Trovão Do Leste escrita por T I Wright


Capítulo 9
Vale Palancar


Notas iniciais do capítulo

Olá! Eu de novo atrasando as postagens... Desculpe por isso... Nem só de letras vive uma pessoa, infelizmente...
Enfim, dedico o cap para aqueles que gostariam de um fim apropriado para Roran e Katrina - e Ismira, é claro. E todo o resto de Carvahall.

Aí estão eles; espero que gostem.

Boa leitura!



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Roran suspirou e sentiu os olhos formigarem ao contemplar o vale. Respirou fundo o ar da montanha, que continha o agridoce dos pinheiros, o doce do rio e a ferrugem da terra, e deixou-se levar, pela primeira vez em meses – seriam meses ou anos? – por lembranças de sua terra natal. Fechou os olhos e viu por tráz das pálpebras os anos se passando como uma fita colorida correndo diante de si. De repente, parecia que estava à deriva no tempo, e que se não se segurasse em algo, flutuaria para longe desse mundo.

Ao mesmo tempo em que seu coração se apertava de saudade, uma mão macia escorregou em meio a seus dedos e apertou sua palma, confortando-o. Katrina olhou-o nos olhos, embalando-o na profundidade de seu olhar e prendendo-o a essa terra, enviando-o uma mensagem sem palavras pare ele.

Roran, depois de lançar mais um olhar para além do verde e dentro de sua mente, finamente pôde verbalizar aquilo que toda Carvahall – ou o que sobrara dela – queria que fosse dito:

– Em casa – declarou em um sussurro – estamos em casa.

A pouca energia que restara nos viajantes cansados foi empregada em vivas e aclamações de alívio e alegria, ainda que temperados com a saudade e a revolta por terem sido afastados de seus lares.

Tudo estava exatamente como deixara: a interminável comertura verde de pinheiros altos, o rio Anora cortando o vale mais à frente, as montanhas elevando-se altivas em ambos os lados da floresta... Tudo, menos a cidade de madeira se dissolvendo em cinzas entre as paredes rochosas da Espinha.

A descida foi mais fácil que a subida, como o ditado dizia, mas doeu muito mais do que deixar o vale, principalmente porque, quando saíram, ainda era poss+ivel chamar o lugar de lar. A estrada estava ainda utilizável, ainda que um tanto revirada pelas pasadas de cavalos dos soldados do Rei, e então meio apagada pela falta de uso, mas o que mais surpreendeu não foi a estrada, e sim a cidade de onde esta despontava.

Carvahall já não era mais.

As lojas e casas haviam sido destruídas. Os celeiros na periferia da cidade eram somente uma mancha retangular onde as cinzas haviam ficado antes do vento soprá-las para longe. A orla da floresta mais próxima da cidade havia sido queimada até que somente troncos pretos fossem o que separava o selvagem da vítima de selvageria. A terra se tornara um grosso assentamento duro de barro seco, lama e cinzas, que se soltava em torrões se alguém a revirasse.

Agachando-se para inspecionar o solo, Roran, catou um torrão de terra e o esmigalhou entre o indicador e o polegar, levando um dedo à boca para provar antes de cuspir no chão, praguejando baixinho. Estava morta. Nem a mais raqiítica minhoca dignaria-se a viver ali. Se houver algém acima de nossas infelizes cabeças, que ele tenha piedade de nossos campos, pensou, contendo o impulso de cerrar os punhos em frustração.

Ao levantar-se, limpando as mãos nas calças, percebeu o silêncio soturno que o cercava, além da espectativa de todos sobre suas costas. Discretamente, Roran girou os ombros, como se o peso fosse físico.

– Vamos olhar em volta, ver se há algo a ser aproveitado por aí. Norfavrel, olhe para o lado Leste. Morn, veja se encontra algo pelo centro. Horst, venha comigo para a ponta Sul.

Katrina, que até o momento se mantivera numa espécie de transe de choque, estremeceu e segurou a mão de seu marido. Disse a ele:

– Tome cuidado, Martelo Forte – deixou com ele um beijo nos lábios antes de seguir com as outras mulheres para a praça perto do mercado, com uma trouxinha viva e irrequieta em seus braços.

Os dois homens seguiram entre as construções carbonizadas lentamente, um sem falar à espera do outro. Roran não pode deixar de sentir-se com um fantasma em meio às ruinas de sua cidade. Era como esmagar soba solas dos pés toda a vida de Carvahall. Ao passar por entre as ruínas, seu coração já nocauteado pela guerra pareceu ser prensado contra uma parede fria. Imaginou se Horst também se sentia assim. Ao olhar para o lado e para cima, percebeu que o olhar do ferreiro parecia tão vago e tão cheio quanto sentia que o seu estava.

Ao virar uma esquina, chegaram à rua que costumava ser onde Morn trabalhava em sua taverna. E lá estava ele, olhando para as cinzas em espectaviva, como se, por milagre, um novo Sete Roldanas* fosse brotar do chão, pronto para receber abatidos, porém sedentos clientes. Mesmo de longe, era possível perceber o desamparo em sua postura cansada, em seus ombros caídos. Tara, sua mulher, se aproximou e pareceu dizer algo, mas o marido não deu ouvidos, nem reconheceu seu toque gentil em seu ombro. Simplesmente se abaixou entre as vigas escurecidas e recolheu algo no chão. Roran, mesmo daquela distância, pôde reconhecer o que recolhera do chão, pois passara a infância imaginando como seriam de perto. Sentiu o estômago se contrair ao perceber o formato em cone nas mãos do homem, enquanto ele encarava o chifre quebrado nas mãos. Roran desviou olhar e aperto o passo.

O nó em seu peito só se apertou ao chegar ao local onde Horst os guiara inconscientemente.

A viga principal ainda estava de pé, mesmo que totalmente queimada, partida ao meio e cercada de destroços. Ainda havia sinais do enorme forno da ferraria atrás da casa e indícios de que em algum momento havia uma escada em um dos cantos. Horst agachou-se diante do que um dia fora sua casa e escondeu uma careta na barba.

Sem saber direito o que fazer, Martelo Forte simplesmente ficou parado, tentando entender como barro e madeira poderiam afetar tanto a vida de uma pessoa como Horst. Subitamente, sua própria fazenda dissolvendo-se em fuligem o fez lembrar-se da sensação. Pousou ma mão firme no ombro do ferreiro e suspirou o ar frio em uma baforada de fumaça ao mesmo tempo em que soltava um gruhnido sem humor.

– Nem mesmo Galbatorix consegue derrubar o que três dedos quebrados colocaram em pé - comentou distraído ao lembrar-se da história da construção da casa. Olhou se soslaio para baixo, verificando se Horst reagiria.

Ele devolveu-o o olhar com a mesma intensidade, porém com mais nostalgia. De repente, algo parecido com um soluço escapou do homem, e ele se levantou para verificar o resto da construção.

Roran lançou mais um olhar para a viga preta, torcendo para que fosse um sinal de boa sorte, e virou-se para a cidade.

***

Deixou o ferreio entre suas ruínas, e passou a andar entre casas e lojas em pedaços, caminhando vagarosamente entre as ruas. Sua mente conhecia o caminho bem demais para que se preocupasse em saber por onde estava andando. Sem que dessa conta, Roran descia a rua da loja do infame açougueiro, para a casa de Katrina.

Katrina.

Ela se curvava sobre a frágil cerca do jardim e estendia a mão livre – a outra segurava Ismira – para tocar uma rosa na trepadeira presa à parede. Como da primeira vez que tinha certeza que a amava. As diferenças entre os encontros eram gritantes; a cidade ainda estava inteira, ele ainda era apenas o garoto da fazenda e ela, a filha do açougueiro. O mais marcante, porém, era o sorriso: aquele era feliz, este era triste.

O coração de Roran se apertou com o contraste. Aproximando-se, envolveu os dedos pálidos dela com os seus calejados. Ela tentou um sorriso, mas as lágrimas em seus olhos cansados traíram-na. Roran puxou-a para um abraço, envolvendo esposa e filha em seu conforto, o único que era capaz de poporcionar. Ismira agitou-se entre eles e Katrina liberou-a do aperto.

Um trovão soou.

Nuvens escuras tornaram o vale ainda mais mórbido.

Mas, de repente, do meio da massa escura acima, um raio de sol surpreendeu a família ao lutar por seu caminho entre o cinza agourento. Ele pousou em um ponto mais além, na colina mais alta no canto da floresta.

Ismira, indiferente à tempestade e a seus trovões, soltou uma gargalhada e sacudiu uma mãozinha na direção do monte.

– É lá, Katrina – Roran disse – A crista do monte.

Baixou os olhos para a filha, que mirava com olhos brilhantes o topo do monte que seria sua casa. Ela encarava o vale sem fim, no topo do monte em que a vida escondida de Palancar se revelava ao mundo.


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Notas finais do capítulo

Olá de novo!

Sobre a escolha do foco do cap: é, meio inesperado e tals, mas eu não pude deixar de imaginar como Roran ficaria no fim da Herança além de um personagem secundário gritando na praia porque o primo iria embora. Não, Chris, não foi um fim muito bom para sua história. Além disso, eu adoro imaginar como os filhos dos personagens se comportariam e o que fariam quando crescessem - sim, isso é uma dica sobre o enredo da história. Posso soltar vários desses durante as notas finais :D

*Erro de edição - antes, estava escrito " um novo "____" fosse brotar..." Mas, na verdade, o nome da taverna do Morn era Sete Roldanas. Não consegia lembrar-me do nome ao escrever, então deixei um espaço para preencher depois. Porém, na pressa de postar, esqueci de adicionar o nome certo. Desculpem por isso, não vai se repetir.

Hey, leitor(a), gostou da história? Deixe um review aqui em baixo e uma autora feliz!

Agradecida desde já,

— T. I. Wright



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