A campainha tocava insanamente, ela não iria parar até eu ir lá e atender quem estava lá. Eu estava tonto por causa do sonho que tive noite passada: eu caindo em uma profundeza sem fim, ouvindo alguém gritando “Por favor, me salve”. O significado disso? Eu não faço a mínima ideia, talvez a Maho saiba me explicar, a vi lendo um artigo sobre significado dos sonhos em uma dessas revistas femininas.

Voltando á realidade. A pessoa nem parecia estar apressada enquanto tocava a campainha em ritmos de músicas famosas.  Eu tentei trocar de roupa para estar ‘normal’ para a tal pessoa, mas acabei me atrapalhando. Corri para a porta e a abri respirando forte, até ver quem era.

“Foi à Europa e volto, por acaso?”

Ela era baixinha, do mesmo tamanho de Maho, loira de olhos azuis profundos sem foco e, desde que ela roubou minha carteira e se mudou para o apartamento ao lado, me deve um emprego. Se não fosse pelo casaco longo, o cachecol que usava e a identidade seria facilmente confundida com uma aluna do Ensino Médio, ou mesmo do Fundamental. O comportamento dela em relação a mim não era um dos melhores, mas acho que nós somos ‘amigos’.

“E você? Foi pro inferno e volto?”

“Quase isso”.

Ela sempre tinha resposta para tudo. Ficamos nos olhando por alguns minutos, ela me encarando com aquele olhar vitorioso. Suspirou e entrou em minha casa, me tirando do caminho.  Quando eu virei, ela estava sentada no sofá me encarando novamente com olhos mortais.

“Vai trocar de roupa”

“Por quê?”

“Porque você quer um emprego.”
 

A última frase tinha me convencido de vez. Corri, tomei banho, botei uma roupa mais ‘apresentável’ para a ocasião. Parecia que eu estava em um reality show daqueles que você bota uma roupa e a outra pessoa julgava, porque eu não sei quantas vezes eu troquei de roupa e ela disse ‘não’. Finalmente, depois de meia hora, ela diz que a primeira roupa estava melhor que todas as outras que tinha posto.

Saímos andando do apartamento, deixando um bilhete para Maho na porta dizendo que saí com a vizinha. Parecia que andávamos por anos e anos, e nada de chegar ao lugar. Eu tentava conversar com ela, mas ela só dizia ‘sim’, ‘não’ ou ‘claro que não’. Pelo jeito somos apenas ‘conhecidos’. 

Parecia que andamos quilômetros, e nada de chegar a tal lugar. Quando menos esperávamos, alguém atrás de nós nos chamou a atenção.

"Noriko!", gritou, "Está indo almoçar?"

Ela tinha olhos verdes que diziam 'olhe para mim', e cabelos dourados desarrumados até o queixo. Ela parecia apressada, preocupada e feliz ao mesmo tempo, que, combinada com as sardas em seu rosto, parecia fofo. O sotaque forte era marcante, obviamente não era daqui. Ela desviava seu olhar entre eu e Noriko falando alguma coisa que não prestei atenção, até eu sentir uma forte pressão no meu pé.

"Deixe de babar e preste atenção." 

A outra riu.

"Bem, muito prazer. Eu sou June, e você?", sorriu.

"Hm... Satoshi..."

Me estudou de cima a baixo procurando alguma coisa. Logo que terminou, sussurrou algo para si mesma e se voltou para Noriko.

"Ele é aquele pessoa que você disse mais cedo certo?"

"O que te faz pensar isso?"

"Fácil, ele esta desarmado."

Elas se encararam por um tempo. Noriko sorriu, enquanto a outra olhava vitoriosa.

"Você está ficando melhor nisso."

"Aprendi com a melhor."

Elas trocaram algo como uma batida de mãos, daquelas bem estranhas, sabe? Então, eu voava na conversa das duas, June parecia animada enquanto dizia um blá-blá-blá sem fim e, ao mesmo tempo, entregava papéis para Noriko, que passava para mim. Resumo: a única coisa que eu prestei, nesses 10 minutos, foi de burro de carga. Enquanto eu carregava os papéis, eu não ouvia nada além do zumbido dos carros da avenida principal; nem percebi quando elas estavam indo sem mim. Elas continuavam o papo furado sem sentido delas e, quanto mais falavam, mais eu ficava pensando o que diabos era esse emprego.

Pela primeira vez eu não sabia em que lugar do centro estávamos, isso, se fosse o centro. Várias lojas coloridas e chamativas brotaram como plantinhas, várias pessoas apareceram como mágica e eu não sei quantas vezes eu perdi June e Noriko ou bati em um cosplayer. E tudo que eu pensava era como chegamos em Akihabara tão rápido. 

Maho sempre chega em casa depois de passar em Akihabara sempre com a desculpa "É um caminho mais rápido para voltar para casa!" e eu nunca acreditei. Eu devo sérias desculpas á ela. Mas, como eu poderia saber se é verdade? Só indo pelo tal caminho. E eu fui! 

O lugar era muito grande, óbvio, pra ter tanta gente. Quase todas as lojas tinham pelo menos umas 20 pessoas dentro e uma garota bonita do lado de fora entregando panfletos. Se eu fosse um desses adolescentes, eu com certeza cairia na armadilha deles, qualquer que fosse o produto que eles vendessem. Parece ser o jeito de se conseguir muitos clientes por aqui.

O ambiente me distraiu tanto, que quase perdi as garotas de novo quando entraram em uma loja. Corri em direção delas, mas não estavam lá; entrei em desespero quando não as vi dentro da loja. Olhei para todos os lados, e nada. Só ouvia uma risada atrás de mim. Quando virei, lá estavam elas, me encarando com mais uma cara nova, que, olhando, poderia morrer de tanto rir.

"Haha... Me desculpe..! Haha... Essa sua cara de perdido é... Hahahaha!!", disse ela tentando segurar a risada, "Então, Noriko, esse é o cara? Ele nem chegou perto no que eu tinha pensado..!"

Mais uma pessoa que eu não conheço e que Noriko conhece. Eu estudei a pessoa risonha. Ela era do tamanho de June, talvez uns centímetros menor, tinha cabelos de uma cor não muito usual, roxo, e estavam presos em um rabo de cavalo longo, os olhos eram bem chamativos pela cor âmbar que possuíam e sem contar o certo volume em outras partes. A roupa que ela vestia era um pouco... Chamativa, muitas pessoas passavam e olhavam para ela.

"Satoshi... Yuzu", disse Noriko apontando da minha direção para a da garota. "Hihihi... Ele me parece um tanto... Peculiar...", disse Yuzu botando a mão perto da boca para abafar o som da própria voz. Ela chegou perto do ouvido de Noriko e sussurrou algo, recebendo seguidamente um olhar de reprovação. "Opa! Deixei a NoriNori com raiva!", disse fingindo um medo. A pequena não ligou para as brincadeiras de Yuzu, ela já devia estar acostumada.

Yuzu suspirou. 

"Aproveitando o momento... Vocês viram a Arisu quando chegaram? Ela desceu aqui para receber vocês e, quando passou uns minutos, eu achei que estava demorando muito e desci. Mas ela não está aqui! Senão nós iríamos estar com flores em volta de nós e tomando um chá!"

O clima tinha ficado um pouco tenso. "Arisu não é de sair sozinha.", disse Noriko enquanto olhava para os lados desconfiada. Eu, tentando ajudar, porque só Noriko procurava, talvez uma mãozinha ajudasse. Literalmente.

Senti algo gelado segurar meu ombro. Devagarmente, virei minha cabeça em direção a mão. Congelei de medo ao ver uma figura parecida com a Samara do 'O Chamado'. Eu poderia ter feito qualquer coisa, mas insisti em gritar igual mulher antes de tudo. A garota atrás de mim ajeitou os cabelos e mostrou o seu rosto risonho. Ela tinha o rosto infantil, como o de Noriko, mas parecia mais doce que a loira, vestia um vestido rosa até os joelhos, lembrava vagamente o estilo Sweet Lolita e tinha olhos doces azuis. Ela ria um riso não muito alto, mas confortável, não era como o de Yuzu que chamava atenção das pessoas e, volta, era... Diferente.

"Hihi. Ver a cara desse se assustando foi muito engraçado! E ver a cara da Yuzu-san de preocupada! Hihi.", ela riu e depois suspirou ainda sorrindo, "Eu sou a Arisu! Você deve ser o Satoshi-san! Eu ouvi tudo!", disse com um tom heróico, "Prazer!", disse sorrindo. Ela me lembrava um pouco a Maho, sem contar o cabelo longo e a atitude fofa.

"O que estão fazendo aí?", alguém disse atrás das meninas e todas viraram em direção a tal voz. Tem algo muito errado, elas não conhecem nenhum homem, isso? Eu vou ficar sozinho no meio das mulheres? 

"Vocês estão aí de brincadeira enquanto eu e a Mizumi estamos tentando arrumar trabalho pra nós! Depois ganham menos e ficam reclamando!", disse dando sermão nas outras  até ela virar seus olhos na minha direção, eles queimavam, "E você?! É o novato?! Sobe também! Anda sobe todo mundo, passa!", ela parecia um pouco intimidadora. A combinação dos cabelos ruivos e os olhos flamejantes me fazia pensar nisso. Subi correndo as escadas que tinham entra a loja que estávamos antes e a loja ao lado, nem imaginava uma escada ali.

Eu não esperava que, quando eu entrasse naquela sala minha vida virasse de cabeça para baixo.