Abracadabra escrita por Aquary


Capítulo 2
Capítulo 2 - Emissários do Abismo


Notas iniciais do capítulo

Continuação do capítulo anterior.



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Elle morava em um apartamento simples próxima ao centro da cidade, uma sala pequena que levava a um corredor apertado e a três portas cuja madeira descascada revelava o completo descaso do morador anterior. Uma suíte, um escritório e um banheiro simples que com muito custo havia conseguido transformar em algo mais feminino e delicado. Uma cozinha pequena que se mesclava a sala graças a uma abertura larga na parede que formava um balcão que também era usado como mesa.

Persianas na janela da sala ocultavam o interior do apartamento de olhares curiosos, mas velhas apresentavam um rasgo e uma dobra que impedia o fechamento perfeito e completo, por sorte morava no terceiro andar e os vizinhos do prédio da frente pareciam se importar mais com seus próprios problemas que com a garota que morava logo em frente. A quase seis meses morando no esplendoroso 137 da rua Maipol, apartamento 312. Elle Lancaster tinha um gato preto de rua como companheiro de quarto e nenhum relacionamento a vista.

Elle tinha uma formação brilhante como antropóloga e dois empregos, infelizmente nenhum deles na área que desejava: o cargo no banco pagava as contas do mês e as despesas do gato, já o meio período da biblioteca era um cargo que tinha desde os 16 anos e ajudava a manter a ilusão de que estava próxima de realizar seu grande sonho: construir uma brilhante carreira como antropóloga e ser reconhecida internacionalmente por suas pesquisas e projetos. Naturalmente brigar com adolescentes pelo mau uso do espaço da biblioteca estava longe de ser um sonho realizado.

O cheiro de poeira logo veio a arrastá-la do mundo dos sonhos de volta a realidade, era aquele mais um de seus projetos de final de semana: reconstruir livros antigos. Definitivamente precisava de um relacionamento, ou de passear com o gato mais vezes. O livro a sua frente era velho e muito gasto, tinha uma capa de um elegante tom anil, encadernado em couro e uma fita dourada que poderia ser usada como marcador de página. Era um daqueles exemplares de área restrita, cujo valor histórico só podia ser reconhecido por um estudioso com o faro bem apurado.

O livro em questão possuía um título bem interessante: Abismo. No primeiro momento em que folheou seu conteúdo acreditava se tratar de poesia gótica europeia, mas as páginas seguintes revelavam informações muito detalhadas e abrangentes sobre um lugar que recebia o mesmo nome. O abismo era ao que tudo indicava uma espécie de ponte entre esse e outros mundos, mas bem mais perigoso que simplesmente pegar o trem das cinco e quinze em plena sexta-feira. O abismo se tratava de uma prisão para todos os tipos de criaturas condenadas entre os planos.

O autor que se identificava apenas pela letra M bem desenhada no alto de cada página do livro, parecia escrever algum tipo de diário, ou grimório antigo. Cuidadosamente datado, seja lá em que tipo de calendário antigo e pouco eventual, parecia se tratar de um caderno de estudo ocultista, haviam símbolos desenhados em muitas de suas páginas amareladas e comidas por traças, algumas palavras que Elle podia identificar graças aos longos anos de trabalho com diferentes livros na biblioteca, e o mais importante: mapas estelares cuidadosamente estudados.

Por fim fechou o livro com um leve estrondo, despertando o gato que se encontrava no parapeito da janela, seus grandes olhos amarelos observando-a atentamente enquanto se dirigia até a cozinha para o habitual lanchinho da madrugada. Um copo de leite e dois sanduíches de pasta de amendoim depois, Elle observava atentamente a paisagem noturna recortada pelos grandes prédios algumas quadras de distância enquanto saboreava lentamente seu desjejum. Seu estômago agradecia por tal refeição, mas seu coração sangrava por causa da solidão.

Observava os prédios luxuosos não tão longe dali, sonhos inatingíveis. O mais próximo dos luxuosos apartamentos que possuía era uma banheira cuja hidromassagem com dois tubos entupidos e algumas partes trincadas. Com um suspiro pesado, Elle finalmente pôs-se a observar um dos prédios mais altos e bem localizados do centro da cidade. Por um breve momento havia se esquecido completamente o porquê de tanto interesse, mas os olhos azuis penetrantes que surgiram em sua mente não lhe permitiam esquecer. Andrew Morison.

Andrew Morison, um dos maiores acionistas do Banco Internacional Alec Endore, era também seu chefe e um dos homens mais atraentes que já havia visto em uma vida, ou até duas. Dono dos penetrantes olhos azuis que cortaram rapidamente sua linha de pensamento, morava na cobertura do prédio o qual tanto observava. Dois pavimentos, bem localizado e muito luxuoso, já havia tido o prazer de colocar os pés mortais em seu interior, festa de parabenização pela conquista de duas novas contas pela equipe durante o natal.

Elle assim como qualquer outra mulher sabia perfeitamente bem que Andrew Morison era o sonho de consumo de uma noite, ou várias noites de pelo menos metade da população feminina do país. Mas parecia ser a única capaz de conseguir dizer meia dúzia de palavras sem parecer uma completa idiota, ou minimamente desesperada por estar entre seus músculos abdominais bem trabalhados e os lençóis de algodão egípcio que tinha na cama. Havia algo em seu interior que gritava claramente o nível de perigo o qual aquele homem representava.

Já passavam das três e meia quando finalmente chegou a reunião, o manto escuro que mantinha seu corpo entre as sombras não ocultava seu porte atlético, tão pouco seus olhos azuis que observava com atenção e seriedade cada um dos presentes. O ritual que começaria exatamente as quatro horas não poderia ser atrasado, tão pouco ter membros ausentes em seu momento mais importante e instável, havia muito a se perder caso o ritual se mostrasse um verdadeiro fracasso. E ele não poderia esperar novos trezentos anos para um novo alinhamento cósmico.


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Notas finais do capítulo

Sem notas longas dessa vez, também não vi nenhuma necessidade de avisos, mas é bem provável que eu tenha de mudar a classificação da estória, pelo menos a partir do terceiro post.



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