Isto não é mais um romance água-com-açúcar escrita por Vanessa Sakata


Capítulo 47
Um pesadelo poder ser um aviso?




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Cheiro de queimado.

Uma coluna de fumaça escura cortando o céu da madrugada com lua cheia... E onde há fumaça, há fogo. Correu pela rua de chão batido o máximo que suas pernas permitiam. Precisava chegar à fonte do incêndio. Conhecia aquela área, aquela rua, aquele lugar onde costumava estar.

A cada metro percorrido, se aproximava da luz característica de algo incandescente. Pouco a pouco, sentia o calor e o cheiro de materiais consumidos pelas chamas. Cheiro de madeira, tecido, plástico queimados. O barulho e o crepitar característicos de algo sendo consumido vorazmente pelo fogo.

O cheiro de queimado, sufocante, invadia suas narinas e a sua garganta, através da boca aberta por estar ofegante da corrida. Seus olhos rubros se arregalaram ante a forte luz do fogo que consumia aquele local do qual saíra há poucos minutos.

Ainda tinha alguém lá! Ele havia deixado alguém naquele lugar!

Não pensou em mais nada e tentou avançar até a porta da construção que era consumida pelas chamas. Algo lá dentro estourou e fez com que as labaredas aumentassem e jogassem contra ele uma forte e insuportável lufada de calor.

Tinha alguém lá... Ela estava naquele cômodo que costumavam frequentar...

Ela estava lá e ele, totalmente impotente, não conseguia encontrar sua voz para chamar, gritar por seu nome...

Ela estava lá...!

 

*

 

Acordou no meio da madrugada com seu próprio grito. Ofegante pelo susto, olhou para os lados e só viu a escuridão noturna, quebrada por uma nesga de luz da lua que passava pela janela do quarto. Tentava respirar mais devagar enquanto passava as mãos pelo rosto empapado de suor, principalmente a testa, onde grudava uma mecha de seu cabelo prateado.

Para falar a verdade, ele estava todo suado. Sentia o pijama verde-claro grudando em todo o corpo.

Estava em casa, dormia em seu quarto e, pelo jeito, Kagura não havia acordado com o berro que dera. A pirralha tinha sono pesado, ainda bem.

Olhou para o seu despertador em forma de justaway, que marcava três horas da madrugada. Ainda tinha tempo suficiente para teoricamente voltar a dormir até que o alarme tocasse às sete da manhã, para fazer um trabalho para o qual conseguira ser contratado como faz-tudo. O problema era que, na prática, não tinha mais um pingo de sono.

E, mesmo se tivesse algum resquício de sono, ainda tinha certo medo de uma possível continuação daquele pesadelo.

Cara, pareceu tão real...!

Não que pesadelos fossem raros para ele. Ao contrário, eram bastante recorrentes e geralmente tinham um padrão semelhante. Na maioria das vezes, seus pesadelos envolviam seu passado, principalmente nos campos de batalha cheios de corpos ao chão, sangue e morte. Em boa parte desses pesadelos, ele lutava ferozmente com a katana nas mãos. Quando acordava, ainda sentia como se vestisse aquela roupa branca que lhe rendera o apelido de Shiroyasha e usasse em volta de sua cabeça aquela bandana branca, além de seus cabelos prateados mais longos e volumosos.

Sob a luz da lua, olhou para suas mãos que exibiam os vários calos desde sua infância. Calos de um garoto que lutou para sobreviver, de um jovem samurai que virou combatente nos campos de batalha dez anos atrás e de um homem que buscava se virar para se reconstruir aos poucos e tentar ter uma vida mais pacata.

Já tivera pesadelos com incêndios antes também, mas geralmente se relacionavam ao seu passado... Quando o Tendoushuu capturou Shouyou-sensei e queimou a escola que ele dirigia e da qual Gintoki se tornara seu primeiro aluno.

Pesadelos relacionados ao seu passado difícil eram, de fato, bastante recorrentes. Não que não tivesse um ou outro relacionado ao presente e a assombrações, mas os do passado eram em maior número. Dessas duas categorias, ambos o deixavam temeroso, mas os relacionados ao presente – e futuro – eram bem mais assustadores.

E esse tipo de pesadelo tinha a ver com o temor de não ser capaz de proteger as pessoas que lhe eram importantes. Esse temor lhe rondava dia e noite, vinte e quatro horas por dia.

Ele aprendera que um samurai usava sua espada para proteger aquilo que lhe era importante, e isso estava em seu próprio bushido. Jamais hesitaria em usar sua bokutou para proteger quem quer que fosse, principalmente Shinpachi e Kagura.

E também Tsukuyo.

Aquele pesadelo que tivera há pouco era muito assustador e tinha relação justamente com a mulher de cabelos loiros e olhos violetas. Sabia que ela poderia se proteger, pois era a melhor kunoichi e guardiã de Yoshiwara, líder da Hyakka, mas ainda assim ela não era imune ao perigo. Sem contar que se sentia duplamente responsável, pois deveria se empenhar em protegê-la – mesmo ela sabendo muito bem se defender – e proteger o filho ou filha que esperava dele.

Ainda eram três e quinze da manhã e o sono não voltara.

Gintoki se levantou, pois não havia nenhuma razão para ficar brigando com o futon para vir um sono que já fora perdido. Caminhou pela sala com cautela para não acordar Kagura, que estava dormindo a sono solto em seu armário. A garota tinha um sono pesado, mas até quem o tinha poderia acordar em dado momento e escutaria qualquer barulho que ele fizesse. Isso, sem contar a audição apurada de Sadaharu, que dormia abaixo dela.

A última coisa que ele queria era alguém lhe perguntando por que não estava dormindo. Pesadelos eram algo muito pessoal e seu passado era um fardo que competia somente a ele carregar em suas costas.

E não queria que ninguém se preocupasse ainda mais com ele.

Abriu com cuidado a porta corrediça principal, saindo para a varanda. Debruçou-se sobre a grade na qual estava presa a placa da Yorozuya Gin-chan e contemplou a rua vazia, onde passava apenas um solitário policial e sua lanterna sob a luz prateada da lua. Tentava esvaziar a mente para, quem sabe, conseguir voltar a dormir.

Porém, sua tarefa era dificultada pelo fato de que começava a olhar para a direção em que ficava o Distrito de Yoshiwara. E sua mente, em vez de se esvaziar e relaxar, voltava a remoer aquele pesadelo que tivera. Fora tão vívido, que parecera real.

E odiava admitir, mas remoer esse pesadelo o fazia sentir um gelo lhe percorrer a espinha, aliado ao vento frio da madrugada que agitava seus cabelos prateados.

Quando amanhecesse, iria ligar para Tsukuyo só por desencargo de consciência.

 

*

 

Como de costume desde que começara seu relacionamento com Tsukuyo, Gintoki seguia rumo ao Distrito de Yoshiwara junto com Shinpachi e Kagura, que estava montada em Sadaharu. Haviam terminado o trabalho para o qual haviam sido contratados e devidamente pagos, uma quantia suficiente para comprar os mantimentos do mês. Ainda ficariam devendo o aluguel, mas a prioridade naquele momento era a subsistência.

Durante o decorrer do dia, o Yorozuya não remoera aquele pesadelo que tivera durante a madrugada, depois do qual não pregou o olho. Passou o resto da noite na varanda até assistir ao nascer do sol e, se muito, dera um ou dois cochilos nesse espaço de tempo. Quando Shinpachi chegara, encontrara-o fazendo o café da manhã.

Não era nada tão surpreendente, visto que vez ou outra fazia o café da manhã. O que Gintoki tinha dificuldade desde sempre era de acordar cedo. Havia uma ou outra vez em que acordava mais cedo, ou nem dormia devido a pesadelos. Afinal, toda regra tinha uma exceção.

Antes de sair para fazer o trabalho, telefonara a Tsukuyo, inventando a desculpa de que queria apenas ouvir a voz dela para começar o dia e se estava tudo bem com ela e o bebê. Ela respondera afirmativamente, que tudo estava bem e tranquilo. Combinaram de se encontrar depois que ele fizesse o serviço para o qual fora contratado e lá estava ele.

Aproximaram-se da loja de Hinowa e a perceberam silenciosa. Sempre havia alguém para recebê-los, fosse a própria Hinowa, Seita ou até mesmo Tsukuyo, que estava afastada de suas patrulhas pela Hyakka.

Entretanto, não havia ninguém para receber o trio.

― Vai ver devem estar nos fundos, não acham? – Shinpachi perguntou apenas para quebrar o silêncio, pois também estranhava a entrada sem ninguém.

― Ô de casa! – Kagura chamou.

Nenhuma resposta. Era muito, muito estranho, e isso fez com que Gintoki sentisse a espinha gelar.

Seria aquele pesadelo um alerta?

Seguido por Shinpachi e Kagura, entrou sem fazer a menor cerimônia na loja e encontrou Hinowa e Seita. Ambos estavam caídos no chão e inconscientes. Entretanto, não havia qualquer sinal de Tsukuyo. Enquanto os dois adolescentes tentavam acordar mãe e filho, ele procurou pela kunoichi em todos os cômodos, sem a encontrar. Chegou até o quarto dela e abriu a porta corrediça de qualquer maneira, deparando-se com um cômodo totalmente revirado, como se tivesse ocorrido uma luta.

Encontrou algumas kunais cravadas nas paredes, no chão e nos móveis. Sim, houve uma luta e isso deixava o albino ainda mais alerta. Em uma das paredes, viu uma kunai cravada com uma folha de papel na qual estava escrito seu nome.

Era um bilhete endereçado a Sakata Gintoki. Abaixo de seu nome, haviam escrito “Shiroyasha”.

 

“Talvez você não se lembre de mim, mas eu me lembro perfeitamente de você. Sei de todos os seus passos e com que pessoas você se relaciona. Sei onde você mora e que lugares frequenta. Sei muito mais coisas do que você pode imaginar. Você não deve se lembrar de mim, mas eu me lembro de você, e do que me fez no passado. Estou aqui para me vingar de você por todo o mal que me causou.

Exijo minha vingança. Se quiser ver sua amada e a criança que ela espera, terá que vir me encontrar. Do contrário, tudo o que você ama virará cinzas.”

 

O bilhete não possuía remetente, mas algo lhe dizia que era de alguém relacionado de algum modo ao seu passado. Sua vida pregressa parecia o mar. Ora avançava contra ele, ora recuava para o esquecimento. E depois voltava a avançar com força, tal como uma ressaca que pouco a pouco solapava tudo o que estivesse à sua frente, fosse a areia, fosse qualquer outra coisa que estivesse na praia.

Algumas vezes, as ondas poderiam voltar mais fortes do que ondas de ressaca.

Amassou aquele bilhete e o arremessou contra a parede. Iria encontrar seu autor nem que tivesse que ir ao inferno, fosse ele quem fosse! E se ferisse Tsukuyo... Ele não hesitaria em justificar mais uma vez a alcunha de Shiroyasha, que tanto o perseguia desde sua época de combatente!

― Gin-san – era Shinpachi que pegava a bolinha de papel caída no chão. – Pegaram a Tsukuyo-san, não foi?

Não foi preciso que ele respondesse. O Shimura percebia a resposta nas feições transtornadas de seu chefe. Kagura também chegava à porta do quarto para anunciar que Hinowa e Seita haviam voltado a si e estavam bem, na medida do possível. O Yorozuya saiu do quarto acompanhado pelos dois companheiros e escondia, por dentro de seu yukata branco, a kunai que fixava o bilhete na parede.

Enquanto conversavam com mãe e filho, Sakuya acabava de chegar. A líder provisória da Hyakka durante seu período de afastamento de Tsukuyo devido à gravidez voltava após liderar um grupo que fazia buscas pela loira. Aparentemente, tudo ocorrera há pouco tempo, visto que a chegada do Trio Yorozuya coincidira com a chegada de Miwa e mais uma companheira. Quando Gintoki adentrara no quarto, a jovem havia reportado tudo e as diligências começaram a ser feitas de imediato.

Hinowa relatara que recebera um homem que dizia ser um amigo distante de Gintoki, que há muito tempo não o via. Dizia que mesmo assim conhecia várias coisas a seu respeito e queria fazer uma surpresa ao albino. Aquilo, obviamente, causou-lhe estranhamento, pois o homem não se apresentara e, se quisesse encontrar o Yorozuya, seria bem mais fácil ir até Kabuki. Tsukuyo estava junto e não fez questão alguma de demonstrar sua desconfiança. Foi quando outras duas pessoas que o acompanhavam jogaram bombas de fumaça com gás entorpecente, o que fez com que a cortesã e seu filho adotivo desmaiassem.

Tudo o que Hinowa pode descrever do tal homem era o fato de ele ser ligeiramente mais alto que Gintoki, aparentar cerca de trinta anos de idade, cabelos castanhos curtos e olhos negros. Se havia alguma característica peculiar? O garoto Seita se lembrou de que o homem tinha uma katana à cintura e uma cicatriz bem grande no lado direito do rosto... E cara de ser muito, muito mau, o tipo de sujeito com quem o albino jamais simpatizaria.

Com a garantia de que Miwa e as demais integrantes da Hyakka cuidariam de Hinowa e Seita, o Trio Yorozuya saiu à procura de Tsukuyo. Gintoki já tinha uma ideia em mente para procurá-la, quando avistou uma coluna de fumaça negra cortando o céu, partindo de uma direção bastante conhecida.

“Exijo minha vingança. Se quiser ver sua amada e a criança que ela espera, terá que vir me encontrar. Do contrário, tudo o que você ama virará cinzas.”

Foi quando se lembrou mais uma vez de seu pesadelo envolvendo justamente o cômodo secreto em chamas. Não pensou em mais nada e correu para a direção onde se originava aquela fumaça escura.

Tudo o que lhe vinha à mente era encontrar Tsukuyo o quanto antes!


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