Jogos Vorazes - O Retorno escrita por valverdegyy, Carol Pantaleão


Capítulo 7
Capítulo 7 - Em Clima de Morte


Notas iniciais do capítulo

Ooooi gente, tudo bem? Desculpe pela demora... dessa vez o capítulo estava pronto, mas eu estava revisando um milhão de vezes em busca de erros porque sempre que eu lia parecia que eu não estava prestando atenção e deixava alguma coisa passar. Enfim, espero que gostem e, caso encontrem algum erro, por favor não hesitem em me avisar, okay?
Desde já agradeço aqueles que favoritaram e não desistiram de acompanhar a fic. Titia ama vocês!. Beeeeeeijos e até depois!!! Boa leitura!



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 Abro os olhos e fito o teto branco. Lentamente, olho a minha volta e percebo que estou sozinha, deitada em uma maca num cômodo praticamente deserto. Ao meu lado esquerdo há uma poltrona e uma mesinha de canto onde está depositada uma bandeja com sopa, pão, suco e uma pequena tigela com gororoba marrom. Do outro lado, há uma porta e uma imensa janela horizontal de vidro escuro que me permite enxergar apenas meu próprio reflexo. Tento me sentar, mas não consigo. É como se de uma hora para outra, meu corpo pesasse uma tonelada.

 De repente, a porta se abre e o som de passos preenche o ambiente enquanto uma enfermeira se aproxima. Assim que tento dizer alguma coisa, meus músculos parecem finalmente despertar e uma onda de dor excruciante me atinge, sugando todas as minhas forças quando a mulher de cabelos verdes injeta algo em meu braço direito. Mais uma vez, tudo mergulha na escuridão.

***

 Desperto assustada e procuro forças para me levantar. Porém, Haymitch me impede e sinto como se tivesse sido atingida por uma marreta na cabeça.

 - Calma aí, ruivinha! Você acabou de sair da emergência. Já quer voltar pra lá? – seus braços fazem pressão contra o meu tórax, me obrigando a permanecer deitada. Aos poucos ele se afasta e volta a se sentar perto de mim.

 Penso em conversar, perguntar o que aconteceu, mas não consigo nem ao menos abrir a boca e me questiono se a comunicação é realmente tão complicada quanto parece. Com o corpo inclinado para a frente e os braços apoiados nos joelhos, Haymitch me analisa em silêncio. A testa franzida é um sinal explícito de preocupação, o que me deixa nervosa e muito ansiosa por respostas. No entanto, a cada vez que tento dizer algo, minha voz não sai. Ela fica entalada na garganta e só a escuto em minha imaginação.

 Não tenho ideia de quanto tempo se passou e se já estamos no último dia de treinamento, perto do horário das entrevistas. Quero saber tudo o que aconteceu comigo! Se terei a chance de evoluir um pouco mais as minhas habilidades, pois tenho a sensação de que o pouco que treinei nos dias anteriores não me valeram de nada e essa história de não conseguir proferir uma só palavra me deixa mais inquieta. Meu corpo se recusa a cooperar com minha mente e obedecer a meus comandos, não importando o quanto eu tente. É inútil!

 Então, a mesma mulher de cabelo colorido adentra a sala e Haymitch se põe de pé no mesmo instante. Eles ficam em um canto, trocando informações e o fato de estar sendo privada de qualquer notícia me deixa atônita.

 O que está acontecendo?! Eu preciso saber o que houve...! Por que ninguém me diz nada? Que papo é esse de emergência? Foi só uma pancada! Alguém fala comigo, POR FAVOR!

 Um desespero sufocante e devastador se apossa de mim, me levando a histeria.

 - EI, EU ESTOU BEM AQUI! – as palavras saem rasgando com tal fúria a minha garganta, que a mesma grita em protesto pelo esforço. Porém, apesar da dor, me sinto aliviada por poder falar outra vez.

 As duas figuras que antes conversavam olham para mim, espantadas. Depois de trocarem mais algumas palavras, a enfermeira nos deixa a sós.

 - Nem mesmo as dores são capazes de fazer você se comportar, não é? – Haymitch se acomoda na poltrona.

 - Eu estava frustrada por não poder falar e, mais ainda, por ninguém me dizer absolutamente nada. – um sussurro rouco sai de minha boca. - O que ela disse?

 - Você vai ficar bem. Infelizmente, faltam menos de 48 horas para vocês serem mandados para a arena e isso quer dizer que não poderão cuidar de você devidamente. Mas os médicos acham que apesar de tudo, você não terá grandes problemas durante os Jogos. Daqui a pouco, eles irão te levar para o seu quarto. – ele permanece sério. – Está liberada!

 - O que aconteceu depois que eu desmaiei? Que dia é hoje? Eles não... – perco a voz de novo.

 - Se acalma aí, ruivinha! Você terá todas as respostas no momento certo. Por enquanto, procure descansar. – ele aproxima seu rosto do meu e sussurra. – Acredite: este será um dos poucos e talvez o último momento da sua vida em que ainda possuirá alguma tranquilidade e pessoas para te servir... Aproveite!

 Ele se levanta e caminha até a porta.

 - Nos vemos depois.

 Volto a olhar para a brancura ofuscante do teto e resolvo seguir seu conselho. Em questão de segundos, adormeço.

***

 - Samara, meu bem. Acorde! – uma mão agita meu braço. – Acorde, Samara! Acorde!

 Aos poucos, abro os olhos. Sinto a brisa suave passear por meu rosto enquanto os raios de sol encontram passagem até mim por entre as folhas de carvalho. Me sento, observando a tudo com cautela. Estou completamente sozinha em meio a um campo verde e arborizado. Perto de mim, cerca de 3 metros de distância, há um pequeno lago com peixes saltitando de um lado para o outro. Um pássaro canta melodiosamente em algum lugar acima de minha cabeça, captando minha atenção. Aos poucos ele se revela e me sinto atraída por sua beleza.

 Seu peitoral azul tem o contraste perfeito com suas asas marrom e sua cabeça acinzentada. Um caminho esbranquiçado traça a região de seus pequeninos olhos negros que a tudo observam. Após alguns instantes cantarolando, ele me encara e assim permanecemos por um bom tempo. O vento sopra fazendo as folhas balançarem e apontarem para uma direção qualquer, desviando minha atenção. Em seguida, torno a olhar para o galho no qual o rouxinol estava empoleirado apenas para descobrir que ele não está mais lá. Só então, com um farfalhar, o vejo partir rumo ao horizonte junto de seus amigos emplumados.

 - Samara! – a mesma voz volta a me chamar. Olho para todos os lados, mas não acho ninguém. – Venha, querida! – o som parece vir de algum lugar entre um grupo de pinheiros, a minha direita.

 Caminho com um pouco de receio. No momento em que me aproximo, ouço a voz outra vez:

 - O que você está fazendo, meu amor! Eu estou aqui. – me viro rapidamente para a esquerda, porém nada encontro. Estaco no mesmo lugar e analiso a paisagem ao meu redor vasculhando por algum sinal de vida, mas não dou sorte.

 Avisto um grupo de pássaros voando ao longe e, quando dou por mim, estou correndo enquanto os sigo. Aos tropeços, adentro um denso arboreto e quanto mais avanço, mais obstáculos surgem. No entanto, a velocidade em que estou não me permite enxerga-los. Por fim, caio diversas vezes devido a pedras e raízes, mas não desisto e volto a ficar de pé. Em um determinado momento, tudo se transforma em meros borrões e como seu eu possuísse os reflexos de um gato, desvio dos mais variados tipos de vegetação. Começo a diminuir o ritmo à medida que me aproximo de uma clareira. No centro, não é possível distinguir muita coisa em meio a sombra das árvores além das silhuetas de algumas plantas. Olho para o céu e pelas cores percebo que o sol está se pondo. Não há nenhum sinal das aves que me guiaram até aqui. Procuro uma saída, tentando encontrar um caminho, mas não importa para onde eu olhe. A paisagem permanece a mesma. Só então, noto um vulto a alguns metros de distância em meio as ramificações.

 - Ei! – ele começa a se afastar. – Espera... – assim que ando em sua direção, ele se move mais rápido. – Ei, espera aí!

 Outra corrida se inicia, me obrigando a me aventurar mais uma vez entre a diversificada plantação de madeira. Desço barrancos, desvio de troncos e pulo algumas pedras que surgem a minha frente. De repente, está completamente escuro e silencioso. Não há mais indícios de quem quer que fosse a pessoa. Resolvo dar uma pausa para recuperar o fôlego e olho para cima em busca da pouca claridade do céu. Entretanto, só enxergo o breu. Digo para mim mesma que deve ter anoitecido e me dou um descanso. Com as mãos sobre os joelhos e as costas arqueadas, tomo uma dose extra de ar antes de voltar a analisar o lugar onde me encontro. Começo a subir em uma árvore para conseguir uma vista mais ampla e escuto um ruído. Viro o rosto abruptamente para trás, mas não vejo nada. Quando escalo alguns galhos baixos, ouço outra vez o mesmo som e torno a olhar na direção de onde ele parece vir. Ao longe, avisto o clarão de uma fogueira e desço. Devagar, caminho rumo ao local. O ruído volta a preencher a escuridão e paro, olhando cuidadosamente a minha volta. Não vendo nada, continuo seguindo a luz alaranjada que ilumina a noite.

 Ao me aproximar, observo a área. Está vazia! A fogueira estala em meio a solidão, me convidando a se unir a ela. Espero por algum tempo escondida nas sombras e quando nada acontece, me arrisco até as chamas bruxuleantes que dançam diante de mim. Sento em um tronco próximo ao fogo e aprecio as pequenas labaredas. Me deixo levar por seus movimentos repetitivos e sincronizados até que rostos familiares surgem em meio as chamas, me hipnotizando. Minha mãe e meu pai estão lado a lado, sorrindo para uma criancinha enquanto cantam e dançam a entretendo. As imagens mudam e trazem à tona o dia em que os perdi, há oito anos atrás. Em seguida, mostram Rafael e eu nos conhecendo e, aos poucos, nos tornando amigos. Então, o vejo morrendo em meus braços. Ele possui uma ferida profunda nas costas que sangra sem parar. Dentro daquelas imagens tento desesperadamente fazer parar, estancar o ferimento. Mas é inútil... ele se foi. Lágrimas escorrem por meu rosto e as limpo. É nesse momento que percebo que não estou mais sozinha.

 Lentamente, levanto o olhar. Sentada, do outro lado da fogueira, está a jovem de cabelos castanhos segurando a bebezinha em seus braços. Assim como eu, ela também observa o fogo, desconsolada. Baixando o olhar, limpa com a ponta dos dedos uma lágrima que escorre em seu rosto. Me levanto e vou até ela, me sentando ao seu lado. A criança está toda envolta em um cobertor rosa com o rosto escondido por uma parte do mesmo. Encaro a mulher de novo. Ela permanece de cabeça baixa, chorando silenciosamente enquanto enxuga as bochechas com a mão e sem nenhuma explicação, estende seus braços, depositando o bebê em meu colo. Antes que eu consiga dizer algo, ela se vai.

 Fico de pé, na intenção de procura-la e percebo que o dia amanheceu. Assim como a noite, a fogueira e a mata desapareceram sem deixar rastros. Em seu lugar, restou apenas um imenso campo seco com uma única árvore sem folhas. Olho para a criança em meus braços e descubro seu rosto, com um sorriso bobo em meus lábios. Não consigo acreditar no que vejo. Rapidamente, começo a remover o pano que a embala apenas para ter certeza de que aquilo é real. Horrorizada, coloco a pequena no chão e choro desesperadamente.

 O bebê está em decomposição, com seu corpo exalando cheiro de morte e larvas saindo de todas as partes. Em meio a coberta rosa, noto um pedaço de papel. Me agacho e o apanho, abrindo-o com as mãos trêmulas. O que leio me deixa ainda mais atordoada. O guardo em meu bolso e recolho o que restou da pobre criança, andando em direção a uma pequena cova debaixo do velho pé de salgueiro. Assim que a deposito, cubro com as mãos seu leito de morte ainda sentindo as lágrimas queimarem meu rosto. Quando termino, sento ao lado do túmulo. Dobro os joelhos e debruço a cabeça sobre os braços, soluçando cada vez mais alto pela criatura desafortunada. Sinto mãos me envolverem em um abraço e ao levantar o rosto, encontro a mesma face da fotografia. Sorrindo suavemente, ela segura meu queixo com delicadeza e sussurra:

 - Eu te amo, filha! - em seguida, pousa um beijo em minha testa e acaricia minha bochecha. – Eu faço tudo por você!

***

 Acordo exasperada e coberta de suor.

 - Está tudo bem? – Madelyn se aproxima. Olho pela janela e percebo ser de noite.

 - É claro. – sorrio, tentando disfarçar. – Como vim parar aqui?

 - Trouxeram você de tarde... Você deu um baita susto na gente.

 - De tarde? Como assim? Que dia é hoje? – me sento e sinto uma pontada na parte de trás da cabeça.

 - Não precisa se preocupar. Você não perdeu o último dia de treinamento. Por falar nisso, já sabe o que vai fazer na sessão individual? É amanhã, viu! – ela dá uma piscadela e some no banheiro.

 Fico deitada, pensando no que dizia o bilhete. “Nós te avisamos!” ... O que será que aconteceu? Por que ela me chamou de filha?

 Levanto apressadamente, ignorando a dor de cabeça e abro a gaveta da cômoda. A reviro completamente em busca da foto, mas não encontro.

 - Onde está você...? – sussurro.

 Paro subitamente ao me lembrar da única vez em que a peguei desde que viemos para cá e corro para minha cama.

 - Como pude ser tão tola... – fico desesperada quando levanto o travesseiro e não a vejo. – Droga! Onde será que está? Pensa, Samara. Pensa!

 Vasculho minha memória em busca de respostas e ao me deparar com um grande vazio, fico irritada e começo a golpear minha cabeça repetidas vezes com as mãos.

 - Sua idiota! Quem mandou deixar as coisas esparramadas por aí? E agora, o que vou fazer? Estúpida, estúpida!

 Madelyn sai do banheiro no mesmo instante e me segura.

 - Ficou doida, é? O que foi? Por que está agindo assim?

 - Não é nada... só estou com raiva por não conseguir me lembrar de uma coisa. Não precisa se preocupar. – ela finge acreditar, mas não diz nada a respeito.

 - Vem, é hora do jantar! – Madelyn me pega pela mão e me arrasta para o andar de baixo.

 Todos conversam normalmente, fazendo comentários sobre suas expectativas para a edição desse ano e sobre o dia de treinamento. Me sento ao lado de Frank, mais uma vez e ele sorri para mim.

 - Você está bem? – pergunta. Meneio positivamente.

 Assim que o restante toma nota da minha presença, viro o assunto do momento.

 - Cara, foi muito louco aquilo que aconteceu contigo ontem...! Hoje não se falava em outra coisa! – os olhos de Mike parecem brilhar de fascinação.

 - Foi chocante! – concorda Ava. – Todo mundo achou que você tinha morrido...

 Eles seguem fazendo comentários sobre o ocorrido e apenas ignoro suas opiniões, aproveitando para extrair informações que me são relevantes, como o fato de as gêmeas terem achado pouco o que aconteceu comigo e de Myron ter ficado desnorteado assim que fui levada. Também descubro que, com base em insinuações, Mason ainda tem raiva de Rafael e, segundo Mike:

 - ...as coisas vão esquentar pra valer na arena entre aqueles dois. Você deve ficar esperta porque o Mason prometeu não deixar barato. – ele pisca para mim.

 Toda essa história não me surpreende nem um pouco. Depois daquela confusão que aconteceu entre os dois, eu sabia que Mason não sossegaria até conseguir uma revanche, pois, assim como Rafael, ele também saiu machucado da briga e seu ego foi igualmente nocauteado. Dessa forma, é óbvio que vai ter um segundo round durante os Jogos e a diferença é que nesse momento ninguém irá separá-los... A luta só vai acabar quando alguém morrer.

 Esse é o espírito dos Jogos, afinal!

 - E ainda tem a Roma... – murmuro ao me lembrar da forma como ela me olhava antes de Myron e eu começarmos a lutar.

 O jantar segue em meio a conversas que variam entre excitação e melancolia. Com o último dia de treinamento chegando a maioria está aflita e a tensão paira durante os períodos de silêncio. Alguns olhares cabisbaixos são visíveis enquanto outros tentam se esconder atrás de sorrisos e de uma falsa confiança.

 Aparentemente, Mike Fletcher é o único dos meninos que está realmente empolgado com a proximidade dos Jogos. Frank parece inseguro, ao passo que Thomás e Arthur estão evidentemente assustados. Anna Mel também demonstra um certo desconforto, ainda mais quando se trata de seu irmão menor. Apesar de ser apenas uma garotinha, Ava parece despreocupada. Com relação a Madelyn não dá para saber ao certo o que se passa, mas posso dizer com toda a certeza que ela parece pronta para o que der e vier. Quanto a mim, dou o meu melhor para que não percebam como me sinto.

 Preciso admitir que as vezes quase surto pensando no que o futuro nos reserva. O medo me assombra, de vez em quando e penso em como seria horrível morrer lentamente. Imagino como será o fim de cada um e quantos irei presenciar. Mas, principalmente se terei coragem de dilacerar uma garganta, de matar uma pessoa. Como poderei passar o resto da vida sabendo que fui responsável pela morte de alguém? E depois, ficar lembrando de todos aqueles que eu assisti sucumbir a um fim tenebroso!...

 Sinto vontade de correr, de fugir deste triste fim que nos aguarda. Mas, felizmente, sou tirada de meus pensamentos pela voz de Haymitch.

 - Amanhã de manhã será a sessão individual e vocês serão chamados por ordem alfabética. Por isso, se preparem e pensem bem no que vão fazer em sua apresentação. Esta será a última chance de impressionarem os patrocinadores!

 - Mas os eles não serão membros dos distritos? – Anna Mel o questiona. – Não estou entendendo.

 - Sim, os patrocinadores são os próprios distritos. Acontece que a sessão de vocês será mostrada ao vivo nos Edifícios da Justiça para os fornecedores dos Jogos. – Haymitch saboreia sua bebida rosada.

 - Tudo está sendo transmitido ao vivo para os membros representantes de cada distrito, desde os treinos até as entrevistas. – Johanna o corrige com certa indiferença.

 Começo a sentir vergonha ao pensar que todos estavam assistindo a surra que levei no Centro de Treinamento. Menos pontos para mim, eba!

— Teremos uma equipe de preparação para nos arrumar amanhã? – os olhos de Frank brilham de excitação e Ava também se entusiasma com a ideia.

 - A não ser que queiram aparecer diante de toda Panem completamente destrambelhados... – Haymitch sorri enquanto desfruta de alguns morangos com chocolate. – Suas roupas estão nos toques finais e logo estarão aqui para seu deleite. – ambos comemoram com um gritinho e se surpreendem ao perceberem que possuem algo em comum. Então, eles sorriem um para o outro e começam a tagarelar sobre moda.

 Assim que terminamos de comer, nossos mentores permitem que fiquemos acordados por mais 1 hora e todos aproveitam para curtir o pouco de paz que nos resta. Eu poderia muito bem ficar conversando, me mantendo informada sobre o dia de treinamento que perdi, mas não sinto vontade de falar com ninguém. Se pelo menos o Rafael estivesse aqui...

 Dessa forma, me jogo no sofá e procuro por algo interessante para assistir, algo que me distraia dos eventos dos próximos dias. Depois de muito trocar de canal, encontro um programa sobre planejamento de festas. Observo as decorações exuberantes e glamourosas e começo a desejar estar na pele de outra pessoa. Todos parecem tão despreocupados e alegres enquanto organizam o salão para o evento, como se existissem apenas finais felizes no mundo.

 E eu aqui, procurando um modo de ignorar a minha realidade.

 Tento evitar pensar em como é uma grande ironia, mas não consigo. Não posso acreditar que enquanto uns planejam festejar, outros se perguntam como sobreviver a uma carnificina. Olho para as pessoas esparramadas pela sala, conversando animadamente e sinto um aperto dentro de mim ao pensar que muito em breve estaremos agonizando até a morte. Mal percebo as lágrimas escorrerem por meu rosto e a dor se torna mais profunda ao me lembrar de Rafael morrendo em meus braços naquele sonho. Quando não consigo mais suportar, desligo a televisão e subo calmamente os degraus. Ao chegar no andar de cima, corro em disparada até o banheiro e desabo no chão. Me deixo levar pela imaginação que brinca de tortura comigo e não contenho mais o choro. De olhos fechados e em meio aos soluços, começo a murmurar:

 – Não consigo... não posso mais fingir que aguento tudo isso, mãe. – um par de olhos verdes, uma pele lívida e macia e um sorriso encantador ganham forma conforme projeto a imagem de minha figura materna. – Eu preciso tanto de você!... – sussurro.

 Uma nova onde de tristeza surge e me deixa aos prantos.

 - Por que você me deixou, mãe? Por quê?

 Me sinto frágil, manhosa e dependente. As saudades dos beijos e abraços da minha família sempre retornam ao longo dos anos, sendo esta a minha maior fraqueza. Nesses momentos, nada é consolador e nem apaziguador o bastante para me ajudar a seguir em frente. Tudo o que mais desejo é poder vê-los e sentir o calor de seus corpos me envolvendo uma última vez. Infelizmente, nunca poderei ter esse luxo. O mais próximo que tenho de família no momento é Rafael. E para o meu infortúnio, ele também não está aqui, agora.

 Após muito chorar, recupero a calma. Abro os olhos cansada de me lamentar, de sentir pena de mim mesma e me levanto. Olhando no espelho, quase não reconheço a garota ruiva que me encara com seus olhos azuis, frios como o inverno. Os cabelos cor de ferrugem soltos estão encobrindo o rosto cheio de sardas e os lábios finos complementam a expressão de seriedade, trazendo um ar de determinação. Prendo o cabelo e me debruço sobre a pia para lavar o rosto. O frescor da água faz com que eu me sinta renovada e cheia de esperança.

 Mais uma vez, me olho no espelho e limpo os vestígios de minha vulnerabilidade.

 - Não há mais lugar para aquela garotinha assustada e indefesa. – solto o cabelo e saio do banheiro.

 Sem pressa, caminho pelo corredor rumo a escada, reflexiva. Desço os degraus e me sento novamente no sofá, completamente entregue as recordações do passado e as possibilidades do futuro. Penso nas alianças que terei de fazer ao longo do campeonato, no banho de sangue na cornucópia, nos combates dos quais não poderei escapar e nos rostos que serão exibidos todas as noites no céu para me lembrar das pessoas que nunca mais verei. Quando uma imagem do rosto de Rafael sendo listado entre os mortos me passa pela cabeça, uma pontada de dor me atinge.

 Para com isso, Samara! Foi só um sonho maluco... não significa nada. É só o medo se manifestando. Ele vai sobreviver!

 - Sobreviver... – murmuro, absorta em meus pensamentos.

 Uma mão pequena envolve meus dedos, me trazendo de volta ao mundo real. Olho para o lado e vejo Arthur Dawson me observando solidariamente enquanto aperta suavemente a palma da minha mão. Ele dá um sorriso fraco e sinto uma vontade enorme de envolve-lo em uma bolha à prova de sofrimento. Sorrio de volta e toco seu queixo.

 - Vai ficar tudo bem, eu prometo! – inesperadamente, ele me abraça e retribuo sentindo uma pequena região de minha blusa umedecer.

***

 Depois de rolar de um lado para o outro na cama por quase uma hora, me levanto irritada e saio do quarto. Ainda são 23:30 e as luzes da sala de estar estão acesas. Assim, enquanto desço os primeiros degraus, ouço vozes vindo do andar de baixo. Haymitch e Johanna. Continuo a descer até que escuto meu nome ser dito e me esgueiro silenciosamente até um canto da sala de jantar, ouvindo a conversa.

 - ...dizem que ela pode ter algumas complicações na arena. – a voz abafada de Haymitch faz uma pausa. – A queda foi bem séria!

 - Acha que isso diminui as chances de ela sobreviver? – pelo tom de voz, Johanna parece preocupada.

 - Não necessariamente. Pelo que entendi, as probabilidades da garota ser um peso para os outros ou para si mesma são mínimas. Mas dores de cabeça e náuseas podem ser frequentes e talvez atrapalhar o foco.

 - Menos mal!

 Há alguns minutos de silêncio.

 - Já descobriu de quem é a fotografia? – meu sangue gela. Fotografia?

 - Não. – Haymitch faz uma pausa. – Mas acho que deve ser de uma das meninas. Não parece fazer sentido que um dos garotos tenha uma foto assim como recordação.

 - Essa mulher me lembra alguém...

 - Também acho! Mas não consigo dizer quem... – ele suspira. - Bem, acho que vou para o meu quarto. Amanhã vejo o que fazer com isso.

 - É bom mesmo! Com certeza o dono já deve ter dado por falta. – as vozes se aproximam.

 Rapidamente, me encolho atrás de uma escultura gigante no momento exato em que a luz se apaga e ambos adentram a sala de jantar. Eles continuam conversando à medida que sobem, os passos ficando cada vez mais distantes até que finalmente somem. Continuo escondida por mais alguns segundos apenas para ter certeza de que não irão voltar e finalmente saio do esconderijo.

Como de costume, me aproximo da janela mais próxima a fim de observar a paisagem urbana noturna e me pego pensando na conversa que acabei de ouvir. Se eles sentem que a mulher da foto é familiar, talvez sejam essas as pessoas que irão me ajudar a descobrir sua identidade...!

 - Mas como diabos essa fotografia foi parar nas mãos deles?

 Sem muitas opções, retorno para o meu dormitório e me jogo na cama. Olho para minha colega de quarto que está completamente apagada, provavelmente no décimo sono. Devaneio sem parar formando teorias sobre a mulher misteriosa da foto e a pequena criança em seus braços.

 Será que o sonho maluco que eu tive tem algum resquício de verdade? Será mesmo que alguém ameaçou matar aquele bebê? Por que alguém faria isso?

 Pouco a pouco minhas pálpebras começam a pesar. Tento lutar contra o sono, mas o conforto do travesseiro somado ao colchão e multiplicado com o cobertor resultam em uma soneca irresistível a qual me rendo em menos de um minuto.

***

 No dia seguinte, acordo ao mesmo tempo que Madelyn. Me espreguiço e deslizo da cama, evitando o hábito de querer virar para o lado e voltar a dormir. Enquanto ela usa o banheiro, encaro o novo dia através da janela de nosso quarto. E pensar que hoje é o penúltimo dia em que terei esta vista...

 A porta do dormitório abre e Haymitch aparece.

 - Olha só que milagre! Não foi preciso trazer um balde d’água para te fazer levantar... – reviro os olhos. – Meus parabéns! – ele sorri com deboche.

 - Veio aqui só para me atormentar ou o quê? – sento na cama bruscamente.

 - Você é realmente adorável! – ele observa o cômodo como quem não quer nada. – Sabe, até que está tudo organizado... eu podia jurar que estaria exatamente igual ao seu cabelo!

 - Fala logo ou cai fora! – retruco, ríspida. - Tenho mais o que fazer.

 - Não devia tratar assim alguém que veio aqui com boas intenções. – arqueio a sobrancelha. – Acho que isto é seu, não?

 Ele estende a palma da mão exibindo a foto.

 - Onde...? Como...? – fico boquiaberta. Como ele descobriu que a foto era minha?

 - Você devia prestar mais atenção onde deixa as coisas, ruivinha. Aparentemente encontraram a sua preciosa dentro de uma fronha quando estavam colocando as roupas de cama para lavar.

 - Obrigada...! – digo baixinho pegando o retrato. – Mas, como soube que é minha?

 - Ora, porque tem uma dedicatória na parte de trás, embora quase não dê para enxergar. – ele indica uma pequena parte do verso. – Agora vou dar o fora para que você possa aparecer, ao menos, apresentável. – ignoro seu comentário sobre minha situação capilar.

 Enquanto Haymitch se vai, leio com um pouco de dificuldade as seguintes palavras desgastadas:

 - “Para Samara, minha filha adorada. Espero que um dia possa me perdoar!... Com amor, ...” – bufo de raiva. – Droga, não dá para ler! Está apagado.

 Madelyn sai do banheiro no mesmo instante e se aproxima, sentando ao meu lado.

 - Era isso que você estava procurando? – confirmo enquanto ela observa a imagem. – É a sua mãe?

 - Ao que tudo indica, sim. – leio as letras delicadas no canto inferior da parte de trás. – Não dá para ler o resto...

 - E precisa? Quer dizer, essa não é a sua mãe?!

 Respiro fundo e me jogo no colchão.

 - Esse é o problema! – ela me encara, confusa. – Esta mulher tem cabelos castanhos enquanto que a mulher que me criou tinha cabelos loiros.

 - Tá, mas pode ser que ela tenha pintado o cabelo, não acha? As pessoas fazem isso o tempo todo!

 - Mas por que ela esperaria que eu a perdoasse? Pelo quê? Não faz sentido, Madelyn... – fecho os olhos no momento em que minha cabeça começa a latejar.

 - Quer saber, o melhor que você pode fazer no momento é ir tomar um banho e relaxar. Teremos um dia cheio por hoje. Deixe isso para outro momento, afinal não irá te ajudar em nada ficar pensando nisso por agora.

 - Acho que você tem razão... – deixo a foto na cama e me levanto, caminhando até o banheiro.

***

 Todos os vinte e quatro tributos estão sentados lado a lado, apenas esperando seus nomes serem chamados. A tensão pode ser sentida no ar, quase apalpada. Apesar de estarmos próximos daqueles com quem possuímos mais afinidade, não há conversas, sorrisos ou mesmo troca de olhares. Alguns fitam o chão e outros a parede, havendo aqueles que optaram por se concentrar nos próprios pés ou brincam nervosamente com as mãos. O silêncio começa a se tornar cada vez mais ensurdecedor, até que o primeiro nome é chamado.

 - Aniya Stebi. – a garotinha de 10 anos se levanta, ergue o queixo e se encaminha até o local.

 Por instinto aperto a mão de Rafael, que retribui. Uma vontade incontrolável de chorar me atinge, porém me recuso a demonstrar como me sinto. No entanto, meu amigo parece ser a única pessoa a notar meu estado e aperta minha mão com mais firmeza, tentando me acalmar. Quando percebo os olhos de Myron em mim passo a ter certeza de que irei me debulhar em lágrimas a qualquer momento. Mas para minha surpresa, sustento seu olhar sem vacilar e me lembro de como ele havia se preocupado comigo quando estávamos treinando. Apesar de ser completamente calado, misterioso e um tanto assustador, consigo ver através de seus olhos que ele está me pedindo perdão, que não pretendia me machucar. E depois de nos encararmos por alguns segundos, ambos voltamos nossa atenção para nós mesmos.

 O tempo parece se arrastar enquanto permanecemos em silêncio ouvindo outros nomes sendo anunciados. Anna Mel Espinoza. Arthur Dawson. Ava Halter. Ayden Fletcher... e a lista continua.

 Após um longo período, restam na sala apenas Roma, Sonea e eu. Um calafrio percorre minha espinha ao perceber que ambas me encaram sendo que a primeira sorri maliciosamente e a segunda, me fuzila com raiva. Como sempre... Quase consigo ver os olhos de Sonea faiscando, fixos em mim.

 - Roma Gottarge. – cheia de pompa, ela se levanta e desaparece. Suspiro, farta de esperar, mas, ao mesmo tempo, aflita.

 Talvez no fim das contas teria sido melhor ficar sozinha com Roma do que com Sonea. Pelo menos ela me intrigava com seu sorriso maquiavélico.

 Para meu alívio, em poucos minutos a mesma voz anuncia meu nome. Sem titubear, levanto e caminho feliz até o compartimento onde acontecem as sessões individuais. Assim que me aproximo dos estandes, porém, a alegria se vai quando avisto a cabeça decapitada de um boneco toda espetada de flechas no chão. Ao lado dela, está o corpo também caído. No ponto onde a cabeça ficava grudada, uma espada está cravada e no peitoral, apesar de estar coberto de facas, é possível ler em letras bem grandes o nome “Samara Parker”.


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Notas finais do capítulo

Pessoal, por hoje é só. Sinto em dizer que provavelmente postarei o próximo só no ano que vem, visto que irei me ausentar de meu fiel notebook por umas duas semanas devido as festividades. Espero que tenham gostado do capítulo e, heeeeeey, já estamos em contagem regressiva para os Jogos! Iremos começar 2019 com um campeonato sangrento e cheio de corpos caindo ao chão. Ansiosos? Quais são suas expectativas para a arena? Let me know!
À todos um Feliz Natal e um próspero Ano Novo!! Beijos e até ano que vem!



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