Um Anjo (quase) Caído escrita por Gaby Molina


Capítulo 33
Capítulo 33 - E as luzes me dizem que é hora de partir


Notas iniciais do capítulo

Esse capítulo foi meio difícil de escrever, porque eu comecei a sentir tudo o que a Serena sentia e desabar e tal. Eu me prendo demais no que eu escrevo ;-; Quando vi, já estava escrevendo textos para o Heath da minha vida (que acabou no inferno mesmo, ou no interior. Como preferirem), que também é um belo de um anjo (se discordam é porque nunca o ouviram tocar piano. Vdd).
Então... Esse capítulo ia sair mais cedo, mas a autora tem sérios problemas emocionais. Sorry about that.
Mas o capítulo tá bem bem grande porque eu queria terminar ali. Sentia essa necessidade há algum tempo.
Pra mim esse é um dos melhores capítulos, então enjoy.



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Heath

Joguei o raio numa árvore já destruída e tirei o pé de cima de Chad.

— Não é o que o senhor está pensando — falei.

— Não é? Porque para mim parece que Chadwick tentou persuadi-lo a juntar sua causa e depois ameaçou sua Protegida, ação à qual o senhor respondeu com o abuso dos próprios poderes em defesa da causa maior, que seria a garota a quem jurou proteger.

Parei por um minuto.

— Nesse caso... É, é exatamente o que o senhor está pensando.

— Sr. Seeler, eu gostaria que olhasse em volta por um minuto e me dissesse se esse é o tipo de conduta que se espera de um anjo.

Olhei em volta. Árvores em chamas, crateras abertas no chão... De certo não parecia muito angelical.

— Não, senhor — murmurei.

— Ótimo. Imagino que...

Finalmente achei vocês! — ouvi aquela voz aguda e conhecida, e logo reconheci o amontoado de cabelos louros correndo até nós.

Serena

Eu era uma pessoa quase sedentária, então acabei gastando o dinheiro da merenda em um táxi. Mas acabei simplesmente correndo por aí de pijama, até que ouvi a tempestade, os terremotos e tal. Era difícil não ouvir.

— Finalmente achei vocês! — gritei ao ver Chad e Heath.

Os olhos de Heath se arregalaram ao me ver e ele soltou um palavrão baixo.

— Hã... Serena, esse é o meu... amigo. Caius. Caius, você sabe quem ela é.

— Srta. Argent — Caius abriu um leve sorriso. — É um prazer conhecê-la.

Foi só quando comecei a tossir que percebi que não estava respirando. Eu não sabia como, mas sabia que estava diante de um anjo. Meus joelhos pareciam sentir-se compelidos a dobrar-se, enquanto eu lutava contra a ação involuntária.

— Igualmente — menti.

Eu não sabia se anjos podiam ler emoções, mas esperava que não. Caso contrário, Caius já lera todo o meu ódio por ele, pois sabia que ele viera para levar Heath embora.

— O que me dizem de voltarmos para casa? — sugeriu Caius, fitando Heath.

O queixo do garoto caiu.

— Mas... Mas...

— É muito longe daqui? Ouvi dizer que os Stewart são um casal adorável.

Heath suspirou, aliviado, e esboçou um sorriso.

— Podemos pegar um táxi.

— O que é isso? — indagou Caius.

— Eu explico no caminho.

— Eu não me visto assim normalmente — comentei. — Geralmente uso esta roupa para dormir, mas dessa vez foi uma emergência. Então, Caius, de onde você conhece Heath?

Hora de bancar a burra.

— Ele é meu... tio — disse Heath. — Por parte de mãe.

— Interessante. Seeler nunca mencionou você.

— Imagino que não.

Heath

— Quer chá? — ofereci quando chegamos em casa.

— Não, obrigado — recusou Caius elegantemente.

— Argent?

Serena fez que não com a cabeça, sem olhar para mim. Não olhava para mim desde que saíramos do gramado. Eu sabia que ela estava se esforçando para não socar a minha cara ou ser rude com Caius, e me senti mal por querer que ela parecesse bem. Afinal, eu era responsável por deixá-la bem, e essa era provavelmente a única parte de meu trabalho que eu fazia direito.

Bem, pelo menos eu costumava fazer essa parte direito.

— Seeler, é você? — ouvi a voz de Damien enquanto ele descia as escadas. Seus olhos se arregalaram ao ver Caius. — Ah. Ah. Eu... Eu... Senhor Caius.

— Damien! — Caius sorriu. — É tão bom vê-lo!

— Estamos partindo, senhor?

Lancei-lhe meu melhor olhar de Cale a boca, Gull, e ele assentiu discretamente. Depois fez a última coisa que eu imaginaria:

— Argent... Pode vir aqui um minuto?

Serena

Fitei Damien, confusa, mas o segui até o quintal. Ele não disse nada de imediato, apenas me abraçou.

— Ainda não gosto muito de você — especificou ele. — Mas você deve gostar mesmo dele se está passando por esse inferno.

Funguei. Deus, eu nunca sentira vontade de chorar por Heath, e isso sempre pareceu errado. Eu ainda não sentia, e não queria obrigar as lágrimas a saírem. Talvez eu nunca mais parasse se começasse a lacrimejar.

— Obrigada — falei baixinho. — Eu já estou cansada de bancar a burra que não faz ideia de toda a ação divina neste lugar.

— Bem, eles dizem mesmo que o papel mais difícil de interpretar é você mesmo.

— Babaca — murmurei, empurrando-o.

Damien riu.

— Vou tirar Caius de lá — disse ele, se afastando.

— O que pretende fazer?!

Ele sorriu.

— Vou levar meu chefe para dar uma volta por Nottingham, querida Argent.

— Você fez esse "querida" soar ainda mais sarcástico do que quando eu digo "querido Damien". Isso não é justo.

— Não sei se você percebeu — ele me encarou. — Mas a última coisa que existe nessa porra de vida é justiça.

— Beneficie-se disso para enrolar o anjo idiota, eu apreciaria.

Damien riu e entrou na sala. Não ouvi a conversa, mas logo vi o demônio em meu jardim. Por algum motivo, ele clamava ser um anjo.

— Foi um prazer conhecê-la — Caius sorriu.

— Igualmente — não consegui olhar para ele ao dizer isso.

Quando Caius se afastou, Heath correu direto até mim e me abraçou.

— Quanto tempo temos? — sussurrei.

— Serena, eu sinto muito que não falei sobre Caius, é que eu pirei e mal conseguia comer ou dormir; simplesmente de pensar que...

— Lidamos com isso depois. Quanto tempo temos?

— Não o suficiente. Posso simplesmente ir agora, se você quiser. Quero dizer, vamos ter vários momentos ruins nos próximos dias, e eu entendo se quiser evitá-los.

— Você não entende mesmo, não é? — fitei-o, mordendo o lábio. — Seeler, eu prefiro ter momentos ruins com você do que momentos bons com qualquer outra pessoa. Deus sabe que eu prefiro ficar com você em uma tempestade do que sã e salva sozinha. Que venham os tempos difíceis! Eu sobrevivo a qualquer coisa se tiver você no final do dia me dizendo que tudo vai ficar bem. E se tudo o que passamos foi só uma ilusão... Eu não quero acordar.

— Eu amo você para caralho — ele me fitou de volta. — Isso não é uma ilusão.

— E o "felizes para sempre"?

— Bem, a Branca de Neve quase morreu antes de casar.

— A Cinderela era empregada. Aurora dormiu por cem anos. Jasmine...

— Não força. Já estou orgulhoso por me lembrar da Branca de Neve. Faz muito tempo que não ouço essas histórias.

— Posso contar todas elas a você antes de dormir.

Ele abriu o maior dos sorrisos.

— Eu adoraria.

* * *

Não fizemos nada a tarde inteira. Ele me abraçou e ficamos deitados na grama do quintal, e eu sabia que não havia nenhum outro lugar onde eu preferiria estar

— Serena.

— Sim?

— Eu quero ver o meu pai.

Heath

Serena se levantou mais rápido do que eu.

— Certo. Vamos.

— Podemos voar?

— Seeler, eu já disse que...

Eu a interrompi com um beijo. Coloquei os braços em volta dela e, quando ela estava envolvida demais para me afastar, abri as asas e começamos a levitar.

— Seeler — ela murmurou.

— Todo esse tempo, e ainda não confia em mim? — abri um leve sorriso. — Pode ficar de olhos fechados se quiser, mas, se resolver deixá-los abertos, tudo o que vai encontrar são meus olhos observando você do meu jeito babaca de sempre.

Ela abriu um dos olhos, desconfiada. Depois abriu o outro. Não olhamos para baixo, sequer desviamos o olhar. Não houve um momento em que nossos olhares não estivessem completamente focados um no outro.

Em menos de dez minutos, pousamos. Guardei as asas antes que ela pudesse vê-las e estendi minha mão.

— Vamos?

— Vamos — ela assentiu, ainda um pouco desnorteada por causa do voo, e eu bati na porta.

Frederick a abriu.

— Ah, olá garoto! — ele sorriu. — Moça!

Eu não disse nada. Apenas abracei-o.

— Obrigado — falei baixinho.

— Pelo o quê?

— Por aparecer na hora certa. Eu precisava de alguma raiz. Família.

— Você me vê assim? — Frederick me fitou e, pela primeira vez, vi um olhar em seus orbes escuros que reconheci: gratidão e, ao mesmo tempo, orgulho. Assenti e ele me abraçou novamente. — Entrem — ele deu licença e entramos na casa.

Serena jogou-se no sofá e eu sentei-me ao lado dela. Dessa vez ela segurou minha mão independentemente de meu pai estar vendo ou não. Eu nunca confessara a Frederick o que sentia por ela, mas ele sabia. Eu via que sim.

— A que lhes devo a visita? — indagou meu pai.

— Preciso de um motivo? — abri um meio-sorriso.

Frederick nos fitou por um minuto.

— Não. Não precisa. Estou feliz que tenham vindo.

— É que... gosto daqui. Me sinto bem. Soa como um lar.

Frederick assentiu, mas eu percebi que sua mente estava longe dali.

— Então, garoto, o que tem feito na escola, além de garantir que a moça não morra?

— Bem... — pensei por um momento. — Estou no time de natação.

— Natação? — ele ergueu uma sobrancelha.

— Eu sei. Já me disseram que natação é um esporte para fracotes, mas eu não entendo. Não podemos pedir "tempo". No meio de uma corrida, não podemos parar para recuperar o fôlego. Não podemos pedir substituições.

— É bastante como a vida, na verdade — completou Serena, pensativa.

Antes que eu pudesse concordar, ouvimos uma batida na porta.

— Deus deve ter ouvido meu desejo por pizza — supôs Frederick, indo atender. Quando abriu a porta, suspirou. — Preciso parar de fazer piadas divinas.

Na porta da casa estava Caius.

— É um prazer revê-lo, Frederick — o anjo sorriu.

— Conta outra!

— Espere, vocês dois se conhecem?! — ergui uma sobrancelha.

— Sua mãe costumava cuidar dos Nefilim, então nossos escritórios eram próximos — contou Caius. — Ela era um anjo excelente.

— É por isso que gosta de mim? Por causa da minha mãe?

— Bem, simpatizo com você por ela, sim, mas de fato apenas penso que você é um rapaz extraordinário, Heath.

— Ele é meu rapaz extraordinário — Frederick rosnou. — Veio aqui para destruir a vida do meu filho também?! Amaldiçoar os Seeler para sempre?!

— Frederick, o Céu jamais amaldiçoou você.

— Achei que anjos não pudessem mentir.

— De fato, não podemos.

— Então você é um anjo de merda!

— Parem! — gritei, alterado. — Não sejam ridículos. Caius, por que está aqui?

— Vamos dar uma caminhada, Heath. Precisamos conversar.

Estremeci.

— Mas a Argent...

— Ah, estou certo de que Frederick pode tomar conta de Serena por uns vinte minutos — ele fitou meu pai. — Não pode?

— Por que alguém precisa tomar conta de mim? — indagou Serena, continuando com maestria seu papel de Humana Que Não Sabe da Existência de Anjos.

— Voltaremos logo — prometi, fitando-a por um longo minuto. E então acompanhei Caius para fora da casa. Ele usava roupas normais. Uma camisa e calça social, não as túnicas brancas e gloriosas de sempre. Mas qualquer um podia perceber que havia algo diferente naquele cara.

— Parece ter cumprido bem sua punição — comentou Caius.

Punição. Isso soava tão irônico agora.

— Não foi tão ruim. Apesar de o clima ser uma porcaria.

— Você se aproximou da garota, não é?

— O quê?!

— Quero dizer, até levou-a à casa de seu pai. Suponho que ser amigo dela tenha deixado seu trabalho mais fácil.

Nem um pouco.

— É.

— Acha que ela vai sentir sua falta?

Senti meu coração doer um pouco.

— Acho que sim.

— Você vai sentir falta dela?

A dorzinha se transformou em um tiro.

— Acho que acabei me acostumando com algumas coisas. Qual a verdadeira razão da caminhada?

— Bem, já que concluiu sua tarefa tão bem, os Anciãos concordaram em dar a você uma promoção. Cupido, ou algo do tipo. Parece ter conseguido se misturar bem ao mundo mortal. Pensei nesse caso em Marrocos que...

— Acho que prefiro continuar meus serviços no Céu — murmurei.

A não ser que você tenha outro caso em Nottingham, pensei.

— De qualquer forma, partiremos amanhã à noite.

A porrada em meu coração foi tão forte que eu me curvei.

— Tudo bem? — Caius franziu o cenho.

— Pareço bem?! — resmunguei, mas depois percebi o que havia dito e consertei: — Acho que estou resfriado ou algo do gênero. — fingi tossir para enfatizar.

Acabei ficando com soluço.

Maravilha.

Serena

— Liam? — conferi quando atenderam minha ligação.

Sim, quem é?

— Ah! Oi! Aqui é a Argent.

Argent! A que lhe devo o prazer?

— Não estou me sentindo muito bem, vou faltar ao ensaio da peça amanhã, tudo bem?

Tudo bem. Está doente?

— É um jeito de descrever — ponderei. — Se pá não vou ao colégio também.

Quer que eu passe na sua casa depois da escola? Leve alguma coisa?

— Eu não moro mais com o Damien, então se é por isso que está se oferecendo...

Ouvi a risada de Liam do outro lado da linha, mas ele parecia desconfortável.

Não, só me preocupo com você mesmo. Mas diga a Damien que mandei um olá.

— Vou dizer que você mandou um beijo.

— Argent! Eu disse que...

E então finalizei a chamada, feliz por ter conseguido esboçar um sorriso.

Heath

— Ei! Johnson! — corri até Liam no colégio no dia seguinte.

— E aí, Heath?

— Viu a Argent por aí?

— Ah, ela não veio hoje. Disse que não estava se sentindo bem.

— E quem vai cuidar do ensaio do musical?

Liam deu de ombros.

— Eu ia improvisar alguma coisa. Ela disse que talvez se afaste do musical por um tempo. — Sorri. — Por que está sorrindo?

— Vem comigo. Vamos fazer as coisas do jeito Seeler.

Serena

Sentei-me em minha cama perto do anoitecer, revirando as camas de papel cheios de músicas, poemas e o caramba. Encontrei uma música que eu nunca terminara chamada Little Taste Of Heaven.

With golden eyes and gorgeous wings (Com olhos dourados e asas magníficas)

He became my savior and my biggest sin (Ele se tornou meu salvador e meu maior pecado)

With those lips making me beg for more (Com aqueles lábios me fazendo implorar por mais)

He found a way to steal my heart (Ele encontrou uma maneira de roubar meu coração)

So I guess, when you fell from up there (Então suponho que quando você caiu de lá de cima)

You brought a little taste of Heaven (Você trouxe um gostinho do Paraíso)

With you. (Com você)

Bufei e comecei a rasgar. Que coisa vazia! Egoísta, egoísta, egoísta! Enquanto eu xingava, a janela se abriu.

— Não sei dizer se cheguei na pior hora de todas ou na melhor hora possível — disse Heath, sentando-se ao meu lado e segurando minhas mãos para que eu parasse de rasgar. — Tudo bem?

— Não exatamente. É só que... está tudo fodido, Seeler.

— Eu sei — ele suspirou, beijando minha bochecha. — Posso pedir uma coisa?

— Bem, o que está te impedindo?

Heath sorriu, mas desviou o olhar.

— Posso passar a noite aqui?

Encarei-o, erguendo uma sobrancelha. Ele demorou um minuto para perceber o que eu estava pensando, e então enrubesceu.

— Não precisamos fazer nada. Droga, Argent — ele riu. — Só quero abraçar você até cairmos no sono e acordar com o seu cabelo na minha cara. Tudo bem?

Eu sorri.

— Tudo bem.

— Mas se quiser tirar a roupa, eu não vou impedir.

Empurrei-o com força e ele caiu deitado em minha cama. Deitei-me ao lado dele. Era um pouco apertado, o que nos obrigava a ficar bem juntos. Ele passou os braços pela minha cintura, depois me abraçando. Encostei minhas costas em seu peito. Ficamos em silêncio por alguns minutos.

— Você já parou e pensou por quê? — indagou Heath de repente. — Quero dizer... O porque de tudo isso. De nós. Destino, e essas merdas.

— Eu acredito que Deus me mandou você do Céu para me dar algo pelo o que lutar — falei. — Para me mostrar que há amor nesse mundo. Para me trazer esperança, e felicidade. Como um presente do Paraíso. Mas acho que não sou uma boa menina, então estão levando meu presente embora.

Heath

Beijei o topo da cabeça dela.

— Deus não é o Papai Noel, Argent.

— Mas esse é o ponto. Garotas boazinhas vão para o Céu.

— E as garotas más?

Ela riu como se fosse óbvio.

— Seeler, as garotas más vão para onde elas quiserem.

Sorri.

— Faz sentido.

— E eu me pego pensando — ela se virou, olhando para mim. — Eu sou uma garota boazinha que faz coisas ruins às vezes, ou uma garota má que faz coisas boas às vezes?

— Eu acho que você é incrível para caralho — beijei seus lábios levemente. — Então qual a diferença?

Ela enrubesceu um pouquinho.

— Obrigada.

— Estou com sono.

Serena se ajeitou e beijou meus lábios uma última vez.

— Boa noite.

— Serena?

Serena

— Sim?

— Canta?

— Está falando sério?

Heath me fitou com os olhos dourados pidões.

— Só uma música. Pode até ser algo britânico e totalmente sarcástico que eu não faça a mínima ideia de o que seja.

Suspirei.

— Tudo bem. Uma música.

Ele assentiu e continuou com os olhos cheios de expectativa cravados em mim.

Sing me to sleep... Sing me to sleep... I'm tired and I, I want to go to bed... — comecei, desviando o olhar. — Sing me to sleep... Sing me to sleep... And then leave me alone... Don't try to wake me in the morning 'cause I will be gone...

Heath fechou os olhos, grudando mais nossos corpos.

There is another world... There is a better world... Well, there must be... Bye bye... Bye — finalizei, sentindo a respiração dele desacelerar.

Quando tinha certeza de que ele estava dormindo, sussurrou:

— Não acho que eu já tenha dito isso a você — sua voz era apenas um leve sussurro. — Mas você é linda quando não está tentando ser linda. Não deveria tentar tanto.

— Não uso tanta maquiagem assim — contestei.

— Não é a isso que me refiro — ele abriu um leve sorriso e então adormeceu de vez.

* * *

Quando acordei, bastou ouvir o ronco de Heath para me lembrar do que ele havia dito no dia anterior. Havia algo muito errado. Dizendo coisas como se fosse sua última chance, pedindo para que eu cantasse, dormindo ao meu lado... Parte de mim sabia a verdade, mas eu me recusava a acreditar.

— Serena! Já está tarde, acorde! — ouvi Patricia gritar, batendo na porta.

Merda, merda, merda!

— Seeler! — soltei um sussurro gritado, balaçando-o.

— Mas eu amo aquela sádica, Caius. Eu amo a Argert para caralho — falou ele em um murmúrio que quase não soava como Inglês.

— Eu também amo você — sussurrei. E então minha mãe gritou de novo e eu o empurrei. — Seeler, vou te jogar pela janela agora. Por favor, voe.

Heath voou? É claro que não. Lerdo que só ele, pelo menos não estava mais no quarto quando minha mãe entrou.

— Serena? — ela me fitou. — Você estava roncando alto, eu nunca havia ouvido você roncar.

— Eu estava bem cansada — menti, abrindo um leve sorriso.

Dei graças a Deus quando ela saiu do quarto. Heath abriu a janela logo depois, cheio de grama nos cabelos escuros.

— Algumas coisas nunca mudam — ele murmurou.

— Amém — sorri.

Heath

Serena podia sentir minha inquietação, eu sabia que sim. Mesmo que fosse meu último dia com ela, não fui à escola. Voei até a casa de meu pai e bati na porta até ele atender.

Frederick me encarou, os cabelos ralos completamente bagunçados, as roupas grandes demais que ele usava para dormir e a barba por fazer.

— Você não dorme, não? — ele ergueu uma sobrancelha.

Ignorei-o.

— Eu passei todo esse tempo imaginando o que minha mãe encontrou aqui que foi suficiente para que ela abandonasse o Céu — discursei, entrando na casa. — Eu achava que tinha sido você, mas não. É muito maior do que isso.

Sentei-me no sofá.

— O que está acontecendo? — Frederick sentou-se ao meu lado.

— Quando estou aqui, na sua casa... Sentado nesse sofá, comendo esses biscoitos e segurando a mão da Argent... É o único momento que me faz sentir em casa. Foi isso que mamãe encontrou aqui: um lugar onde ela pertencesse.

— Você se parece muito com ela. Percebi quando o vi uns meses atrás — contou ele. — Ela também pensava demais, e era cheia de esperanças quanto ao mundo mortal.

— Sempre me disseram que eu parecia com você — choraminguei, tentando não soar como um garotinho mimado. — Mas não diziam isso como uma coisa boa. É que diziam que minha mãe era muito dedicada a seus deveres divinos, e eu sou um anjo de merda.

— Você não é um anjo de merda. Cuidou da moça, não foi? Cumpriu seu dever.

Assenti, agradecido.

— Vou embora hoje. Não contei a ela.

Frederick me abraçou, bagunçando meu cabelo.

— Vou sentir sua falta, garoto.

— Eu também. Você é um cara legal, Frederick. Posso ver o que minha mãe via em você.

— Naquela época eu era muito mais atraente também — contou ele, sorrindo. — Não tanto quanto ela, é claro. E, quer saber, acho que você puxou alguns genes dela, garoto. Se não estivesse amarrado, tenho certeza de que estaria por aí tendo muita mulher aos seus pés.

— Pode ser, mas já que estou amarrado ao Céu...

Frederick riu.

— Não foi isso que eu quis dizer — ele se levantou. — Sabe o que deveríamos fazer?

— O quê?

— Eu vou compensar todos os momentos pai e filho que nós não tivemos. Siga-me.

* * *

— Caralho! Caiu mais graxa na minha cara! — choraminguei, saindo de debaixo do escapamento do carro.

— Eu não criei filho molenga! É só arrumar aquele cabo ali, cacete. Você já conseguiu furar um pneu na hora de trocar, então vê se faz isso direito.

Ouvimos uma risada na calçada atrás de nós. Limpei a graxa da cara com um pano e fitei Serena, que sorria levemente.

— Sabia que estaria aqui. O que está tentando fazer?

— Excelente pergunta — enrubesci. — Essa camisa estava limpinha, cara.

— A mulher com quem você mora não fala nada sobre os rasgos nas camisas? — Frederick ergueu uma sobrancelha.

— Ela tem uma empregada. Eu disse a ela que era por causa da minha religião, porque ela diz que religião não se discute — dei de ombros.

— Ei, moça, sabe trocar um pneu?

— Olha bem para a minha cara — ela ergueu uma sobrancelha. — Eu não sei nem fazer coisa de mulher direito. Já está escurecendo, Seelers.

— Querem uma carona para casa? — indagou Frederick. Assentimos. — Mas você vai ter que tomar um banho primeiro, garoto.

Eu ri, assentindo, e entrei na casa, correndo para o andar de cima. Despi-me e entrei no chuveiro, deixando a água cair por meu corpo. Depois de muito sabonete, consegui tirar quase toda a graxa.

Serena

— Ele realmente gosta de você — falei para Frederick. — Sabe disso, não sabe?

Ele riu, assentindo.

— Dá para perceber quando alguém é importante para ele.

Ok, acho que estou desgraxado agora...

Heath desceu a escada com um leve sorriso no rosto.

— Peguei uma camisa sua, Frederick. Espero que não se importe.

— Não a rasgue, eu gosto dessa — Frederick encarou-o e Heath assentiu.

Quando estavam indo para o carro, segurei o Seeler Filho.

— Sobrou um pouco aqui — abri um leve sorriso, passando o dedão por um ponto cheio de graxa na testa dele. Não saía. — Merda — Joguei a franja dele em cima. — Resolvido.

Ele revirou os olhos, sorrindo, e entrou no carro.

Heath

— Serena.

Eu nunca havia interrompido um beijo em minha vida, mas acho que havia uma primeira vez para tudo.

Seus olhos azuis me fitaram por um longo minuto, confusos. Já havia escurecido, e eu sabia que Caius chegaria a qualquer momento.

— Caius está vindo — falei. — Sabe o que isso significa.

O rosto dela perdeu totalmente a cor. Achei que ela fosse desmaiar, mas em vez disso me deu um tapa.

— E quando planejava me contar?!

— Estou contando!

Havia algo em seus olhos que eu nunca havia visto: mágoa. Mágoa, desilusão, desesperança... A lista era longa. Ela respirou fundo.

— Então... Tchau, Seeler. Foi uma merda conhecer você.

Serena subiu as escadas rapidamente. Corri atrás dela. Quando cheguei ao seu quarto, ela estava colocando um casaco.

— Vai a algum lugar? — ergui uma sobrancelha.

— Não é da sua maldita conta.

— Serena, está chovendo.

— Vá se foder! — vociferou, me empurrando e correndo para fora da casa.

Quando comecei a correr atrás dela, vi uma figura parada na calçada.

— Boa noite, Heath — Caius sorriu. — Pronto para partir?

Serena

Estava chovendo muito. Mais do que eu previra, mas não importava. A chuva caía em meus cabelos, em minhas roupas... Tanto que demorei um minuto para perceber que a água que escorria de meus olhos não era por causa da chuva. Era salgada.

Limpei os olhos com as mãos inutilmente, sentindo falta de ar. Encostei no muro de uma casa qualquer, deixando meus pés deslizarem pelo chão molhado até que eu estivesse sentada no chão. E então chorei. Molhada, com frio, miserável... Chorei. Chorei por tudo o que não chorara nos últimos meses.

E no fundo sabia que não estava chorando pela fome na África, nem pela guerra no Oriente Médio. Meu ritmo respiratório já não existia, ele se resumia a soluços, tosses e fungadas. Eu nunca me sentira tão patética em minha vida toda, mas não conseguia parar.

Levantei-me, cambaleando um pouco. Não enxergava muita coisa por causa das lágrimas e da chuva, e o vento forte trazia o cabelo ao meu rosto, mas eu sabia que tinha de voltar para casa.

Então atravessei a rua. Minha cabeça dóia e eu sentia tonturas fortes, então não sei direito como aconteceu. Para mim, estava tudo em câmera lenta. Dois faróis altos, uma buzina longa e um baque surdo. Isso foi tudo o que consegui registrar antes de bater a cabeça e apagar de vez.


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