Born to Die escrita por Agatha, Amélia


Capítulo 68
A escolha - Parte 1


Notas iniciais do capítulo

Temos que pedir desculpas pela demora. Essa semana foi meio complicada, tivemos problemas com o computador e só deu pra escrever no final de semana passado. Pelo menos isso serviu para alguma coisa, já que ganhamos um computador novo. Além disso, estávamos na semana das provas finais, e a escola vem em primeiro lugar. Finalmente entramos de férias, então poderemos nos dedicar mais nessa reta final.
Acabamos de conferir e a fic atingiu as 10000 visualizações, obrigada! É uma marca importante para nós, realmente significa muito.
Esse capítulo será "completado" pelo próximo. Mesmo se pensássemos em fazer um só, ficaria muito grande. Além disso, queremos finalizar no 70, gostamos de números inteiros.
Até agora só a Gabriela tinha tido um flashback pré-apocalíptico (na verdade, um em Born to Die e outro em Last Hope), e agora foi a vez da Avery, por isso o capítulo ficou tão grande (outro motivo do nosso atraso).
Por favor, leiam as notas finais, temos algumas surpresas pra vocês.
Boa leitura!
PS: Esse é o último gif da Avery.



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*Narrado por Sarah Grimes

Pouco mais de três horas haviam se passado desde a saída das crianças. O Alto do Morro parecia diferente, sempre que olhava para algum lugar, era inevitável, tinha lembranças de Grace. Estávamos almoçando e, apesar de termos passado da hora de comer, ninguém aparentava ter fome, fazíamos aquilo quase que por obrigação. Eu procurava não me esquecer do meu objetivo, da razão de ter mandado minha filha embora. Todas as minhas atenções deveriam se voltar para a guerra a partir daquele momento. Todos na sala estavam em silêncio, formávamos uma roda desordenada, cada um no seu canto. Eu estava sentada entre Fred e Gabriela. Ela olhava a comida com desinteresse, dando longos intervalos antes de comer algo.

– Estamos num enterro? – meu irmão sussurrou com a boca cheia depois de dar uma cotovelada nas minhas costelas. Dei um pequeno sorriso, eu até poderia rir se não estivesse tão deprimida. Não chegava a ser um enterro, mas as crianças eram a nossa alegria, e parecia que a ânsia de viver fora embora com elas.

– Não fale isso, e termine de mastigar – retruquei.

– Eu só não gosto de te ver tão séria – ele disse dando de ombros. – Sabe, às vezes eu penso que deveria ter sido um palhaço, sou muito engraçado.

– Convencido! – revirei os olhos dando uma pequena risada.

– Viu só? – Fred disse terminando de comer antes de se levantar e sair da sala.

Aos poucos, os outros também começaram a se retirar, alguns deles sem terminar de almoçar. No fundo, tudo o que nós queríamos era dormir um pouco para tentar esquecer daquilo. Apesar disso, tínhamos um longo trabalho pela frente. Não sabíamos como estava a situação lá fora, talvez nós tivéssemos que voltar para a campo de batalha logo. Eu poderia até pensar em acabar de comer rápido para sairmos mais cedo, porém aquela poderia ser a minha última refeição.

– Ele é um bom garoto – Gabriela comentou para puxar assunto, se referindo ao meu irmão.

– Sim.

– Quantos anos ele tinha quando vocês se separaram?

– Na primeira vez ele tinha 18 anos, foi quando eu me casei. Fred estava saindo da escola, no verão. Da última vez ele tinha 20, estava mudando de faculdade.

– Ele ainda era um menino...

– Sim, agora Fred está diferente, já é um homem. Claro, meu irmão sempre vai ser uma criança grande, mas ele cresceu – mesmo assim, continuava tão indeciso quanto antes, e isso me preocupava, eu sentia que isso poderia ser decisivo para ele no futuro.

– Sempre teve esperança de encontrá-lo? – Gabriela fez uma pausa, parecendo mudar de ideia, como se a pergunta fosse muito óbvia. – Claro que sim, você sempre tem esperança.

– Não acho que é bem assim... Eu não sou desse jeito, não sou tão forte assim. Em alguns momentos já pensei que nunca mais o veria, ou que não conseguiria continuar viva.

– Claro que é. A sua esperança faz de você a mais forte do grupo.

– Eu não sou forte, você é. Passei por algo parecido, eu pensei que Rick tivesse morrido, e só pude pensar que não conseguiria continuar sem ele. Foi egoísmo da minha parte, porque eu tinha Grace e Fred, mas na hora eu simplesmente me esqueci disso e quase fui morta. Gabriela, você conseguiu continuar depois de perder Daryl, mesmo depois de ver que ele tinha nos traído – a admiração que eu tinha por ela só se fortificava com o tempo, Gabriela havia me ajudado muito no passado e a nossa amizade permanecera.

– Talvez eu seja forte, e você também, ou não teríamos chegado até aqui – ela concluiu depois de pensar um pouco. – Agora precisamos ser mais fortes. Não sabemos o que está por vir, mas com certeza não será fácil.

– Só nos resta esperar – completei. – O que Jesus está planejando? – indaguei com curiosidade. Ele deveria ter algum motivo para não ter atacado ainda.

– Não faço ideia, porém tenho certeza que ele tem algo em mente e está trabalhando nisso. Provavelmente Jesus deve estar recebendo informações de Ezekiel e dos outros grupos.

– Rick deve ter ido para lá – comentei. Os dois poderiam estar fazendo estratégias de ataque. Nessa hora eles deveriam estar se lembrando das táticas de guerra do Abraham, isso certamente seria sua função se ainda estivesse vivo.

– Acho melhor ir lá, talvez eles estejam precisando de ajuda – apenas concordei com a cabeça, eu também deveria fazer algo.

Depois que Gabriela se retirou, me levantei e saí da sala. O único médico que o Alto do Morro tinha havia ido para a guerra, e talvez algum morador estivesse precisando de ajuda. Mesmo assim, as pessoas costumavam ir até lá apenas para pegar alguns remédios para mal-estar ou dores do corpo, o que não exigia muito a presença de um profissional. Por isso decidi ir até Rick para saber se eu poderia ser útil em algo, eu faria qualquer coisa para ajudar.

Segui pelo saguão até as escadarias, cruzando com Gregory no caminho. Ele estava sendo escoltado por dois guardas que, apesar de terem ficado do lado dele durante o sequestro, não corriam o risco de libertar o homem, já que voltaram a obedecer aos comandos de Jesus. Ao passar por mim, Gregory se limitou a abaixar a cabeça, provavelmente envergonhado pelo que fizera. Apesar de ter nos ameaçado, ele não era mais tão perigoso, sem poder o antigo líder do Alto do Morro não era mais nada. Isso poderia me trazer alivio, já que nossos meninos estavam a salvo e aquele homem era algo insignificante perante a situação que estávamos enfrentando.

Apenas ignorei a passagem deles e prossegui meu caminho, contudo não foi preciso subir as escadas para encontrar meu marido e Jesus, ou pelo menos um deles. Alguns degraus acima Rick descia apressado, tinha uma expressão séria no rosto e, por algum motivo, eu já sabia o que estava por vir.

– Sarah, chame os outros – ele disse quando terminou o último lance da escada. – Precisamos estar prontos para sair o mais rápido possível. Ezekiel e os outros precisam de nós lá fora.

*Narrado por Gabriela Hopper

– Isso é tudo? – Glenn questionou.

– Acho que sim. Além do mais, não podemos perder muito tempo – Jesus falou. Havíamos organizado tudo em tempo recorde de vinte minutos, pegando a maioria do estoque da produção de balas e parte da reserva do Alto do Morro. Além disso, tínhamos pegado alguns remédios, água e suprimentos.

Dito isso, todos começaram a entrar no trailer. A única coisa que levava era um cantil e um fuzil, semelhante aos de Eugene e Fred, o restante carregava metralhadoras, com exceção de Tyreese, que tinha uma pistola. No caminho até o fundo do veículo, pude notar alguns olhares sobre a arma em minhas mãos, era óbvio que eu não sabia como usar aquilo, até pensei em explicar tudo ou simplesmente criar algo convincente, mas não era hora para isso, nem algo de extrema importância. Em poucos minutos fomos deixando o Alto do Morro para trás e pegando a mesma estrada que os meninos pegaram havia algumas horas. Contudo não teríamos chance alguma de vê-los no caminho, talvez fosse melhor assim. A estrada ao noroeste nos levaria ao Santuário, ao nordeste iríamos a Alexandria, a leste encontraríamos pequena cidade para onde Avery, Sam e os outros estavam se dirigindo. O trailer se dirigiu para oeste, onde a batalha estava sendo travada nas proximidades do Reino.

Permaneci calada assim como os outros e fitei a janela, observando os muros do Alto do Morro diminuírem à medida que o veículo avançava. Dessa vez Jesus havia deixado duas pessoas no comando, Earl Sutton, um ferreiro muito conhecido, e Dante, que comandava um pequeno grupo de guardas que não havia participado do sequestro. Mesmo que não fosse o ideal, era apenas uma forma de prevenção, e eles tinham assegurado que não deixariam o local ser tomado novamente.

Minutos atrás, Ezekiel mandara uma mensagem no rádio, o que havia causado toda aquela movimentação. Depois de derrotarem os Salvadores naquela batalha, os homens que tinham sobrevivido estavam se dirigindo ao Reino, a comunidade mais próxima, quando mais inimigos os surpreenderam, novamente. O número fora pequeno, porém o suficiente para atrasá-los enquanto mais Salvadores se aproximavam. O mais estranho naquilo tudo era que o exército de Negan parecia ser infinito, composto por inúmeros soldados desprovidos de qualquer tipo de sentimento.

Ao todo éramos nove pessoas, eu não tinha certeza se conseguiríamos ser tão úteis quanto os suprimentos que levávamos, pelo menos isso ajudaria a reduzir a fatiga daqueles homens. O Reino era um ponto estratégico muito importante para nós, pois aquela era a maior comunidade. Se os Salvadores conseguissem derrotar o nosso exército, certamente atacariam a comunidade, o que seria um grande passo para a vitória de Negan.

O interior do trailer era, basicamente, um grande sofá bege que rodeava o local, enquanto o centro era completamente vazio. Pelos vidros, era possível ver a estrada completamente vazia. De súbito o veículo freou bruscamente, fazendo com que alguns chocassem contra as janelas, enquanto outros caíram no chão e os mais sortudos conseguiram segurar algo e manter o equilíbrio. Eu, por outro lado, poderia ter pensado em como um cinto de segurança não cairia mal naquele momento, porém estava tonta demais. Em questão de segundos fui jogada para fora do sofá e rolei pelo chão, parando apenas ao esbarrar em Tyreese. Levei algum tempo para me recuperar daquilo, e só então pude pensar no motivo daquela freada. Certamente não era um walker, caso contrário, o trailer poderia passar por cima dele. Talvez fosse uma manada, ou poderíamos ter chegado ao local.

– O que aconteceu? – Eugene perguntou enquanto se levantava, provavelmente ele também havia caído.

– Tem uma van no meio da pista – Jesus explicou, ele estava na parte da frente dirigindo, junto com Rick. Depois de uma longa pausa, indicando que não tinha mais nada a ser dito, ele voltou a falar. – Tem alguém saindo de lá.

Todos se levantaram e foram até a parte da frente, apenas para ver um grupo de homens descendo do veículo. Os primeiros estavam armados com armas brancas e vestidos de preto, aquela imagem já era o suficiente para causar arrepios em mim. Por último saiu um homem que usava uma jaqueta de couro preta por cima da camisa branca, e calças jeans escuras. Ele segurava um taco de beisebol coberto de arame. O rosto de Negan se revelou assim que o homem se aproximou mais, confirmando o que todos nós já esperávamos. Eram os Salvadores.

– Parece que o meu amigo Greg não estava brincando quando disse que “o grupinho do Rick Grimes e do Jesus” iria passar por aqui. Estão vendo isso, rapazes? Esses cuzões estão realmente voltando pro campo de batalha e acham que podem nos matar! Vamo lá seus arrombados de merda, saiam do carro! – o líder dos Salvadores vociferou, alto o bastante para que pudéssemos ouvir. Em seguida, sua expressão séria deu lugar a uma risada teatral. Nenhum de nós pareceu disposto a fazer isso, muito pelo contrário, a maioria posicionou os dedos nos gatilhos das armas e suas faces tomaram expressões mais sérias e um tanto sombrias, como se tivéssemos voltado aos primórdios do apocalipse, quando éramos testados a fazer qualquer tipo de coisa pela sobrevivência, até mesmo perder a humanidade. A fase de testes parecia ter voltado. – Vão sair por bem ou por mal, seus filhos da puta? – mais uma vez ninguém se moveu por não saber o que fazer, a tensão parecia se espalhar não só no ar do trailer, mas do lado de fora também. Apenas Negan parecia alegre com aquela situação, como se vivesse em um mundo paralelo. – Eu tento ser justo, justo pra caralho, mas tem gente fodida que gosta de me contrariar. Porra, custa aceitar de uma vez? Parece que não, bem agora é a hora em que eu sou obrigado a usar a força bruta.

Ele caminhou até a porta lateral e instantaneamente todas as armas do veículo foram apontadas para ela, três fuzis, uma pistola e cinco metralhadoras mirando na cabeça do causador da guerra e a única coisa que faltava era ele arrombar a porta. Contudo algo me dizia que não seria tão fácil assim, era quase uma certeza. Com um chute a porta travada se abriu como se estive apenas encostada, Negan nos encarava com um pequeno sorriso no canto dos lábios, parecendo feliz por constatar que estávamos mirando nele.

– Abaixem as armas. Sei que são sacos de merda, mas não são estúpidos, sei que são inteligentes pra caralho.

– Não vamos abaixar as armas, nós vamos te matar. Eu mesmo vou me encarregar disso – Rick falou de forma ríspida.

– Desculpa, não deu pra entender direito. Fala alto – Negan disse sinicamente, colocando a mão esquerda perto do ouvido. Sabíamos que ele havia escutado tão bem como cada um de nós, porém o homem queria testar Rick.

– Eu vou te matar – ele repetiu num tom mais alto, a raiva era evidente em sua voz.

– Não, não vai. Sua melhor chance é agora. Atira na minha cabeça, vem aqui e dá uma facada na minha garganta, dá uma machadada na minha cara. Vai em frente... Assim que o meu corpo cair no chão, meus Salvadores vão virar vocês do avesso até a porra da puta que pariu... Pior do que foi com a sua amiga da espada, pode ter certeza. Devia ter visto a cara dela... Ela foi forte o tempo inteiro, mas, como toda puta, não aguentou muito – Rick se enfureceu com a menção a Michonne, e eu realmente cheguei a pensar que ele pularia sobre Negan naquele momento. – Ei, pessoal, vamos levar nossos amigos para o Santuário.

*Flashback (narrador observador)

Após tomar o café da manhã, escovar os dentes e trocar de roupa, Avery revirou o quarto em busca do seu taco de beisebol. Fazia duas semanas que o avô da garota a presenteara com aquilo, depois de assistirem juntos a uma partida do Atlanta Braves. Gary, ao notar a paixão de sua neta pelo time,decidira comprar um taco de beisebol para Avery, já que um violino não parecia um brinquedo adequado para uma criança com 6 anos de idade. John, seu filho mais velho, havia transformado o instrumento em uma obrigação para a menina, apesar de esta não demonstrar qualquer tipo de objeção.

Ela estava muito animada para usar taco de beisebol pela primeira vez, era uma bela manhã de sábado e Avery já terminara todas as suas tarefas escolares e as que o pai impunha, isso era um dos vários motivos das brigas entre Gary e John. Enquanto o mais velho a considerava nova de mais para tantas responsabilidades, o outro julgava necessário ensinar disciplina para que a filha justificasse o que havia sido investido nela. Já que estava livre naquele dia, a loira poderia praticar alguns movimentos com aquele precioso objeto, apesar de ainda não possuir uma bola. Avery queria estar pronta e acostumada com o taco quando a obtivesse, assim não teria problemas com o peso e tamanho da madeira.

A garota desceu pelas escadas rapidamente assim que encontrou o taco de beisebol, arrastando-o pelos degraus. Ela desejava profundamente poder descer pelo corrimão, no entanto sabia que seus pais estavam em casa e reprovariam sua atitude. A loirinha andou sorrateiramente pelo local, sendo forçada a ouvir a discussão entre seus pais. Assim que se aproximou da porta, os gritos cessaram, e Rebecca notou a presença de Avery.

– Filha – a mulher chamou.

– O que foi, mamãe? – ela perguntou com entusiasmo. Todo o sábado Rebecca saía com as amigas do trabalho, e sua filha tinha esperança de uma vez na vida poder ir junto, para passar um dia de mulheres. E Avery estava certa, sua mãe realmente sairia, porém, como das outras vezes, não seria convidada.

– Para onde você está indo?

– Pro quintal – a loira respondeu sem dar muita importância.

– E posso saber o que pretende fazer lá? – John entrou na conversa, se aproximando das duas.

– Eu vou treinar um pouco de beisebol – a garota ergueu o objeto, mostrando-o para os pais. O tenente do exército também pretendia sair, ficar longe de casa e colocar seus pensamentos no lugar, porém ao ver aquele taco de madeira que era na realidade pivô da discussão com sua esposa, mudou de ideia. Então, ao invés de refletir, John resolveu cortar o mal pela raiz.

A manhã mal havia começado, porém o homem já tinha recebido uma ligação de seu pai, chamando Avery para passear. Aquilo fora o suficiente para estragar seu dia, não que ele preferisse ter a garota por perto, bastava olhar nos olhos dela para se lembrar da traição que recebera da mulher que amava, contudo John não gostava que Avery se aproximasse do avô, ele a tornava mais irônica e petulante. Se o tenente tivesse que criar uma filha que não era dele, seria do seu jeito.

– Não vai, não. Vamos, Avery, me passa esse taco – ele exigiu se aproximando dela e estendendo a mão, esperando ser obedecido.

– Mas, papai...

– Nada de "mas", não me desobedeça. E você está de castigo durante todo o feriado. Volte para o seu quarto agora e vá praticar violino.

– O que eu fiz de errado? – a loira perguntou quase furiosa.

– Tudo! Agora me dê isso antes que eu perca a paciência – na verdade, a pior coisa que Avery fizera para John havia sido nascer. Dizendo aquilo, ele puxou o taco de beisebol das mãos da garota. Seus olhos começaram a se encher de lágrimas, originadas pela indignação e pela raiva. Ela julgava nunca ter feito nada de mais, entretanto sempre que se divertia seu pai precisava estragar sua alegria. Mesmo sendo pequena, Avery já tinha uma noção de certo e errado, por isso tinha ficado boquiaberta com a reação de John.


– Feche a boca e engula o choro! – o sargento comandou, outra coisa que ele detestava era quando a menina chorava, aquilo era capaz de enfurecê-lo bastante.

– O que foi que eu fiz pra você? Desculpa se eu não sou a filha perfeita para o pai perfeito – ela ironizou.

– Quando eu mandei fechar a boca, também queria que parasse de falar. Você sabe que odeio quando é irônica. E a partir de agora as regalias do seu avô acabaram, eu vou queimar esse taco.

Avery não pronunciou outra palavra, apenas abaixou a cabeça e cruzou a sala até a escada. Não ousou encarar a mãe, sabia que ela estava assistindo a cena sem fazer nada, como sempre. Rebecca só era dura com a filha quando o marido exigia, e isso a tornava um pouco melhor que ele. Porém, apesar de gostar da garota e saber pelo que ela passava, nunca contrariava John, pois se sentia em dívida com ele. Quando pisou no primeiro degrau da escada, Avery se voltou para o casal, com um olhar de extrema raiva.

– Você é o pior pai do mundo! Eu vou fugir dessa casa, não quero mais ficar aqui! – ela gritou com as lágrimas escorrendo pelo rosto. A garota esperava ser contrariada, porém John apenas riu dela antes de atacar.

– Pode ir, estará fazendo um grande favor. Ninguém aqui vai sentir a sua falta – ele se voltou para Rebecca, esperando que sua esposa concordasse. – Não é mesmo, Rebecca?

– Sim.

– Eu também não me importo com você, pai!

– Eu não sou seu pai! – John gritou, sentindo que tirava um enorme peso das costas. A expressão da loira foi mudando aos poucos, passando primeiro por um estado de confusão, o que deixou sua mãe perplexa, enquanto o homem apenas sorriu, se sentindo vitorioso por poder finalmente jogar aquilo na cara da menina que criara. Por mais que nunca tivesse confirmado aquilo, John sabia que não era necessário, um teste apenas serviria como mais uma humilhação.

Depois daquilo, a filha correu pelas escadas, mais rápido do que havia descido. Ao entrar no quarto, Avery bateu a porta com toda a força que tinha, para que seus pais ouvissem aquilo. O lado bom, se isso fosse mesmo possível, era que seu pai, ou antigo pai, havia permitido a sua saída. Ter a certeza de que era desprezada pelos pais deveria ser um alívio, no entanto a garota recebera aquele golpe como uma facada. Apesar do tratamento que recebera de John por todo aquele tempo, nunca desistira de fazer com que ele gostasse dela. Todavia, depois daquilo, tudo fora embora, a consideração que tinha pelo pai se esgotara completamente, era doloroso de mais saber que ele deixava, e até mesmo gostaria que ela saísse. E o pior de tudo era que o tenente alegara não ser seu pai, como se aquilo não tivesse a menor importância. Avery não compreendia como podia não ser filha do homem que estivera com ela desde o nascimento.

A loirinha já tomara sua decisão, não viveria mais sobre aquele teto, não queria continuar sendo um incômodo na casa, não queria ter que depender de pessoas que apenas a suportavam, e nada mais que isso. Principalmente, não queria viver à custa de alguém que não era seu pai. Depois de ouvir a porta sendo aberta e fechada duas vezes, com um intervalo de alguns minutos, o que indicava que seus pais tinham saído separadamente, Avery começou a pensar no que levaria para a sua jornada. Depois de ponderar bastante, chegou à conclusão de que era melhor não levar nada, já que ela não sabia como arrumar suas coisas e queria mostrar para os pais que não precisava de nada deles.

Seu plano era ficar sentada no banco da praça, esperando ser notada pela primeira vez na vida. Não importava para onde fosse, até um abrigo seria melhor que continuar naquela vida confusa e dolorosa. Então ela saiu de casa sem olhar para trás, deixando um bilhete com letras garrafais avisando que tinha ido embora. Assim que conseguiu destrancar a porta da frente, correu para longe pela rua, o mais rápido que podia e o mais longe que aguentou. Só parou quando foi bloqueada, e acabou esbarrando em alguém.

As duas se desequilibraram, mas a mulher conseguiu se manter de pé e sustentar a garota. A primeira coisa que Avery reparou foi em seu sorriso radiante de professora do primário, o que a deixava com um ar jovial e delicado. Outro ponto chamativo eram seus cintilantes olhos azuis, e os cabelos castanhos ondulados que emolduravam seu rosto pálido. Ela usava um vestido vermelho com bolinhas pretas e rodado, que ia até os joelhos. A primeira imagem fez com que Avery a visse como uma mulher agradável e amigável.

– Desculpa – a loira falou num tom baixo.

– Não tem problema. Para onde você está indo? – ela indagou. Mary acabara de finalizar uma conversa com o padre e caminhava com o intuito de encontrar seu marido quando aquela menina chegara. O fato de uma garota tão pequena estar sozinha na rua deixara a mulher preocupada e surpresa.

– Eu... Eu estava indo para o banco – Avery respondeu relutante e, logo em seguida, notou o quanto havia sido vaga, por isso resolveu mentir. – A minha mãe pediu para esperar lá – aquilo não tivera o efeito desejado, porém já era tarde demais.

– Eu me chamo Mary, prazer. Adoraria ficar e esperar com você, mas realmente preciso ir. Meu filho, Scott, ainda é pequeno, e ele não gosta de ficar muito tempo fora de casa – ela explicou indicando a praça com um movimento de cabeça, o que fez com que a menina se voltasse para lá. Rapidamente pôde distinguir a quem Mary se referia, havia um homem ruivo do outro lado do local, balançando um carrinho de bebê, talvez tentando acalmar a criança que não podia ser vista de lá. – Voltarei mais tarde,na missa das seis, se a sua mãe ainda não tiver chegado eu posso esperar com você – desde que vira aquela menina atordoada e um pouco desesperada, a mulher já havia se dado conta de que havia algo errado. Pensava que ela deveria ter se perdido da mãe ou algo do tipo, porém não queria perguntar aquilo diretamente para não deixá-la desconfortável.

– Até lá a minha mãe já deve ter chegado...

– Tudo bem. Eu vou embora, mas se precisar de alguma coisa é só falar com o padre, ele sempre estará lá para ajudar – Mary finalizou a conversa e sorriu para Avery antes de seguir seu caminho.

A loira ficou parada observando a mulher indo embora com seu marido e filho, os três formavam uma bela família. Pensou consigo mesma que Scott tinha muita sorte em ter uma mãe como Mary. O pouco tempo que estivera em sua presença e as poucas palavras trocadas tinham sido o suficiente para notar sua alma bondosa e como ela era alegre e viva. Era como se a mulher flutuasse, o caminho que percorria parecia mais colorido com a sua passagem.

Duas missas se passaram desde que Avery se sentara no banco da praça. Fazia muito calor e ela já começava e sentir os efeitos da fome, apenas observando as pessoas caminharem despreocupadas ao seu redor. Nada havia acontecido desde então, e a garota começava a ansiar pela chegada das seis horas, ela queria rever Mary e perguntar se podia morar com ela. Avery não queria falar com o padre, corria o risco de ir para um convento, e tinha medo disso.

Do outro lado da rua, Rebecca rondava a região completamente aturdida e com uma caixinha de veludo preto na mão. Ela pouco se importava com o que o marido dizia sobre Avery ter tomado a sua decisão. A mulher procurou sua filha com os olhos, já havia passado por alguns quarteirões e, se fosse necessário, passaria a noite inteira atrás de sua garotinha. O alívio tomou conta dela quando avistou os cabelos loiros de Avery, ela estava sentada em um banco e balançava os pés, tomada pelo tédio.

De início, a pequena Dickens não notou a sua presença, até que Rebecca se aproximou e entrou no campo de visão da filha. Em primeiro momento, a menina pensou em fugir, por algum motivo ela simplesmente não esperava que sua mãe a procurasse depois de dizer que não sentiria a sua falta, Avery sequer queria vê-la. Mesmo assim, não pôde deixar de ficar surpresa ao ver Rebecca, principalmente quando esta a abraçou subitamente.

– Eu finalmente te encontrei!

– O que você está fazendo aqui? – ao contrário de sua mãe, claramente emocionada, a garota usou um tom mais impessoal, cético.

– Sabe, filha, é como costumam dizer, você só sente falta de algo quando perde isso – a mulher explicou dando um sorriso, o que fez com que toda a frieza de sua filha acabasse. Ela realmente ficara feliz com as palavras de Rebecca, por ouvi-la demonstrando seus sentimentos e, principalmente, porque seu pai não estava lá para fazer qualquer tipo de repreensão. – Eu sei que não mereço a sua confiança, talvez você até me odeie como odeia seu pai, mas eu não quero desse jeito. Prometo que vou tentar mudar a partir de agora, se você me der uma chance. Só agora eu notei o quanto você é especial, por isso comprei isso para você, Avery. Quero que se lembre disso todos os dias.

Ela entregou o objeto aveludado para a filha, que, antes mesmo de abrir, abraçou a mãe novamente. Aquilo havia sido o suficiente para voltar a confiar na mãe, Avery sabia que Rebecca cumpriria sua promessa. E, em parte, a garota estava certa, o juramento duraria pouco mais que uma semana antes que a vida da pequena loira voltasse a ser como era antes. O colar acabaria se tornando apenas uma lembrança daquele dia difícil e especial, antes de ser perdido para sempre.

*Narrado por Avery Hopper

– Como ela fazia isso mesmo? – murmurei para mim mesma. Os ventos fortes bagunçavam meus cabelos loiros que iam para todas as direções enquanto o carro prosseguia em alta velocidade.

Minha atenção desde o início da viagem estava voltada para o colar que pertencera à minha mãe. Nos primeiros metros eu só o observara, depois tinha começado a mexer nele, tentando mudar seu formato. Minha mãe fizera isso como se fosse algo simples como caminhar, porém para mim era justamente o oposto. Eu usava o colar havia anos, e poderia jurar que era apenas uma figura oval, até o momento em que ela fizera algo para transformá-lo num coração.

Naquele momento, eu podia me lembrar claramente do outro colar, o que a minha outra mãe tinha dado. O que eu usava era, com toda a certeza, mais simples, contudo tinha um significado especial, ele atravessara anos sendo passado das mães para suas filhas. O antigo, que eu havia esquecido no parque, era completamente diferente. Apesar de ser lindo, não era nada mais que um presente comprado em uma loja para alegrar uma criança confusa. Ele tinha sido uma falsa esperança, eu havia acreditado que mudaria algo. Esse que eu usava era o nosso coração, meu e da Gabriela, minha verdadeira mãe.

– Ave, você não largou esse colar até agora. O que foi? – Carl perguntou me tirando do transe. Estávamos na parte traseira da caminhonete, junto com os suprimentos. Ele tentava se equilibrar com uma mão, enquanto segurava seu chapéu com a outra.

– Estava pensando na minha mãe...

– Eu também estava pensando no meu pai, mas sempre acabo lembrando do que eles vão fazer. E pensar que eu estou aqui, enquanto eles dão suas vidas por mim, por nós...

Depois de vários minutos pensando, eu já havia me conformado com a ideia de ir embora, no entanto, as palavras de Carl surtiram um efeito imediato em mim. Era exatamente o que eu tinha evitado o tempo inteiro, não era justo fazer aquilo. Eles julgavam que era o melhor para nós, mas poderia não ser para eles. Do que adiantaria continuarmos vivos sabendo que nossos pais e nossa família tinham morrido para que sobrevivêssemos?

– Eu pensei na mesma coisa, mas agora é tarde de mais – lamentei.

– Não é, não. Não devemos ter nos distanciado tanto assim. Pode parecer loucura, mas eu acho que deveríamos voltar.

– Eu não quero perder a minha mãe assim, não quero perder ninguém. Não vou deixar que eles lutem por mim. Mas e os outros? – eu já estava totalmente dentro, entretanto havíamos saído com a responsabilidade de cuidar das crianças.

– É arriscado, mas o Scott e a Mika dão conta disso. Se nós dois voltarmos, teremos mais chances de nos reunirmos novamente, isso pode fazer a diferença.

Poderia parecer algo impulsivo, mais uma atitude infantil vinda de mim e de Carl, mas não éramos crianças. Os atos impulsivos eram os que importavam, aqueles que eu já tinha visto pessoas fazerem para salvar alguém. Não me importava mais se os adultos perdessem a confiança que tinham em nós, eles poderiam estar dependendo da nossa irresponsabilidade. Se desse errado, ao menos teríamos tentado. Era algo maior que nós, se ajudássemos a derrubar o Negan, estaríamos salvando as pessoas, isso valia a pena. Não adiantava mais, Carl já me convencera por completo, iríamos fazer aquilo juntos.

– Precisamos parar o carro – comentei. No mesmo instante começamos a bater nas laterais da carroceria, para chamar a atenção. Scott estava dirigindo, ele era o melhor nisso. Mika ia do lado, levando Brianna, enquanto as crianças ficavam na parte de trás. Carl e eu havíamos ficado do lado de fora para o caso de acontecer algo mais grave. Depois de algum tempo, o veículo parou, e nós dois descemos.

Os ocupantes da frente também fizeram o mesmo, o motorista com um olhar sério e preocupado, com se estivesse prevendo alguma situação de perigo eminente. Já Mika parecia tentar compreender o que estava acontecendo, ela saiu meio desajeitada com Brianna nos braços, a ruivinha parecia dormir tranquilamente e de vez em quando esboçava um sorriso sem dentes. Ficamos em silêncio, nos encarando, casais frente a frente e ninguém parecia tomar a iniciativa. Era claro que Carl e eu devíamos as explicações, porém não sabíamos por onde começar.

– O que foi? – Scott indagou antes que pudéssemos nos justificar ou qualquer coisa do tipo. – Avistaram alguma coisa?

– Não é nada disso...

– Estamos seguros – completei a frase de Carl sem querer. Procurei palavras para dizer aquilo, eu realmente não conseguia, então resolvi ser direta. – Nós vamos voltar. Já fizemos a nossa escolha.

– Estão nos deixando? – Mika perguntou mais confusa do que antes. – Não podemos ficar sozinhos, não teremos chance alguma – essa frase saiu num sussurro, ela pareceu extremamente preocupada e receosa.

– Eu sei que é perigoso, mas precisamos fazer isso. Não podemos deixar os outros sozinhos, eles vão precisar de nós – meu namorado explicou, na hora não pude deixar de compará-lo ao seu pai, a forma com que ele dissera as palavras era a mesma. – É necessário fazer isso para deixar todos seguros novamente. Se vencermos a guerra, ninguém vai precisar fugir.

– Exatamente. Quanto mais pessoas lutando, mais chances teremos. Pode parecer pouco, mas nós dois podemos fazer a diferença.

– Então nós vamos com vocês – Scott disse depois de ouvir minhas palavras, aquilo parecia ter sido o suficiente para convencê-lo.

– Você está maluco? Vocês são mais úteis aqui, precisam proteger as crianças.

– Confiamos as vidas dos nossos irmãos a vocês, tenho certeza que poderão protegê-los enquanto isso – dessa vez Carl completou o meu raciocínio.

Scott e Mika pareceram se conformar, e até mesmo aceitar a ideia. Mesmo assim, não havia muito o que ser feito, nada poderia mudar a nossa escolha. Depois daquilo, fui me despedir de Sam rapidamente, ele ainda estava dormindo. Dei um beijo em sua bochecha e baguncei seus cabelos, eu não gostava da ideia de deixar meu irmãozinho para trás, por isso comecei a compreender o que minha mãe havia sentido ao se despedir de nós. O fato dele não estar acordado ajudava, seria doloroso explicar para Sam que eu estava indo embora. Procurei guardar a imagem das crianças dormindo, eu estava voltando para que os pequenos pudessem continuar tranquilos e seguros.

Carl não tirou muitas coisas do carro, apenas algumas armas e mantimentos, nada que prejudicasse muito os outros, eles sim precisariam de comida, água e armamentos. Depois de se despedir de Grace, ele também já estava pronto para partir. Ficamos observando o veículo acelerar e se distanciar de nós, naquele momento eu consegui me esquecer de tudo, apenas para admirar aquela imagem.

– É melhor irmos, temos alguns quilômetros pela frente – Carl falou antes de se voltar para o outro lado da estrada. Com certeza levaríamos algumas horas até chegar ao nosso destino.


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Notas finais do capítulo

Ficou muito grande né? Esperamos que tenham gostado e comentem o que acharam e esperam para o próximo!
Agora temos duas surpresas! Depois de muito procurar temos agora os rostos das crianças mais velhas!
Grace: https://33.media.tumblr.com/a7120b2d41035757d2ef9dd6b6636f3a/tumblr_nfgv5jIbPE1txro7no1_1280.jpg
Sam: http://images4.fanpop.com/image/photos/20700000/Scotsman-Magazine-Photoshoot-ben-barnes-20734437-700-1050.jpg
Hersh: http://2.bp.blogspot.com/-zneekzJ99ek/UZBkKRx0szI/AAAAAAAABLo/9Zg_dLL1Rtc/s1600/d.o-exo-k-profile.jpg
Brianna: http://25.media.tumblr.com/a57fbe366c62274c944ee4df4212c4ff/tumblr_mf94cmtNQb1s0a3swo1_500.jpg
Além disso, para compensar a demora, resolvemos disponibilizar a sinopse da nova fic, End of the World. Ela ainda está sujeita a mudanças, mas provavelmente será essa mesmo. Esperamos que gostem!
Era o começo do fim. Em pouco tempo a epidemia tomou conta do mundo, deixando cidades, estados e nações desertas e, aos poucos, a natureza invadia tudo fazendo com que as carcaças de prédios e construções se tornassem apenas uma lembrança da antiga civilização. As pessoas, os poucos humanos que sobraram, tentavam sobreviver como podiam. Dia após dia, lutando contra fome, cansaço, solidão e um inimigo que só possuía um objetivo: se alimentar de carne, sobretudo humana.
Esse era o fim da raça humana ou o inicio de uma nova era? Afinal, para construir um mundo novo é necessário destruir o antigo.