem perguntar como ela conseguiria perguntou.

Chegou ao cursinho e começou a explicar Controle de Constitucionalidade. Um assunto que ela gostava e que dominava. Essa turma era uma turma de bacharéis em direito que passaram a faculdade toda escutando histórias sobre seu trabalho. Já estava acostumada a ver o olhar de admiração dos alunos, alguns até com alguma apaixonite por ela. Era divertido, mas claro, Caio nunca deveria saber disso.

Naquele dia, após terminar sua aula, voltou para a sua sala e viu que havia várias ligações de Tião. Retornou e logo teve a confirmação que suspeitava.

- Fernanda, está sentada?

- O que foi?

- Assim que eu disse o assunto para meu contato ele começou a falar tudo. Mas não gosto de falar muito por telefone. Você está no cursinho?

- Estou.

- Daqui a meia hora estou chegando ai.

Quando Tião chegou, Fernanda estava terminando uma aula. Demorou cerca de vinte minutos e o deixou no canto da sala. Por algum motivo ele ficou olhando interessado no que ela dizia e se impressionou com a desenvoltura dela para com os alunos. Respondia qualquer questão várias vezes até o aluno entender. Ele não tinha essa mesma paciência.

- O Caio sabe que todos os homens da sua turma babam pela mulher dele? – Ele perguntou depois que Fernanda se despediu do último aluno.

- Não e nem precisa saber. – Fernanda falou sorrindo.

- De minha boca não sairá um A sequer.

- Então, o que você tem pra mim?

- Antes que eu lhe diga Fernanda, você tem certeza no que se meteu? Até eu, com meus contatos não seria tão estúpido assim.

- Tião...

- Tudo bem. Dê uma olhada e depois me diga.

- Aguiar? O senador Aguiar?

- Exatamente.

- Obrigada Tião. – Fernanda o abraçou forte e saiu correndo para poder se encontrar com Marcelo e Thiago.

Fernanda ligou para Thiago e depois para Marcelo para eles se encontrarem com ela no restaurante. Aproveitariam e almoçariam. Ligou para Caio para avisar onde estava indo. Ela não sabia, mas Caio ainda sentia ciúmes de Thiago, mas evitou comentários com ela por telefone.

- Fernanda, por que tanta pressa em nos encontrar?

- Veja professor. – Fernanda põe um envelope amarelo em cima da mesa perto das mãos dele.

- O que é isto?

- Provas, Thiago.

Thiago e Marcelo olharam o conteúdo dentro do envelope amarelo. Nos primeiros instantes os dois não reconheceram ninguém nas fotos, mas depois de olharem direito ficou fácil a identificação.

- Ele nem se preocupou em tomar cuidado?

- Esse pessoal não tem porque se preocupar com isso. Está vendo aqui? É um dos locais mais escondido do porto. Por isso a falta de segurança e cuidado.

- Mas Marcelo, isso não faz sentido, até parece que ele queria ser pego.

- Bem pensado. Fernanda, essas fotos como você conseguiu?

- Pedi um favor a um amigo. E ele conseguiu mais coisas também. Veja. Esses documentos mostram os horários de entrada e saída dos barcos e navios. E o navio do Aguiar, é o que mais aparece.

- Claro que sim, ele não trabalha somente com drogas, há o tráfico humano também.

- Ele é poderoso. Será difícil. Eu sabia que ao lhe chamar, Fernanda, você não se decepcionaria. Agora, com licença que vou fazer uma ligação.

Enquanto Fernanda se reunia com seus amigos, um avião acabava de aterrissar. Era um avião novo de uma dessas companhias europeias famosas. As pessoas que saiam, vestiam roupas de frio, casacos, sobretudos, pois era outono no hemisfério norte. Dentre os passageiros desceu um homem alto, branco e loiro, dos olhos azuis. Educado e elegante. Vestia um conjunto completo de paletó azul marinho perfeitamente passados, um sobretudo em seu braço direito, gravata de seda numa blusa branca de linho. Por onde passava chamava a atenção de todos, inclusive das mulheres.

Viu uma placa com seu nome, se identificou e seguiu o homem até o carro que estava lhe esperando. Era um Mercedes preto, impecavelmente limpo.

- Fez boa viagem?

- Você sabe que eu odeio viajar de avião. Aliás, esse país continua péssimo não é? Quente, abafado. Um horror. Por que você precisa de mim, afinal?

- Tenho um servicinho pra você.

- E o que é?

- Quem é, melhor dizendo. – O homem joga um envelope com umas fotos no colo do rapaz elegante.

- Bonita, mas... Não está velha demais para o que fazemos?

- Ela é perfeita, será exclusividade minha. Só temos que ver como despistar o marido dela e os seguranças que ficam pra cima e pra baixo.

- Você tem alguma estratégia?

- Sim, tenho. Quebra de confiança. Eles são inseparáveis e completamente confiáveis um com o outro. Quebrando isso, fazendo esse elo se partir, conseguiremos a mulher.

- E você sabe como fazer isso?

- Tenho ficado esse tempo todo ao lado dele por uma única razão.

- Ganhar dinheiro?

- Isso também, mas saber como eles são um com o outro. Saber a rotina, saber a ligação entre eles. Analisei durante esses três meses. A força dele é a família, principalmente a mulher. Você não imagina minha surpresa ao descobrir a beleza da mulher dele. Logo a quis para minha coleção.

- Já que é assim, considere feito.

O carro deu a partida. Senador Aguiar seguiu para o hotel em que o homem ficaria hospedado.

- Henrique?

- Senhor?

- Essa eu não quero maus tratos, entendeu?

- Não se preocupe. – E se despediu.