Amiga Morte escrita por Quézia Martins
Notas iniciais do capítulo
Obrigada pela força!
Boa leitura!!!
...
Sandra andava de um lado para o outro desesperada, com o coração na mão. Descrente que a sua filhinha havia falecido. A sua única filha. Como Deus pôde mudar a ordem natural das coisas? O certo é o filho enterrar os pais e não o contrário. Era até irônico de um certo modo, saber que Deus adora soar contraditório. Era nisso que Sandra pensava aflita.
Ela sentou num banco e colocou a cabeça entre as mãos enrugadas e pequenas. Lembrou de avisar Auguste e Clara, e se agonizou ao cair em si, do quanto eles sofreriam. Um médico com cara de velório se aproximou dela.
— Senhora Espinosa? - ele perguntou cauteloso. O maxilar contraído.
— Sim? - Sandra falou levantando os olhos pequenos.
— A senhorita Bárbara ela... Bom, ela não aguentou. O seu coração... ele estava danificado demais. Fraco demais. Ele parou.
— E agora ela está morta. - Sandra afirmou. A voz baixa, triste, arrastada. O médico entendeu como uma pergunta.
— Isso mesmo. Tentamos reanima-la, mas ela veio a óbito e...
— E o que? - ela falou. Os olhos lacrimejantes.
— Bom, eu irei cuidar do documento. Sinto muito pela sua perda. - ele falou se virando e saindo. Ela estava sozinha outra vez. Decidiu ligar para Auguste.
— Oi Sandra. - ele atendeu seco.
— Tá ocupado?
— Agora não, mas tenho uma reunião daqui a pouco. - ela respirou fundo e tentou não explodir.
— Na verdade você tem um velório pra ir daqui a pouco. - ela falou devagar - Estou no hospital de sempre. - e depois ela desligou sem esperar resposta. Agora precisava ligar para Clara. Tinha medo de dar a notícia e ela não aguentar ou... Passar mal e prejudicar o bebê. Será que deveria dizer? Não poderia esconder isso. Discou os números, mas desistiu de ligar. Olhou em volta e se assustou ao ver Clara indo em sua direção com bexigas grandes e coloridas e uma caixa de chocolate.
— Oi tia. - Clara a cumprimentou dando um abraço cheio de comemorações que logo chegariam ao fim. – Fiquei sabendo que a Babi passou mal.
— Oi - Sandra respondeu tentando manter um sorriso falso e se limitando apenas a isso. Sua mente trabalhava pensando em uma maneira fácil e rápida de dar a notícia.
— Tudo bem? - ela perguntou enquanto Sandra acariciava sua barriga.
— é...
— Foi mal tia. Esqueci que não dá para as coisas estarem bem com a Babi naquela situação, né? Mas fica tranquila que eu confio firmemente no papai do céu e que ele já está arranjando uma maneira de tirá-la de lá. - fez uma pausa pra respirar antes de voltar a dizer - Já está no horário de visita? - ela sorriu outra vez esperançosa. Lágrimas brotaram nos olhos de Sandra.
— Clara, eu não sei como lhe dar essa notícia mas... - ela foi interrompida por um puxão abrupto no braço. Virou obrigatoriamente e se deparou com Auguste. Os olhos arregalados, a boca seca, os cabelos meio grisalhos totalmente bagunçados, só a parte de cima do terno. Na sua testa havia gotículas de suor.
— A nossa filha não morreu, não é? - a voz dele estava alterada, e falhava no final de cada palavra. Clara instantaneamente voltou o olhar para Sandra pega completamente de surpresa e esperou uma resposta. Mas, Sandra permanecia em silêncio.
— Tia... Por favor, diz que ela não... Tia. Por favor! - Clara falou levando a mão à boca quando percebeu que sim. Sua amiga havia morrido. E ela sequer sabia disso.
— Me diz Sandra. Quero ouvir com todas as letras.
— Sim. A Bárbara está morta. - e depois disso, saiu.
***
"Onde estou?" Era a pergunta que Babi fazia ao abrir os olhos e se ver num campo imenso. Como uma plantação de trigo. Mais a frente um variado e enorme jardim. Com flores de todas as cores e borboletas e beija-flor voando em sintonia com a beleza. O engraçado de estar ali, era ter aberto os olhos e já estar no meio daquilo tudo, em pé.
Babi se sentia leve. Deu uma averiguada em si e percebeu o quanto estava bela. Olhou para seus braços grossos e sem palidez, passou a mão no rosto procurando sinal do osso do maxilar e não encontrou. Não havia hematomas em sua pele e seus cabelos louros passavam um pouco do ombro. Ele refletia a luz fraca do sol, e ele estava bonito. "Meu cabelo está bonito!" Babi pensou passando os dedos entre os fios. Levou as mãos à roupa que vestia. Era um vestido branco, cheio de camadas e camadas e estava descalça. Ela sorriu. Só podia ser um sonho.
Começou a sentir segura em andar ali. Sentia como se pertencesse àquele lugar. E era nisso que pensava quando sentiu uma mão fria lhe tocar o ombro. Por intuição, ela sabia exatamente quem era.
— Lua. - pronunciou antes mesmo de virar-se para ver.
— Olá. - Lua respondeu. Babi se virou e a encarou. Estava pensando num milhão de perguntas, mas sabia que não precisaria dizer porque Lua sempre respondia antes dela perguntar. - Se você está me olhando na espera de que eu responda alguma de suas questões, não o farei.
— E por que não? - Bárbara quis saber.
— Porque não posso ler seus pensamentos aqui. - a velha respondeu abrindo os braços e olhando em volta. - Kattylind é um local mágico.
— Kattylind? - Babi tentou repetir com êxito.
— Exatamente. Venha. - Bárbara seguiu Lua por entre espaçamentos nas plantações e chegaram a uma espécie de varanda onde tinham três pequenos bancos. Lua sentou e Babi a imitou. - Pergunte. - ela sibilou lentamente. Havia uma brisa boa no ambiente. Um vento soprava os cabelos de Babi, os quais ela sentiu estarem mais pesado. Mas, ignorou.
— Onde estamos?
— Kattylind. - Lua falou como se já fosse óbvio.
— Explique.
— É um lugar onde tudo é possível.
— Porque estou aqui?
— Não sabe mesmo?
—O que é? Tipo... Eu morri? - Lua sorriu de canto. Babi percebeu que seus dentes agora estavam perfeitos e suas rugas estavam meio que desaparecendo.
— A morte lhe parece assim tão ruim? - Babi assentiu com a cabeça. - Eu sou ruim? - Babi arqueou a sobrancelha e sorriu sem entender. - Eu sou a morte Babi. E todos que me vêm morrem.
— Mas... - Babi murmurou lembrando que Octávio havia dito que conheceu a Lua. Que sabia que era seu anjo da guarda. Se surpreendeu quando viu suas lembranças passarem no ar como um filme. Lua sorriu largamente e Babi se sentiu com medo. Medo por Octávio. Olhou assustada para Lua que, olhava concentrada as memórias de Babi. - Então ele... O Octávio... Ele te viu, né?
— Eu apareci pra ele. - respondeu dando de ombros.
— Por que apareceu pra mim? - Babi virou rapidamente e os olhos de Octávio pousaram sobre ela. Apesar de imensa felicidade, ela não conseguia saber o que fazer.
— Por que ele está aqui? - Babi perguntou chorosa.
— Porque ele também está morto.
— Eu morri?! - os dois perguntaram juntos.
— Uhhum. - Lua respondeu ficando em pé. - Eu apareci pra você Octávio porque vocês dois são destinados a ficarem juntos. Eu estraguei tudo jogando a doença na Babi como uma estratégia de fazê-los se conhecerem, mas aí... As coisas saíram do controle e não podia deixá-la morrer sem ser sua para sempre. Vocês precisavam ficar juntos.
— Você o matou também? Com que direito?! - Babi balbuciou revigorada.
— E por que estamos apenas nós aqui? Ficaremos nesse lugar até decidirem se vamos pro céu ou pro inferno? - Octávio indagou confuso cortando as perguntas de Clara.
— Ficarão aqui porque é aqui que têm que ficar. Ninguém vai para o céu. Nem para o inferno. As pessoas ficam aqui.
— Mas então porque só tem nós? - Babi inquiriu.
— Porque essa é parte de vocês. É onde construirão um futuro. Eu os uni novamente. Eu cumpri minha missão.
— Como construiremos um futuro sem estarmos vivos? - Octávio falou entredentes.
— Estão mortos apenas na Terra. Passarão uma vida toda aqui, e sim. Vocês podem morrer depois de já estarem mortos.
— Mas existe morte aqui? Não é um lugar mágico? - Babi perguntou outra vez.
— Isso não significa que não aja mortes. Morrerão aqui e voltarão pra terra como bebês e o ciclo se repetirá. - Lua sorriu e pegou na mão de Babi. - Aqui não há doenças sem cura, nem fome... Aqui a morte é por velhice. Poderá ter uma família. Poderá realizar seus sonhos e a melhor parte. Poderá ir a Terra de ano em ano ver as pessoas que deixou pra trás.
— Vou poder ter filhos? - Babi indagou emocionada. Depois, abraçou Lua quando a mesma assentiu. Quando se soltou do abraço, viu que Lua estava jovem. E bonita.
— É que estou morrendo. - Lua falou respondendo ao olhar dela.
— Se você é a morte como pode morrer?
— Eu terminei minha missão. Eu os uni e vocês me libertaram. Estou morrendo pra poder viver. Agradeço a vocês. - E num piscar de olhos ela sumiu. Babi se voltou para Octávio e sorriu. Ele veio a abraçar.
— Nós vamos ser felizes? - ela perguntou próxima aos lábios dele. – Quer dizer, isso é tão insano!
— Impossível não sermos. - ele falou alisando o comprido cabelo de Babi.
— Ei, - ela falou surpresa. - Meu cabelo está grande. Ele está grande. - ela pulou no colo dele. - Eu te amo Octávio Magalhães.
— E eu te amo senhorita Bárbara Espinosa. - ele uniu os lábios aos dela e depois a abraçou forte. - Vamos ficar juntos até que a morte venha.
— E que dessa vez seja homem. - Babi brincou. - Para sempre Amor. - com essa promessa começaram a verdadeira vida juntos.
***
Cinco anos depois...
—Paloma pare de correr! - Clara gritou com sua filhinha de pouco mais de quatro anos, que corria sozinha. A pequena parou e olhou pra ela.
— Ela está aqui outra vez mamãe.
— Ela quem? - Clara perguntou. - Você fala sempre dessa mulher, mas nunca diz um nome. Quem está ai? - Ryan soltou uma estrondosa risada.
— Sério isso, amor? Vai mesmo levar a sério? É só uma amiga imaginária.
— Não é. - a pequena gritou birrenta. - O nome dela é Babi. Eu posso vê-la e ouvi-la.
— Babi? - Clara perguntou lembrando do que estava escrito numa carta que Sandra a havia entregado no fúnebre de Bárbara.
"Nem sempre é o fim. Ás vezes é só o fim para que chegue o próximo início. Não esqueça. Sempre há a tecla "reset". E eu a apertarei na primeira oportunidade, amiga. Eu nunca vou te deixar sozinha. Estarei sempre ao seu lado. Não importa aonde eu esteja. Eu prometo."
— Ela disse que você está muito bem e que teve a oportunidade de me conhecer. E que sou a encarnação de uma amiga dela. Lua. Ela está chorando, mamãe. Ela disse que nos ama. Tchau tia Babi.
— Ela sempre cumpre as promessas que faz. - Clara falou se recuperando. Abraçou Paloma e deu um beijo no topo da cabeça de sua filha. - Ela sempre cumpre.
[...]
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~Keel