Sharon estava mais que feliz. Aquela manhã e tarde passaram voando, sem nenhum branco em sua mente... pelo menos não que ela se lembrasse. Enfim. Após o bondinho, Luca a levou para almoçarem juntos num restaurante tipicamente brasileiro que havia ali perto e depois ficaram andando a esmo pelas calçadas movimentadas, apenas apreciando a sensação de terem as mãos entrelaçadas e conversando bobagens aqui e acolá. Isso até que decidissem parar num banquinho de madeira de um parque qualquer.

–Mas nós precisamos dar um jeito nessa confusão – ele suspirou, sentando-se – Temos que ir até Afrodite e descobrir que poção você tomou.

–Sim, claro – Sharon concordou – e quando vamos até lá?

–O mais rápido possível, de preferência hoje. Mas precisa avisar seus pais antes.

–Ah é – Sharon rolou os olhos – Vou levar uma bela bronca.

–Por quê?

–Você verá – ela falou, levantando-se e puxando o garoto pela mão – Vamos.

*.*

O céu já estava alaranjado com o pôr do sol quando Sharon e Luca pararam em frente da casa branca de Poseidon, mas ela nem mesmo bateu antes de entrar. Empurrou a porta e caminhou até a cozinha, sendo silenciosamente seguida por Luca. Ao chegarem lá, Sharon encontrou Poseidon e Atena sentados à mesa, com um papel nas mãos enquanto riam de qualquer bobagem que houvesse ali.

–Hã... Pai? Mãe? – ela falou, chamando a atenção dos dois para si. Imediatamente o sorriso desapareceu do rosto de ambos, e Atena indagou:

–Sharon, onde você estava?

–Eu... saí com meus amigos.

–E voltou dois dias depois?! – Poseidon perguntou, um tanto irritado.

–Me desculpem, eu...

–Sem desculpa – o deus dos mares falou, com uma expressão no rosto que fez a própria Atena ficar calada – Você está de castigo, mocinha. Não sai dessa casa sem nós até voltarmos para o Olimpo!

–Er... Receio que terei que pedir uma exceção, tio.

Esse foi Luca a falar, fazendo com que Atena e Poseidon finalmente notassem que ele estava ali.

–Por que, Luca?

–Porque ela tem uns problemas a resolver com Afrodite... e é meio urgente, queria poder levá-la agora.

–Afrodite? – perguntou Atena – ah, minha filha, no que você se meteu?

–É uma longa história, mãe... Depois eu explico, juro.

Poseidon encarava os dois, indeciso, mas sabia que precisava deixá-los ir. Aliás, por sorte, ele gostava de Luca, que havia crescido frequentando seu palácio em Atlântida.

–Sim, eu deixo – ele falou – mas vocês sabem quanto tempo isso vai levar?

–Não, Sharon está realmente encrencada. – Luca sorriu levemente – Afrodite vai ter um certo trabalho com ela, aposto.

–Hm... Certo, vão. Mas nós estaremos no Olimpo em breve, então não precisam voltar. Fiquem por lá mesmo e resolvam o que têm que fazer.

Luca sorriu, agradeceu e resolveu com Sharon que iriam naquele exato momento. Ela despediu-se dos pais, pediu desculpas mais algumas vezes e segurou na mão estendida do ruivo, sumindo com ele dali.

*.*

Quando reapareceram de mãos dadas no quarto da deusa do amor, mal tiveram tempo de se acostumar com a mudança de ambiente que logo os gritinhos animados de Afrodite deixaram os dois ainda mais desnorteados.

–Vocês estão juntos, awn! Eu sabia, eu sempre soube, eu nunca erro. Foi assim com Poseidon e Atena, com Apolo e Artemis, mas vocês... eu sempre tive certeza de que....

–Afrodite – Luca falou contendo a deusa, que agora saltitava em volta do casal – Ela está mesmo sob o efeito da poção, mas não sei de quê.

–Oh! – Afrodite exclamou, piscando os olhinhos cor-de-amêndoa e sentando-se na cama – Vamos dar um jeito nisso. Sente-se aqui, Sharon.

A garota acomodou-se ali ao lado de Afrodite, que estalou os dedos, fazendo aparecer uma prancheta rosa e cruzando elegantemente as pernas. Ela até parecia uma espécie de terapeuta patricinha, especialmente se contasse com os pompons rosa-choque da caneta. Mas enfim.

–Diga-me, Sharon: Você ficou com alguém lá onde estava?

–Sim.

–Com quantos?

–Dois garotos, enquanto estava sóbria... Uma garota... Luca... e não consigo lembrar das noites em que estava bêbada.

–Nossa! E... Me diz uma coisa, os brasileiros são mesmo gostosos como dizem?

–Bom, na verdade eu só fiquei com um brasileiro, pois Josh nasceu no Canadá e se mudou pro Rio, mas... Isso realmente importa?

–Claro que importa, preciso saber onde passar minhas próximas férias!

Luca, sentado em um banquinho perto da porta, rolou os olhos, mas permaneceu calado.

–De qualquer forma. Sim, ele era gostoso. Próxima pergunta útil, por favor.

–Hm... Bom, até onde eu saiba, você jamais faria algo assim, Sharon. Por que mudou de uma hora para outra?

–Eu... não sei. Simplesmente tinha vontade de fazer e fazia.

–Puxa, e você nem ficou com peso na consciência nem nada?

Sharon começou a pensar. É, se ela fosse analisar, tudo o que ela havia feito lhe fazia sentir levemente culpada... mas justo quando ela começou a pensar assim, sentiu aquele borrão a linha de raciocínio de novo e logo o pensamento sumiu, deixando-a frustrada.

–Eu não sei – ela reclamou, irritada por não poder continuar seu raciocínio.

–Como assim?

–Não sei! Todas as vezes que começo a me sentir culpada dá uma espécie de branco na minha mente, e eu esqueço do que estava pensando! Isso acontece desde que cheguei no Rio, acho.

–Então você não consegue se sentir mal pelo que faz? – a deusa do amor franziu o cenho.

–Se olhar por esse ponto de vista, não.

A expressão de Afrodite ficou sério de repente. Com um suspiro pesado, falou:

–Vocês estão com sérios problemas.

*.*

–Eu vou matar aquele desgraçado do Aaron – resmungou Luca entredentes quando Afrodite começou a explicar a complexidade do negócio.

–Tecnicamente, eu que peguei a poção errada – falou Afrodite.

–Mesmo assim, não era nem para ter poção nenhuma na história – falou o ruivo. Então me explique, quais exatamente os efeitos dessa poção? Que poção é essa?

–Essa poção foi feita para aquelas pessoas muito tímidas, que chega a ser um caso extremo... Ou aquelas que sofreram algum tipo de trauma e por isso têm medo de fazer qualquer coisa que querem, pois o efeito é exatamente esse que você já deve ter percebido: Ele não deixa que a pessoa controle os impulsos e de bônus ainda evita qualquer tipo de remorso ou arrependimento, a fim de que quem use não se sinta mal consigo mesmo.

–Ah... Então eu fiz o que fiz porque não podia controlar o que queria? – perguntou a loira.

–Basicamente.

–E... qual o antídoto disso? – perguntou Luca.

Afrodite já abria a boca para responder, quando todos foram surpreendidos por batidas na porta. Quando esta se abriu, Aaron entrou no quarto, a princípio sorrindo, mas logo sua expressão mudou ao ver os três ali reunidos.

–Sharon! Quando...? Como...? – ele perguntou, surpreso, parando de pé ao lado de Afrodite.

–Ainda bem que você chegou, Aaron – falou Luca com deboche – Estávamos há pouco falando do estrago que você causou.

–Estrago?

–Por falar nisso, - Sharon levantou-se, indo até ele e colocando o dedo no peito do garoto – O que você tinha na cabeça para querer me dar uma poção?

–Eu só queria que você se apaixonasse por mim.

–Pra me trair? – ela perguntou, visivelmente irritada.

–Como... Aquele idiota ridículo te contou?

–O ‘idiota ridículo’ não teve culpa de chegar todo roxo onde eu estava e me fazer perguntar o que tinha acontecido.

–Ele se meteu onde não devia.

–Isso não importa. Você só pode estar louco se acha que eu continuaria com você, principalmente depois de agora.

–O que aconteceu de tão grave? Olha, você parece estar ótima, o que a poção fez com você, afinal?

Só então Luca, que estava assistindo a briga com certo divertimento, se pronunciou:

–Por culpa da poção que você deu a ela, ela ficou bêbada se agarrando com metade dos caras que estavam numa boate lá. Isso sem contar aquela garota... Feliz?

Aaron ficou chocado por alguns minutos, mas logo recobrou a expressão irritada no rosto e falou:

–E aposto que você se aproveitou disso, não foi? Você sempre tentou roubar minha namorada.

–Ex-namorada! – falou Sharon de onde estava, fazendo Luca sorrir de canto.

–E pelo visto você conseguiu... – o moreno falou com uma expressão de desdém – Que seja, então não tenho nada para fazer aqui. Desisti de tentar comer essa daí, mas quem sabe sob o efeito da poção você tenha chance, Luca. Boa sorte tentando, aliás.

Ele falou aquilo e estalou os dedos, sumindo dali com um sorriso de escárnio nos lábios. Luca fingiu que não havia ouvido tanta besteira, Sharon ficou pensativa por alguma razão e Afrodite encarava os dois em silêncio.

–Então , Afrodite, me diga logo o que precisamos fazer para anular a poção. Ela passa com o tempo?

–Não... infelizmente não, Luca – ela respondeu, olhando para o chão – E infelizmente... também não há um antídoto para ela.

–Não... tem que haver! – ele falou – Qualquer coisa.

–Não há nada que eu possa fazer, desculpe-me.

O ruivo ficou completamente desapontado, já que não poderia voltar atrás com aquilo tudo e provavelmente nunca saberia se Sharon realmente estava apaixonada por ele ou não. Frustrado, ele murmurou algumas palavras de despedida, alegando que precisava ficar sozinho e estalou os dedos, sumindo dali e reaparecendo direto em seu quarto, onde deixou o próprio corpo desabar na cama e lutou contra a vontade de chorar.

Ele não sabia mais o que fazer.