Jogos Vorazes - O Retorno escrita por valverdegyy, Carol Pantaleão


Capítulo 5
Capítulo 5 - Dito Sem Pensar


Notas iniciais do capítulo

E aí, pessoal! Como estão? Estou de volta com um capítulo novinho para vocês, meus queridos! Espero que gostem!!!

Ps.: desculpe pela demora. Sei que prometi postar com frequência, mas me faltou ânimo...

Enfim, é isso... Divirtam-se e se sintam à vontade para deixar suas opiniões.
XOXO!!



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 Acordo sobressaltada.

 Que diabos foi isso?!

 Aos poucos vou me acalmando e ao lembrar do sonho me arrepio toda.

 Depois que meus pais morreram eu havia remoído tanto a dor de não os ter por perto que com o tempo simplesmente deixei de pensar em tudo o que lembrava aquele dia, incluindo a tal foto. Nunca entendi porque eles estavam com ela naquele momento ou quem era aquela mulher. Tudo o que sei é que, por alguma razão, a fotografia parecia importante para eles. Então, era importante para mim.

 Levanto e caminho até a cômoda onde minhas roupas foram colocadas. Ao abri-la, vasculho o bolso da jaqueta que usei mais cedo e a encontro: a jovem de cabelos castanhos em tom de cobre está lá, segurando a pequena criança em seus braços. Olhando com mais cuidado noto que ao mesmo tempo em que ela parece feliz, há um quê de tristeza em seus olhos. Atrás de si, vejo a fachada de um prédio que mesmo sem placas ou letreiros reconheço. Era o mesmo que costumava ver da janela do meu quarto em minha antiga casa: o Centro de Operações Médicas.

 Quem é esta mulher? E essa menina em seu colo? Será que sou eu? Será que esta era a minha mãe quando jovem?

 Me jogo na cama mais uma vez olhando fixamente para a imagem.

 - Quem é você?! – sussurro para a foto.

 Ao olhar para a janela, vejo o céu escuro.

 - Ainda deve ser de madrugada... melhor aproveitar o momento para descansar. Quem sabe amanhã as coisas não pareçam mais claras quando eu acordar!

 Coloco a fotografia debaixo do travesseiro e, ainda pensando em possíveis respostas, volto a dormir.

***

 Pareceu que fechei os olhos por 5 segundos quando sinto uma avox me cutucando.

 - Já vou... – digo sonolenta. Ela parece se afastar.

 - Acho bom você ir se arrumando logo antes que o senhor Mal Humor resolva aparecer e te jogar um balde d’água. – Madelyn dá uma risadinha enquanto sai do banheiro enrolada em uma toalha.

 Ela prende o cabelo em um rabo de cavalo enquanto se aproxima de sua cama. Há uma roupa dobrada aos pés da mesma e, logo abaixo no chão, um par de sapatos pretos.

 - Estas serão as roupas que iremos usar? – ela a pega, fazendo-a abrir.

 Me sento esfregando os olhos e observo com mais atenção. O uniforme não é cinza, mas também não é preto. É praticamente um meio termo entre as duas cores. As mangas, porém, são rosas.

 - Parece ser quente. – me levanto e vou ao banheiro.

 - Talvez...

 Enquanto a porta do banheiro se fecha, vejo Madelyn se olhando enquanto posiciona a roupa em frente ao corpo.

 Tomo um banho de banheira revigorante e assim que termino de me secar, me enrolo em uma toalha e escovo os dentes. Volto para o quarto.

 - E aí, o que achou? – sento na cama.

 - Por incrível que pareça, é confortável e não está me fazendo transpirar. É bem fresco, na verdade.

 Ela termina de amarrar os cadarços de seu tênis e levanta.

 - Já vou descer!

 - Nos encontramos lá embaixo... – ela acena com a cabeça e sai.

 Me troco, coloco meu tênis e desço, também metendo o cabelo em um rabo de cavalo.

 Encontro muitos tributos já sentados e comendo enquanto conversam. Dois lugares, porém, permanecem vazios. Assim que me sento, Arthur se aproxima e senta ao meu lado.

 - Não entendo porque a cor de nosso grupo tinha que ser rosa...! – Johanna abocanha um pãozinho com violência.

 - É só uma cor, Johanna. Relaxa! – Haymitch segue comendo indiferente.

 - Dentre tantas cores no mundo... ROSA!

 É quase impossível não notar o desgosto em sua expressão, o que chega a ser cômico. Mas resolvo não deixar transparecer.

 - Eu gosto de rosa! - seus olhos frios e ameaçadores pousam em Frank. - É uma cor muita bonita e vibrante.

 - Concordo! – Ava aponta para Johanna com seu garfo. – Por que você não gosta?

 - Porque é uma cor repugnante! Todos veem rosa como um sinônimo de feminino e de delicadeza, às vezes até de fofura dependendo do tom. Não entendo porque apenas rosa simboliza a mulher. Existem centenas de outras cores bonitas e exuberantes, mas não! Quando uma menina nasce, é de rosa que enchem a garota... nas roupas, no quarto, nos acessório e coitada dela se preferir outra cor. Ridículos!

 Ava estava prestes a rebater, mas é interrompida por Arthur.

 - É sério mesmo que vocês estão discutindo sobre a cor do uniforme enquanto estamos prestes a ir para a arena? Pode ser que você tenha razão – ele aponta pra Johanna. – ...sobre não haver motivos bons o bastante para apenas o rosa ser considerado uma cor feminina assim como o azul ser associado ao masculino, mas essa não pode ser a preocupação real de vocês...! A gente vai morrer, ouviu bem?! MORRER! E vocês aí em um debate sobre representatividade através de uma paleta de cores.

 O silêncio é total. Arthur continua depois de beber sua bebida verde.

 - Vocês deviam estar nos dando dicas do que esperar nos próximos dias, nos preparando para encararmos os horrores desse campeonato. Afinal, é para isso que estão aqui; é por isso que são chamados de mentores! Caiam na real e desempenhem de vez o papel de vocês porque que a morte é iminente nós já sabemos. Mas acho que ainda há esperança, pelo menos para um de nós. Alguém tem que sair vitorioso, não é? – sua voz fraqueja no final e percebo que seus olhos estão brilhando. Mas não é um brilho de esperança; está prestes a chorar.

 Nunca havia parado para pensar em como deve ser do ponto de vista dele. Me lembro tão nitidamente de vê-lo chorar enquanto abraça a mãe depois de tudo o que ouviu...

 Ele é só um garotinho, não devia estar aqui. Mas não teve sorte assim como eu... A sorte nunca está ao nosso favor!

 Me arrepio ao me lembrar da frase. Apesar de dura, é a realidade de muita gente, incluindo a minha. Mas, com certeza para uma criança de 8 anos é ainda mais aterrorizante saber que ela verá pessoas morrendo e, por fim, também morrerá.

 - O garoto tem razão! Não há nada de gentil e consolador em morrer. É brutal, cruel e implacável. – olho para Haymitch reprovando sua frieza. – Se quer mesmo um conselho, aqui vai um: entrar em pânico, agir desesperadamente ou simplesmente cruzar os braços não irá te ajudar. É claro que todos vamos morrer, só não sabemos quando e como. Mas está certo quando diz que há esperança e que apenas um dentre todos sairá vivo. E é por isso que não devem entregar os pontos tão facilmente.

 Ele olha para todos.

 - Vocês têm duas opções no momento: podem se entregar à morte, facilitando o serviço dela ou, podem morrer lutando bravamente. A escolha fica a seu critério. Mas, se escolher a segunda alternativa, duas possibilidades se tornam disponíveis: você pode ser aquele que sairá vitorioso ou, pelo menos, morrerá honrosamente. Todos aqui possuem chances, alguns mais do que outros. O que define quem irá sobreviver a essas rodadas sanguinolentas é a seguinte pergunta: até onde são capazes de ir para saírem vivos?

 Depois de alguns segundos de silêncio, Johanna se manifesta.

 - Se vocês sabem que não tem muita aptidão física para empunhar uma arma ou para sair no braço com alguém, deverão usar acima de tudo a inteligência que possuem. Além de que, conseguir uma boa pontuação aumenta as chances de terem patrocínio, o que aumentará suas horas de vida na arena independente do que lhes for dado. Por isso, se dediquem mesmo a aprender algo nos próximos dias. Não dispensem o treinamento de sobrevivência. Isso também irá ajuda-los a terem momentos melhores na arena. – ela olha para Haymitch que está sentado a minha esquerda, na ponta da mesa. - Algo a acrescentar antes de dispensá-los?

 Ele limpa os cantos da boca depois de terminar a refeição e bebe um pouco de seu drink lilás. Após saborear a bebida por alguns segundos, prossegue:

 - O Centro de Treinamento estará inteiramente a disposição de vocês para que extraiam o máximo de experiência possível. Não se preocupem em ficarem se exibindo para os outros tributos. Não é a eles que devem mostrar suas habilidades. Guardem o que sabem fazer com excelência para as sessões individuais. Foquem em aprender aquilo que não sabem ou a aprimorarem uma habilidade que há muito não é usada por vocês. Se souber usar uma espada com maestria, não a manuseie na frente de seus oponentes. Se ficarem chamando muita atenção para si, os outros farão o possível para afastá-los das armas que são seu forte na arena. Mantenham sempre em mente: uma pessoa que só possui habilidade com um único instrumento é um alvo fácil. Basta desarmá-la e pronto, as chances d’ela sobreviver se tornam mínimas. Agora deem o fora daqui! Vocês demoraram muito para se arrumar e estão atrasados.

 Haymitch volta sua atenção para sua bebida e todos começam a se levantar. Johanna nos guia até o elevador e nos separa, levando apenas quatro de nós e voltando depois para buscar o restante.

 Quando finalmente piso no Centro de Treinamento, fico chocada com a imensidão do lugar. Há diversas armas e estações, assim como tributos.

 - Não sei nem por onde começar... – Madelyn sorri com o canto da boca.

 Depois que os últimos tributos chegam, formamos um círculo em torno de uma mulher que se apresenta como Atala.

 - Em duas semanas, vinte e três de vocês estarão mortos; um de vocês estará vivo e será aquele que prestar atenção no que vou falar nos próximos quatro dias, principalmente no que vou falar agora. Primeiro: não briguem com os outros tributos. Vão ter tempo de sobra pra isso na arena. Existem quatro exercícios obrigatórios. O resto, será treinamento individual. – ela olha para o resto de nós. - Meu conselho: não ignorem as técnicas de sobrevivência. Todos querem pegar numa espada, mas a maioria de vocês morrerá de morte natural: 10% por infecção, 20% por desidratação. A exposição ao sol pode matar tão fácil quanto uma faca.

 Ela continua falando, listando todas as estações que há no recinto e aproveito para observar os outros tributos. O uniforme de cada grupo é de uma cor diferente. Aqueles que pertencem ao grupo 1 – de Katniss e Peeta – possuem a cor amarela em suas vestes. Já os membros do grupo 2 – de Beetee e Enobaria -, têm a cor ciano. Mas todos possuem seus nomes escritos com a cor de seu grupo nas costas.  

 Após Atala finalizar seu discurso, todos se dirigem às estações de exercícios obrigatórios que envolvem resistência física e bons reflexos. Alguns falham miseravelmente a medida que outros conseguem se sair consideravelmente bem. Admito que tive uma certa dificuldade com a parte de escalada, mas não fui eu quem se esborrachou feio no chão. Digamos que a maioria das meninas mimadas e metidas como Rebecca Williams e Ava Halter deram um bocado de trabalho. É claro que elas detestaram aqueles que riram delas, mas elas não estão em posição de julgar ninguém pois elas mesmas riram à beça quando Rafael demonstrou ser péssimo no assunto.

 Fúteis!

 Assim que terminamos, ele e eu vamos em direção à estação de arco e flecha.

 - Como foi com seu grupo? – pergunto.

 - Foi bem interessante. Aproveitei para conhecer meus inimigos e tentar encontrar uma possível aliança.

 O instrutor da estação nos passa instruções simples de como segurar o arco e a flecha e nos ajuda a manuseá-los. Depois de mirar, solto a flecha e dou um gritinho de felicidade quando acerto o alvo. Alguns dos outros tributos me olham. Rafael que também estava prestes a atirar, se assusta e erra o alvo.

 - Foi mal... – digo sorrindo enquanto ele me fuzila. Logo em seguida, ele sorri.

 - Pelo menos um de nós conseguiu. Vou tentar de novo.

 Ficamos por mais alguns minutos na estação e partimos para a próxima.

 - E quanto ao seu grupo, alguém que fizesse valer o seu tempo? – ele retoma a pergunta. Apenas dou de ombros.

 - Não analisei todos, mas existem aqueles que gostei logo de cara. Como a Madelyn e o Arthur. – aponto para cada um.

 - A garota parece ter algumas utilidades, mas quanto ao garoto... o que exatamente viu nele?

 Desde o café da manhã, após todos os discursos que foram feitos a mesa, me senti ligada aquele menininho. Algo nele me chamava a atenção e fazia com que eu quisesse protege-lo. Talvez seja a pouca idade, talvez a cena que eu tenha presenciado há três dias... De qualquer forma, ele me lembra um passarinho frágil.

 - Não sei! Mas quero ele no meu time.

 Rafael sacode a cabeça em desaprovação.

 - Vai entender...

 Passamos a manhã toda intercalando entre várias estações e absorvendo o máximo que podemos de cada uma. Na hora do almoço, nos sentamos em uma das mesas mais distantes de todos. Alguns tributos parecem ter feito algumas alianças um tanto bizarras.

 O mais interessante foi ver que as gêmeas Gottarge estão na mesma mesa que Mike Fletcher, Rebecca Williams e Mason Carrey.

 - O Mason, sentado em outra mesa que não seja a nossa? Com as Gottarge? – Rafael se demonstra intrigado. – Isso é que é novidade!

 - Sabe que notei algo estranho... – ele olha para mim com curiosidade. – O tempo todo elas não desgrudaram dele.

 - Isso te incomoda?

 Ele sorri maliciosamente.

 - Lá vem você com essa paranoia... Eu não estou interessada nele. Só que sempre que eu parava para analisar os outros, eu percebia que elas não saíam do lado dele, inclusive no momento que fizemos o círculo. Repare só!

 - Huuum, sei... – ele come um pouco de seu suflê. – Para mim, você gosta dele.

 Reviro os olhos. Para meu alívio imediato, Madelyn se aproxima.

 - Posso? – ela pergunta.

 - Claro! – digo com uma felicidade incontida. No mesmo momento, meu amigo olha para mim com um ar de desconfiança.

 Ignoro e começo a devorar meu risoto de cordeiro.

 - Não entendo porque ele está sozinho...

 Olho discretamente para o lado e vejo que Madelyn se refere a Myron Darnell. Rafael dá de ombros.

 - Talvez ele não goste dos outros ou só queira ficar sozinho.

 - Então ele deve estar bem incomodado com toda essa gente. Ele se isolou a manhã toda! Não falou com ninguém e ignorou todos os que tentaram se aproximar dele.

 - Acho que ele só gosta de trabalhar sozinho. – digo. – Não é como o resto de nós que precisa dos outros para tentar se manter vivo.

 Ambos olham para mim.

 - O quê? Não menti! – eles voltam a comer. – Eu acho que ele está certo. Quero dizer, aliança é uma coisa boa, mas uma hora vai chegar o momento de ser cada um por si e agiremos como algo que somos desde a colheita: oponentes.

 - Vendo dessa forma, as coisas fazem sentido. Mas juntos somos mais fortes e mais inteligentes. Pelo menos eu penso assim!

 Rafael olha para Madelyn. Algo em sua expressão me diz que ele está cogitando a possibilidade de tê-la no time.

 Desde o momento em que nossos nomes foram sorteados, concordamos sem nem mesmo pronunciarmos uma palavra a respeito que lutaríamos lado a lado. É claro que em um momento teremos que nos enfrentar, mas prefiro ignorar o problema por hora. Como toda amizade de longa data não precisamos de muito para nos entendermos. Uma simples troca de olhares basta. E é exatamente o que acontece agora.

 Depois de analisar Madelyn por alguns instantes, ele olha para mim como se perguntasse se quero mesmo fazer isso e dou um leve aceno de cabeça confirmando. Ele parece não entender o porquê, mas também não me questiona.

 Não aqui. Não agora.

 - Então... Madelyn, não é? – ela balança a cabeça em concordância. – Quais são suas habilidades? Vi que você passou um bom tempo na estação de espadas e, mais tarde, na de lanças. Se interessa por essas armas?

 Ela o encara por um breve momento e Rafael sustenta seu olhar.

 - Gosto de lâminas, é fato. Mas meu negócio mesmo são as facas.

 Essa é das minhas. Acabo sorrindo de satisfação, mas ninguém parece perceber. Acho que não foi à toa que me simpatizei com a garota desde o início...

 - Interessante... Alguma outra habilidade não relacionada a armas?

 - Não que eu me lembre.

 - Você se saiu bem na escalada. – observo. – O que tem a dizer em sua defesa?

 A fuzilo por alguns segundos. Ela percebe que estou sendo zombeteira e acaba rindo.

 - Digamos que seja algo que eu desenvolvi devido as travessuras na infância, mas nunca considerei como uma habilidade. Para falar a verdade eu nem me lembrava que sabia escalar.

 - Entendo... – por algum motivo, Rafael não parece muito convencido e continua a estuda-la por mais um tempo. Entretanto, a garota não parece se incomodar.

 - E aí, vocês namoram? – ela pergunta de repente intercalando o olhar entre nós dois.

 Dou uma leve engasgada com o risoto e Rafael quase cospe seu suco em mim.

 - Claro que não! – respondo um tanto ríspida. – Seria estranho!

 Noto uma mágoa passageira no rosto dele enquanto Madelyn nos estuda. Após chegar a uma conclusão, retruca sem medir as palavras.

 - Não é assim do ponto de vista dele. – sinto meu rosto queimar e me recuso a encarar meu melhor amigo.

 Que ótimo dia para estar de cabelo preso! Maldição!

 - Parece que há opiniões bem divergentes nesta mesa... – ela suspira por fim.

 Há um silêncio súbito, constrangedor e aparentemente interminável pairando sobre nós. Tento me focar em terminar minha refeição, mas as palavras de Madelyn ecoam em minha mente soando cada vez mais altas.

 “— Não é assim do ponto de vista dele...” Começo a lembrar milhares de momentos importantes que tivemos ao lado um do outro que, conforme vou revivendo, parecem ir ganhando um novo significado.

 Não é possível...! Como pude ser tão cega?

 Desvio o olhar para as outras mesas em busca de distração e me concentro nos grupinhos que foram formados, questionando mentalmente aqueles que estavam na companhia de outras pessoas durante toda a manhã.

 Em uma mesa no canto, Jacqueline Lefrere, Junior Hernández, Kendl Lesley, Anna Mel Espinoza e seu irmão, Thomás estão terminando seu almoço. Ao lado esquerdo se encontra Arthur Dawson, Leopold Melvin e Ethan Preaker. Mais a frente, está Jessica White, Melissa Ruler, Robert Hudson, Ava Halter e Aniya Stebi. Vindo na direção de nossa mesa, estão Ayden Fletcher e Frank Welckman.

 Eles estacam atrás de Rafael, de frente para Madelyn e eu.

 - A gente pode sentar? – pergunta Frank.

 - Claro! – respondo, tentando sorrir.

 Eles se sentam e terminam seus coelhos assados.

***

 De volta ao meu quarto, desmonto em cima de minha cama enquanto Madelyn usa o banheiro. Exausta pelo primeiro dia de treinamento, penso em tudo o que aconteceu e em como aquela conversa do almoço afetou a minha tarde.

 Não era assim que eu tinha planejado...

 Quando fomos colocados em grupos diferentes, disse à mim mesma que não seria tão ruim no fim das contas. Afinal, Rafa e eu nos veríamos daqui até o último dia de nossas vidas na arena. Ou seja, de certa forma, as coisas continuariam as mesmas. Mas tudo mudou depois do comentário de Madelyn durante o almoço. Nos primeiros momentos, fiquei com raiva dela por isso, o que afetou a nossa comunicação na parte da tarde e tirou toda a minha atenção no resto do dia. Porém, pouco antes de sermos dispensados a ficha finalmente caiu. Todo o embaraço que se sucedeu não foi culpa dela. Foi minha. Ela só expos algo que eu me recusei a enxergar esse tempo todo; algo que eu não queria que acontecesse. Eu odiei como isso foi jogado na minha cara porque era uma dentre tantas coisas que eu não posso controlar; não posso evitar.

 Há muito tempo que Rafael e eu nos conhecemos e eu sempre o vi como um irmão. Talvez porque desde pequena queria ter tido um irmão ou porque ter perdido a minha família tivesse me deixado extremamente desorientada e eu sabia que precisava de alguém em quem pudesse confiar, alguém que preenchesse o vazio dentro de mim. Eu só queria uma pessoa que me amasse e cuidasse de mim como se fôssemos uma família. Depois de tudo o que foi dito na ocasião, vasculhei as minhas lembranças tentando provar para mim mesma que aquilo não era real; que aquela menina que eu mal conhecia estava errada. Mas tudo o que encontrei eram provas de que ela estava certa e de como magoei meu amigo.

 Acho que no fim das contas, fui eu quem não medi as minhas palavras...

 Para algumas pessoas e até mesmo para mim naquele momento, o que eu disse não tinha um peso tão grande. Não era possível que eu pudesse machucar alguém dizendo “Claro que não! Seria estranho”, não é? Mas eu machuquei e isso ficou nítido na forma como ele se comportou comigo mais tarde. Me sinto péssima pelas coisas que disse e pior ainda pela forma como disse só que não sei como me aproximar dele e nem o que dizer para que ele me perdoe. Poderia apenas pedir desculpas, mas se alguém por quem eu tivesse tanto afeto falasse o mesmo de mim e depois de tudo viesse e me dissesse apenas “Eu sinto muito”, eu não me sentiria muito satisfeita e nem menos magoada. Na verdade, seria o momento ideal para demonstrar o quão ferida eu estaria...

 A porta do banheiro se abre me tirando de meus devaneios. Madelyn sai com uma calça pantalona azul marinho e uma blusa branca de seda – que ela provavelmente encontrou em nossa cômoda - e se senta de frente para mim, em sua cama.

 - Olha, eu realmente não sei como começar, mas quero pedir desculpas... – ela suspira.

 - Pelo quê? – não me sento na cama. Continuo fitando o teto sem coragem nenhuma de olhar para ela. – Fui eu quem foi grossa, não você!

 - Pode ser, mas se eu não tivesse feito aquela maldita pergunta vocês teriam continuado rindo e conversando.

 Ela permanece em silêncio por alguns segundos.

 - Tudo bem. – a encaro e esboço um sorriso. – Você abriu os meus olhos.

 - Espera, você nunca tinha reparado que ele...

 - Gosta de mim? É, agora eu sei. E é por isso que me sinto tão mal... – suspiro me virando de lado e depositando o peso de minha cabeça no braço esquerdo.

 - Acho que não entendi direito.

 Ela se debruça na cama.

 - Eu sempre detestei quando algum garoto que eu tinha como amigo gostava de mim. Não sei bem ao certo o porquê, mas sempre me incomodou profundamente saber que um amigo meu estava apaixonado, ainda mais por mim. – ela arqueia a sobrancelha. - Acho que é porque eu não era capaz de corresponder o sentimento, sabe.

 - Então você os afastava... certo?

 - É, depois de acabar sendo rude com eles. Eu sempre fico sem jeito e perco o pouco de paciência que me resta. Falo o que não devo e machuco as pessoas mesmo que eu não queira.

 Madelyn fica absorta em seus pensamentos, como se estivesse tentando processar meu comportamento infantil.

 - O que você faria no meu lugar? – pergunto após um breve período em silêncio.

 - Honestamente, não sei! Mas com certeza não deixaria as coisas chegarem a esse ponto e estagnarem. Pelo que entendi vocês dois são amigos há muito tempo e se gostam muito. O primeiro passo você já deu...

 - Qual? – a interrompo.

 - Reconhecer que agiu mal. – volto a fitar o teto pesando cada palavra dita no calor do momento. – Agora vocês precisam conversar.

 - Eu sei, mas... como vou me aproximar dele? Com que cara? Eu estou me sentindo péssima por tudo o que eu disse. Não sei como convencê-lo a me desculpar.

 - Samara, você não tem que convencê-lo a te desculpar e sim, de que você está arrependida pela forma como o tratou. Seja sincera com ele e ele irá te perdoar. Além disso, você o conhece muito bem, saberá como se aproximar e o que dizer. Não precisa ficar ensaiando. Mas, posso te perguntar uma coisa? – ela morde o lábio inferior como se decidisse se deveria ou não perguntar em voz alta. – O que você sente por ele?

 A resposta não é imediata porque nem eu mesma a conheço. No momento em que percebi toda a trapalhada que eu havia provocado, comecei a me questionar se era mesmo verdade o que eu vivia dizendo para mim mesma desde então. Não posso mais negar que a pergunta do almoço de Madelyn me abalou. É claro que não somos namorados. E após detectar que em todas as vezes em que Rafael e eu estávamos juntos e ele me olhava havia mais do que mera consideração entre dois amigos, passei a me questionar se um dia, quando eu cedesse a essa possibilidade, poderíamos ser namorados.

 - Para ser sincera, eu não sei. É óbvio que gosto muito dele, mas como um irmão, entende? Quando eu disse que seria estranho se fôssemos namorados era exatamente por isso: porque seria como namorar o meu irmão! E não porque ele seja estranho ou coisa do tipo. Para ser completamente honesta, não sei se um dia vou enxerga-lo como alguém com quem eu possa ter um relacionamento voltado para romance...

 Ouço Mike Fletcher gritar no corredor:

 - Aí galera, o jantar tá na mesa!

 - Acho que é melhor descermos... continuamos mais tarde. – Madelyn se levanta e sai.

 - Vou tomar um banho e já desço! – grito no momento em que ela cruza a porta.

 Enquanto a banheira termina de encher, desamarro o tênis, tiro a roupa do treinamento e solto o cabelo. Fito meu rosto no espelho.

 Como pude dizer aquelas coisas? Não é possível que eu seja tão insensível assim...

 Entro na banheira assim que percebo que ela parou de encher. Permito-me relaxar, fechando os olhos e deixando a espuma acariciar meu corpo. Me deixo levar por pensamentos; memórias de uma vida mais feliz e cheia de esperança.

 Uma época tão feliz... ainda não tinha conhecido o Rafael, portanto não o havia magoado. Os meus pais eram vivos e eu era uma garotinha que acreditava em finais felizes. Possuía uma vasta coleção de roupas e brinquedos, além de uma vista estonteante da janela do meu quarto e... Abro os olhos de repente.

 Como num passe de mágica, minha mente se ocupa brevemente em achar respostas para a fotografia esquecida debaixo do travesseiro. Fecho os olhos mais uma vez e visualizo a imagem em minha frente.

 Como eu queria ser aquele bebê. Despreocupado, com pessoas ao redor para cuidar, alimentar, dar banho e amar. Não ter que se preocupar com um campeonato sangrento e nem entender o significado de tristeza, mancada ou vacilo.

 - Chega de delirar. É hora de encarar os fatos! – sussurro para mim mesma e começa a me lavar devidamente.

***

 O jantar havia sido alegre. Todos comentavam sobre o dia agitado e sobre as impressões que tiveram dos outros tributos. Teorias sobre como seria a arena deste ano também encontraram um lugar entre os assuntos debatidos a mesa. Me esforcei para responder ao máximo de perguntas que pude, tentando não deixar transparecer meu desconforto em relação aos acontecimentos do almoço, mas Frank Welckman que estava sentado ao meu lado direito desta vez, não me deixou esquecer sobre o ocorrido.

 Ele não havia presenciado a conversa desde o início, visto que chegou bem depois do constrangimento. Mas, ainda assim, captou no ar que algo estava errado e, discretamente enquanto os outros pareciam distraídos falando sobre a arena, ele perguntou sussurrando se estava tudo bem. E apesar de eu ter dito que sim e sorrido, aqui está ele ao meu lado no parapeito da janela me fazendo falar enquanto todos os outros dormem em suas camas.

 Não havia conseguido dormir e desci para a sala de estar a fim de ficar a sós com meus devaneios. Estava olhando pela janela e admirando a paisagem urbana noturna quando ele surgiu.

 - É uma vista incrível, não acha? – me assusto com a voz de Frank rompendo a quietude. Ele se aproxima e para ao meu lado, também observando a cidade. – Engraçado o fato de que moro aqui a minha vida toda e nunca tinha parado para prestar atenção nas belezas que a Capital possui.

 Permaneço em silêncio.

 - É claro que também há muita bizarrice por aqui, mas não significa que não haja maravilhas a serem apreciadas. – ele se cala por um instante. – Sempre imagino como os tributos dos distritos se sentiam quando vinham para cá... com certeza ficavam assombrados pelas figuras peculiares que viam durante os desfiles e as entrevistas. Será que eu também ficaria chocado com algumas coisas que visse nos distritos?

 Dou de ombros.

 - Talvez. – respondo. – Mas se você conseguiu enxergar paisagens dignas de serem apreciadas em meio a tanta esquisitice, talvez encontre o mesmo em lugares desconhecidos.

 Ele se senta no parapeito da janela e aprecia a vista.

 - Prestei atenção no seu grupo hoje e você me parece ser uma boa pessoa. Sabe, você possui muitos talentos. – ele olha para mim. – Demonstrou estar realmente disposta a aprender as coisas e a ganhar esse jogo. Mas, alguma coisa aconteceu naquele almoço antes de Ayden e eu chegarmos.

 Baixo o olhar para os meus pés.

 - Você e seu amigo estavam unidos de manhã, mas, à tarde... o clima ficou estranho. – ele torna a olhar para a cidade. - E, acredite, ele gosta de você. Dá para ver na forma como te trata, como te olha. Sabe, sei que não é o momento para romances e...

 - Não somos namorados! – digo rispidamente. Frank me encara seriamente na mesma hora.

 Ele estuda meu rosto por alguns minutos tentando desvendar algum mistério sobre mim. Então seu semblante relaxa e ele suspira.

 - Não devia falar assim tão grosseiramente, principalmente perto dele. Pode magoa-lo!

 Volto a olhar pela janela e a expressão de Rafael no momento em que eu disse exatamente a mesma coisa me vem à tona. A forma como ele baixou o olhar para sua comida e se calou o restante do dia me fez sentir uma pontada enorme de arrependimento.

 - Ah! Você fez isso...

 Ficamos em silêncio por um bom tempo.

 - Já é tarde... melhor tentarmos dormir. – digo.

 Ele hesita um pouco.

 - Você vai consertar isso, não vai?

 - Não tenho outra escolha. Ele é meu melhor amigo, eu preciso!

 Ambos subimos até o corredor de nossos aposentos.

 - Bem, boa sorte com isso... Nos vemos amanhã! – ele sorri ao parar na porta de seu quarto.

 - Até amanhã! – sussurro de volta e aceno, adentrando o meu.

***

 Por mais que eu tente dormir, sempre que fecho os olhos vivencio os eventos do almoço. Assim, rolo na cama por um tempão sem esquecer o quanto havia sido horrível ser ignorada. Mesmo que eu tenha merecido.

 Nós não nos falávamos. Eu porque estava atordoada demais para conseguir lidar com a situação e ele... bem, estava imensamente decepcionado comigo e um tanto chateado pela forma como o tratei na frente de Madelyn.

 Se ao menos estivéssemos a sós naquele momento, talvez tivesse sido mais fácil para haver uma reconciliação...­

 - Não. Se eu fosse mais cuidadosa com o que digo, aquilo nunca teria acontecido. – sussurro para mim mesma.

 Qual é Samara, supere isso! Chega de chorar pelo leite derramado! Não adianta tentar mudar o que já aconteceu...

 Me viro na cama determinada a dormir, a acertar as coisas e a domar minha língua. E para minha surpresa, pego no sono lembrando do dia anterior ao da colheita quando estávamos sentados em baixo de uma oliveira. Talvez, naquele momento em que nossas faces ficaram extremamente próximas, não tenha sido por acaso.

 Não... ele queria mesmo um beijo de boa sorte!


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Notas finais do capítulo

Por enquanto é só, meus amores... até o próximo! Beijos!



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