Um Anjo (quase) Caído escrita por Gaby Molina
Serena
Eu precisava de vodka. Levantei-me de manhã e fui atrás de bebida no armário da sra. Stewart, mas não encontrei nada lá. Pela primeira vez, senti saudade de casa.
De qualquer forma, Heath descobriu e ficou me observando a manhã inteira como o bom anjo da guarda que era, então tive que aguentar aquele dia totalmente consciente.
Eba.
Não conversáramos sobre a coisa toda do eu-estou-apaixonada-por-você, mas eu via o sorriso em seus olhos sempre que ele olhava para mim. Uma confiança silenciosa.
Depois da aula, eu e Heath ficamos sentados na arquibancada enquanto Damien terminava o projeto de Biologia com Liam.
— Eu tive uma ideia — Heath abriu um sorriso travesso. — Mas vai dar muita encrenca.
— Encrenca é minha palavra favorita — sorri, me levantando.
Heath
— Não vai me perguntar o que vamos fazer? — ergui uma sobrancelha.
Ela olhou para trás com um sorriso presunçoso no rosto.
— Você fica tão sexy quando quebra as regras.
Revirei os olhos, rindo.
— Tá, vamos logo.
Caminhamos até o estacionamento. Encaminhei-me até o carro dos Stewart e abri a porta.
— Você está com a chave? — ela franziu o cenho.
— O Damien deixa no porta-luvas.
Ela arregalou os olhos como se eu tivesse dito que tinha visto um cruzamento de unicórnio, girafa e esquilo dançando break em cima do telhado.
— O Damien tem porra na cabeça?!
— Érrr... Os humanos não deixam a chave no carro?
— Claro que não, poxa!
— Bem, agradeça a ele por ser tão mané, então — dei de ombros, entrando no carro.
Ela sentou-se no lado do passageiro.
— Você sabe dirigir?
Eu ri.
— Quão difícil pode ser? — e acelerei.
Serena
Eu genuinamente não sei como sobrevivemos a Heath no volante. Uma parte de mim até se sentiu aliviada quando o jeito YOLO de direção de Seeler chamou a atenção de um policial.
E então caí na real. Depois de conferir que Heath não tinha carteira de motorista, nem dezoito anos, nem carteira de identidade e nem absolutamente nada que não fosse a carteirinha escolar, acabamos na delegacia.
— Como são menores, preciso de um pai ou guardião aqui — o oficial disse, nos encarando.
Grande merda, apodreceríamos ali; pensei, sentando no chão da cela. A não ser que...
* * *
— Frederick Seeler — disse o homem ao oficial, e então começou a despejar mais dados pessoais que comprovassem sua vericidade.
— E a garota?
— Eu me responsabilizo por ela.
— Ótimo, assine aqui.
A cela foi aberta logo depois.
— Vamos logo — Frederick nos encarou, empurrando-nos para fora da delegacia. Depois nos encarou, irritado. — Em que estavam pensando?!
— Desculpe, nós só... — Heath começou a dizer, mas o pai o interrompeu:
— Não acredito que foram estúpidos o bastante para serem pegos, Santo Deus!
Depois do sermão totalmente paternal e responsável de Frederick, meu telefone tocou.
— Olá? — atendi.
— ARGENT, ONDE DIABOS VOCÊ ESTÁ?!
Afastei o celular do ouvido, torcendo o nariz.
— Ah, boa tarde para você também, querido Damien.
— Onde está o meu carro, Argent?!
— Érrr... Na delegacia. Ei, Frederick — olhei para o homem. — Podemos ir com o carro vermelho? Se não um certo meio-anjo louro de pavio curto vai socar nossas lindas faces.
Frederick franziu o cenho, mas sentou-se no banco do motorista do carro da sra. Stewart. Entramos no carro também.
— Chegamos aí em uns dez minutos — falei para Damien.
— Que seja — e desligou.
* * *
Eu não achava que Damien fosse humano o bastante para rir, mas ele estava rindo quando chegamos à escola.
— E... E então ele... — Liam Johnson, que ria também, contava alguma história, fazendo pausas longas para respirar.
Pigarreei. Damien me encarou e soltou um longo suspiro.
— Ah, você. Tchau, Johnson.
— Tchau, Damien! — Liam acenou. — Oi, Argent! Tchau, Argent!
— Tchau, Liam! — sorri, acenando.
No caminho até o carro — onde Heath e Frederick nos esperavam —, Damien não calou a boca.
— O que diabos vocês estavam pensando?!
— Eu... Ér...
— Ah, é. Esqueci que você não pensa — ele revirou os olhos.
— Ei — protestei, irritada. — Por que tem sido tão filho da puta comigo? Não costumava ser assim.
— Eu achava que você não era o tipo de garotinha mimada que colocava os próprios amorzinhos platônicos na frente de todo o resto — ele resmungou. — Eu estava errado.
— E qual é a sua porra de moral para falar isso?!
Ele franziu o cenho.
— O que está dizendo?
— Sabe muito bem, Gull. Quando estiver pronto para admitir, eu gostaria de ser avisada.
Aproveitei seu momento de confusão para acelerar o passo até o estacionamento. Mas, antes de nos aproximarmos, segurei Damien e disse:
— E não é um amorzinho platônico. Realmente gosto dele.
— Se Vossa Majestade diz — ele fez uma reverência debochada e correu até o carro.
Seu olhar cravou-se em Frederick. Eu e Heath nos entreolhamos.
— Ah... Damien, esse é meu pai, Frederick — Heath apontou, sem jeito. — Longa história. Realmente longa.
Heath
Quando chegamos em casa, cobri meu rosto e minhas partes baixas com as mãos.
— Por favor, não me mate.
Serena, que passava por ali, soltou uma risada alta.
— Sempre homem, Seeler — ela explodiu em gargalhadas enquanto subia a escada em direção a seu quarto.
Damien apenas me fitou por um minuto e suspirou.
— Pode ser sincero comigo. Está apaixonado por ela?
Mordi a parte interior da bochecha e assenti lentamente.
— Definitivamente.
Damien passou a mão direita pelos cabelos dourados.
— Certo. Não vou contar a Caius.
Arregalei os olhos, surpreso.
— E por que não?
— Porque, meu colega Nefilim — ele suspirou mais uma vez, subindo as escadas. — É bom acreditar que há amores, beijos, risadas e riscos pelos quais vale a pena lutar.
Antes que eu pudesse dizer qualquer coisa, Damien desapareceu pelas escadas.
* * *
— Ele falou isso, mesmo? — Serena ergueu uma sobrancelha, cética, quando contei a ela o que Damien havia dito. Assenti. — Uou.
— O quê?
Ela suspirou.
— Nada.
— Você parece distante. O que houve?
Ela hesitou.
— Patricia volta amanhã.
— E você...
— Eu não vou encontrá-la no aeroporto — decidiu ela, me interrompendo.
Suspirei, suavizando o tom de voz:
— Serena...
— Eu não pedi a sua opinião, Seeler. Já está decidido.
Bufei.
— Que seja, Argent. Mas pense nisso.
— Anotado. Boa noite.
Entendi o recado e saí do quarto dela.
Serena
Fomos à casa de Frederick no dia seguinte. Heath estava desfrutando do estojo de cento e tantas cores de lápis de cor do pai em algum desenho no quintal. Eu estava assistindo The X Factor com Frederick.
— Esse Simon é um filho da puta — disse Frederick, mordendo um biscoito.
— Não é, não. Ele é o único nessa bancada que sabe o que fala.
Ouvimos passos descendo as escadas.
— Ah, bom dia, Serena — Fred Júnior sorriu. — Está bonita hoje. Quero dizer, você sempre está bonita, mas...
— Que seja, Fred — falei, sorrindo e pegando um biscoito.
Ele assentiu e se dirigiu à cozinha.
— Aposto que meus filhos não são os únicos rastejando aos seus pés — comentou Frederick. — São?
Dei de ombros. Ele riu.
— Você é bonita, moça. Bonita demais para o seu próprio bem.
— O que quer dizer?
— Nada com que deva se preocupar agora. Espero que não foda a vida do meu filho, eu sacrifiquei muito por ele.
Assenti.
— Não vou.
— Obrigado. Sabe, é bom que o garoto não tenha ressentimentos comigo. Às vezes os pais tomam decisões para proteger os filhos, e nosso maior medo é que eles jamais sejam capazes de compreendê-las. Malcolm Gladwell uma vez disse...
— "Você não precisa de talento. Em vez disso, pratique dez mil horas e você será tão bom em algo quanto Mozart no piano."
— Sim. Esse é o problema de ser pai. Você não pode praticar ser pai durante dez mil horas. Você precisa ser um expert desde o primeiro minuto. Só espero que eu esteja fazendo a coisa certa com os garotos.
Assenti, mas minha mente estava longe dali.
— Eu preciso ir — falei, me levantando.
— Vou com você — disse Heath, que estava no batente da porta nos ouvindo todo esse tempo.
Fitei-o por um momento. Seu sorriso me deu a certeza de que ele sabia o que eu estava indo fazer.
— Ótimo — inspirei fundo. — Temos um aeroporto para visitar.
Heath
Eu acho que nunca vira Serena tão inquieta. Pegamos um táxi — que Frederick pagou, bendito seja. Afinal, ele trabalhava ou o quê? — e logo estávamos no aeroporto.
— Nervosa? — perguntei.
Ela me ignorou e saiu correndo.
Serena
— Por favor, érrr... — fui perguntar para a mulher do balcão de informação. — Esquece.
Lá estava ela, xingando um homem que não cuidara bem de sua mala. Quase ao meu lado, bem ali. Soltei uma risada.
Patricia se virou para mim e seus olhos se cravaram nos meus. Abri o maior dos sorrisos e gritei:
— Mãe!
E corri para abraçá-la.
— Serena! Eu... Eu sinto tanto, eu...
Beijei sua testa, afastando o cabelo do rosto.
— Não precisa. Eu sei que você só queria o melhor para mim, e sinto muito que não consegui compreender isso de cara. Pode me perdoar?
— Você é minha filha, Serena — ela me abraçou, e senti seu sorriso contra meu ombro. — Eu sempre vou perdoar você. Olha, Heath está aqui!
Revirei os olhos, soltando-a.
— Boa tarde, sra. Argent — Heath abriu seu sorriso charmoso de sempre que fazia as mães e filhas derreterem.
— Pode me chamar de Patricia, querido.
— Não o chame de querido! — suspirei. — Já tivemos essa conversa.
— Tudo bem. Quer ficar em casa para o jantar... Heath?
Heath me fitou e eu dei de ombros.
— Eu adoraria.
* * *
— Eu esqueci que a comida da sua mãe era tão ruim assim — ele choramingou depois do jantar. — Merda, por que eu não me apaixonei por uma garota cuja mãe soubesse cozinhar melhor?
— Bem, é melhor ir se acostumando, porque eu não sei nem fazer arroz direito.
Heath beijou minha testa.
— O menor de meus problemas.
Entrelacei meus dedos nos dele.
— O que vamos fazer, Heath?
— Não sei. Mas vai ser uma boa história para contar qualquer dia.
Abri um leve sorriso, mas neguei com a cabeça.
— Não quero que seja só uma história.
— Eu sei. Boa noite, Argent.
Beijei seus lábios levemente.
— Boa noite, Seeler.
Heath abriu a porta da sala e correu, provavelmente para que eu não visse quando ele fosse abrir as asas e voar.
Voltei para a cozinha.
— Pelo tom da conversa, parecia bem melancólico — notou Patricia.
Dei de ombros.
— Estamos bem. Vamos ficar bem. Ei, mãe...
— Sim?
— Vou tocar no Johnny's hoje. Quer vir?
Os olhos dela sorriram. Sempre fora seu maior sonho me ver cantar em frente a uma plateia, mas eu nunca permiti que ela fosse.
— O que você vai cantar? — perguntou ela, curiosa.
— Tem algo que eu preciso dizer.
Peguei meu celular e digitei um número.
— Argent, o que você quer?
— Olá, querido Damien. Diga ao Seeler que minha mãe vai buscá-lo aí daqui a vinte minutos no máximo. Ele já deve estar chegando aí. Vou saber se mentir. Obrigada, tchauzinho.
E desliguei.
— Vou explicar a você como chegar à casa do Heath. Eu vou de ônibus, preciso pensar direito no que estou fazendo.
Minha mãe assentiu. Acho que ela estava exasperada e animada demais com o quão legal eu estava sendo. Acho que eu estava também. Era a noite de colocar tudo para fora, e eu a fecharia com chave de ouro.
Não quer ver anúncios?
Com uma contribuição de R$29,90 você deixa de ver anúncios no Nyah e em seu sucessor, o +Fiction, durante 1 ano!
Seu apoio é fundamental. Torne-se um herói!