Coração Assombrado escrita por Mrs Crowesdell


Capítulo 2
Capítulo 2




Este capítulo também está disponível no +Fiction: plusfiction.com/book/409747/chapter/2

Intervalo do 2º dia de aula.

Ficamos sentadas novamente no portãozinho do fim da ponte. O que não foi muito difícil já que dessa vez eu estava de short preto, um tênis Allstar branco e uma blusa justa banca da Aéropostale com um casaco branco de gola alta por cima. Rimos o tempo todo, apesar disso não tirava da mente a seguinte pergunta: Por que a Lina apareceu ontem? Acho que realmente não são só boatos. Estava em choque. Nunca tinha visto um fantasma daquele estado, só em filmes e de repente a vejo ali, no portão. Também nunca a tinha visto. Pelo menos não o espírito dela. Então, por que ontem?

E vi então minha chance de obter uma resposta chegando. Luccas. Me levantei rápida.

- Se Maomé não vai até a montanha, a montanha vai até Maomé, não é, Deborah? - Senti o sorriso malicioso de Vivian queimando minhas costas.

- Não enche! - Ouvi a risada dela atrás de mim, mas nem dei bola, saí em disparada atrás de Luccas. Tinha logo que encontrar o x da questão e se me conheço bem, não iria descansar até descobrir.

Menos em matemática. Aí eu desisto na primeira.

Geralmente não fico assim por causa de um espírito, mas ver a Lina ali como nunca a tinha visto, logo naquele dia ,naquela hora me deixou desconfiada e assustada de mais. Principalmente por saber do caso deles. Nossa, me senti A detetive.

O segui andando dentre as mesas do pátio interno depois que passamos pela cantina, no corredor que levava a frente de colégio ao lado de uma das escadas, o alcancei no portão da escola, onde não tinha ninguém. E agarrei o pulso dele com dificuldade por ele ser mais alto consecutivamente mais forte. Luccas por sua vez virou com cara de susto para mim, mas logo pareceu se acalmar. Bem, mais ou menos.

- Você não pode ficar aqui! - Falou aparentemente nervoso se livrando da minha mão.

- Bem, que eu saiba isso aqui faz parte da metade da escola onde posso ir durante o recreio, então eu pergunto: O que você está fazendo aqui aqui?!

- Não é da sua conta. E além do mais, eu quis dizer que você não pode ficar aqui... comigo. Nem em nenhum lugar que eu vá. - Ele se soltou facilmente das minha mãos com um puxão e continuou andando em direção as grades pretas do portão, me dando as costas. Mas eu não me contentava com as costas, queria ver nos seus olhos e ouvir de sua boca as respostas para as minhas perguntas. Por isso, então, corri e fiquei na frente dele, fazendo-o parar bruscamente.

- O que quer?! - Perguntou novamente

- Respostas.

- Respostas? Dos deveres? Tá, tá. Depois te dou só saia da frente agora. - Ele deu um passo e colocou a mão quente no meu ombro mas eu continuei ali, parada, o olhando sériamente determinada e isso fez com que ficássemos mais próximos. - Não é dos deveres?

- Passou longe. -O encarei por mais um pouco de tempo e percebi o quão lindo os olhos dele são. Meu coração começou a acelerar e senti meu rosto começar a arder.

- Olha – ele apoiou a outra mão no meu ombro o que me deu um impacto que me fez balançar. Não conseguia desviar dos olhos dele. – não quero que se machuque, que sofra qualquer coisa por minha causa. - Tentei parecer mais tranquila e menos hipnotizada.

- Por que? Está envolvido com... – Eu ia falar assombrações mas ele me interrompeu.

- Não. Só... não quero que aconteça nada com você, ok? Agora...

- Qual é?! Só tenho uma pergunta, e isso não vai me matar nem fazer nada comigo ou com você. - Ele largou meus ombros, olhou por cima de mim claramente desconfortável, o que não é muito difícil já que ele é maior que eu, botou as mão no bolso da calça e disse:

- Certo. Fala logo. Mas fala rápido. - Depois que ele tirou os olhos do portão e me encarou, fui direta. Respirei fundo para não me deixar cair nas profundezas daquele olhar novamente.

- Não vou mentir para você: Eu vi a Lina ontem aqui no portão logo depois que você saiu. - Os olhos dele se arregalaram mais.

- O-oque?! Como?! Você a viu?! Viu mesmo?!

- Sim, é complicado mas... - me encolhi um pouco com medo da reação seguinte. Geralmente não penso antes de falar.

- Você é uma mediadora?! - Percebi que ele tentava segurar um sorriso.

- Bem, Mais ou menos. Mais pra menos do que pra mais, na verdade. - Desviei o olhar dando um sorriso tímido e cocei minha bochecha.

- Entendo. - Sua expressão voltou ao normal, se acalmou e sorriu também.

Que sorriso meigo! Ai que fuichiruchifonin...

Pára, Deborah! Foco!

- Entende?! Co-como assim entende?! - Foi minha vez de ficar surpresa e gaguejar.

- Que tal entendendo? - Ele deu mais uma olhada no portão.

- Ha-ha, engraçadinho. - Botei as mãos na cintura.

- Obrigado. Áh, a propósito, meu nome é...

- Eu sei seu nome, Luccas. O meu é...

- Eu sei seu nome, Deborah. - Disse ele tentando imitar minha voz. Estreitei os olhos e a boca sentindo uma pontada de irritação. - Afinal, o que quer saber sobre a Lina?

- Vocês namoravam não é?

- Sim e... - Ele inclinou a cabeça e a coçou bagunçando o cabelo - ela quer que nós voltemos. - Estranho ele se sentir à vontade para falar isso comigo, mas ok. Espera...

- HÃ?! Vo-você...

- E-eu...? - Curiosidade, raiva, surpresa e susto. Ter isso tudo dentro de você é meio estranho.

- Você consegue vê-la?

- Claro. Eu sou o assombrado se lembra?

- É, eu sei mas...é que tem muita gente aí que é assombrada e não sabe, ou sabe e não vê. Pra falar a verdade, geralmente é assim. Então como.. como você consegue?

- Do mesmo jeito que você consegue.

- Você é um mediador?! - Arregalei os olhos

- Mais ou menos. Mais para menos do que pra mais, na verdade. - Ele falou do mesmo jeito que eu tinha falado anteriormente só que dando um sorriso muito lindo e seduzente de canto que combinou perfeitamente com o seu rosto meigo e másculo.

O que que eu to dizendo?!

- É tão bom saber que existe outros além de mim com esse...

- Probleminha?

- É – Nós dois sorrimos juntos. Acho bom que ele também encara isso como um problema e não um “dom”. O que me deixava agoniada é que toda hora ele olhava pro maldito portão.

O que o portão tem que eu não tenho?!

O que eu to dizendo de novo?!

O que me fez virar para o portão rapidamente foi ver o sorriso lindo dele ser substituído por uma expressão totalmente preocupada e de medo.. Logo depois vi o motivo.

- Lina... - Ele disse quase sussurrando e nós dois ficamos encarando-a. Como num filme de terror a Lina estava com uma aparência de perfeita psicopata junevil: manchas de sangue por todo o seu vestido azul claro curto, cabelos molhados indo até os ombros, cortes nos braços, pernas, dava para ver alguns outros na barriga por baixo do vestido molhado, e um enorme rasgo em sua bochecha que se ligava aos seus lábios; para completar, o tradicional sorriso meigo, olhos azuis e uma faca de cozinha suja. Da janela la de cima não tinha visto que carregava uma faca.

- Você pode me ver? - Estremeci ao ouvi-la. Mesmo dois anos e meio tendo se passado ainda reconheço a voz dela.

- Si-sim. - Respondi em pânico; minha respiração estava ofegante, meu coração a 100 por hora, não conseguia piscar nem me mover...

- Então só vou precisar falar com você, não é? - Ela inclinou a cabeça ainda sorrindo tensamente - Não me faça ir até aí e te machucar. - Por que eu ainda assisto filmes de terror? Não respondi de imediato, mas quando percebeu que a resposta óbvia seria sim, por bem ou por mal, ela deu um sorriso mais largo, fazendo com que o corte na bochecha se abrisse mais, mostrando mais sangue e carne. Nojo! Não sei como não fiquei traumatizada.

- Não faça isso, Lina. Por favor. - De repente só vi um vulto e reparei que era Luccas se colocando na minha frente, ficando entre eu e a Lina. - Deborah, vai embora. - Ele tentou virar apenas o rosto para mim e consegui desviar o olhar de Lina.

- Não irei fazer nada se ela me obedecer. Você também foi bem malcriado. - Ela ainda mantinha aquele sorriso horripilante. Enquanto o sorriso e os olhos de Luccas faziam uma combinação linda o sorriso e os olhos dela faziam uma combinação aterrorizante.

- O-obedecer? - Perguntei. Ainda não conseguia me mover.

- É. - Ele me olhou sério por cima dos ombros – Por favor, e vai embora. - A voz dele, melodiosa, saiu forte e segura. Fiquei assustada com aquilo, claro, mas o encarei e não resisti ao olhos verdes parecendo pedir suplica de um modo triste.

- Ce-erto. - Dei um passo para atrás sentindo minhas pernas bambearem, mas consegui recuperar o equilíbrio.

Por que estou gaguejando? Porque estou sentindo meu corpo tremer por dentro?...E por fora?!

Isso se chama medo, Deborah.

- Não quero você, e de preferência ninguém, perto dele, ok? - Ela fechou os olhos tentando ser fofa. Mas não conseguiu. Isso só a fez parecer mais psicopática.

- Do Luccas? - Por que eu ainda perguntava, Deus?

- É. Ninguém, ouviu? Se não não terei nem dó nem piedade em machucar ou até mesmo matar. Temos um acordo?

- Tá, mas...por que? - Por que eu tinha que ter nascido curiosa?! Por que eu já não tinha ido embora?!

- “Por que”? - Ela deu um sorriso malicioso, maior e mais amedrontador do que o meigo que ela tentou dar, e o rasgo na sua bochecha fez com que o sorriso se expandisse e mostrasse as carnes dilaceradas pelo corte da faca, deixando mais sangue escorrer. - Simplesmente porque quero. - Estremeci com sua declaração fria.

- Deborah, por favor, vai embora e não volta mais! - Luccas gritou me olhando mais firmemente porem ainda de costas.

- Mas...

- Por favor. - Não resisti. Obedeci aqueles olhos. Saí de lá quase chorando e com um aperto no coração por o ter deixado lá sozinho com ela.

Encontrei as garotas já de pé no início da ponte. Perguntaram onde eu estava e o que tinha acontecido, eu tive que arrumar uma desculpa. Falei que o Luccas tinha me dado um fora. O que não foi tanta mentira assim. Mas nem ousei em mencionar a Lina. Elas estranharam e falaram que podia ser perigoso, falaram mais alguma coisa, mas eu nem dei a devida atenção... e a Vivian me zoou, como de costume.

Não, minhas amigas não sabem que sou uma falsa mediadora e nem quero que saibam.

Continuei pensando no ocorrido em todas as aulas seguintes. Teve só uma vez que eu virei para trás para ver como ele estava e o peguei olhando para a janela como sempre, mas parece que ele notou que eu o observava e olhou de canto para mim. Como uma de suas mãos segurava o seu queixo apontado para janela, ergueu a outra mão e fez um sinal com o dedo indicador para que eu voltasse a virar pra frente, o que eu obedeci. Desapontada, triste, confusa, preocupada, mas obedeci.

No final das aulas eu fui novamente tentar conversar com ele. Levantei da cadeira e ele permaneceu sentado. Agora entendia porque esperava todos saírem para depois sair. Tudo por causa da Lina que não queria ninguém perto dele.

Ela está ficando louca.

Fui caminhando até a carteira dele e pude ouvir minhas amigas me chamarem. Dessa vez não virei assustada quando Erick pegou no meu braço.

- Eu disse para não fazer isso de novo. - A voz dele não estava calma como da outra vez. Ele estava nervoso.

- Então foi você. - E eu também estava.

- Eu oque?

- Que disse aquilo ontem na sala, quando estávamos saindo.

- ...Quem mais seria?

- Ah, ninguém. - Depois de ter visto a Lina pensei que podia ter sido ela.

- Porque está fazendo isso?

- Isso o que? Tentando salvar um amigo?

- “Salvar”... “amigo? Não minta para mim nem para você mesma. Desde quando ele é seu amigo?

- Bem, acho que desde hoje.

- No intervalo? - Ele deu um riso de deboche no canto. Isso me lembrou o sorriso do Luccas. Tenho que admitir que os dois sorrisos são encantadores. - Eu vi você o seguindo e depois voltando arrasada. O que houve? Ficou impressionada com a maluquice dele?

- Ele não é maluco!

- Então me explica todas as coisas que ele disse e aconteceu com ele! Eim, explica!

- Eu até quero... - Olhei pela janela e a vi. Lina. Assustadoramente o esperando no portão. Então era por isso que ele sempre olhava para a janela? Para ver quando ela aparece? O vi passando pela porta segurando sua mochila por uma alça. - mas não posso. - Me soltei dele com um puxão meio atrapalhado e saí correndo, passando por ele, indo para frente da sala em direção a porta. Não ouvi os passos dele atrás de mim, mas pude ouvi-lo de longe dizendo “Não vai gostar de onde está se metendo”. Sei que não ia gostar, já não estava gostando, mas foi mais forte que eu.

Alcancei Luccas prestes a descer as escadas e me pus na frente dele a um degrau a baixo, ficando bem, bem, beeem menor que ele, quase na dobrada das escadas. O encarei séria.

- Olha, não posso demorar se não ela vai vir atrás de mim e se ela vir e ver você comigo de novo...

- Que venha! Não tenho medo dela! - Uma clara, óbvia, explícita e boa mentira. E sabendo disso ele deu uma gargalhada.

- Não, imagina. Você nem quase infartou de medo mais cedo – Reconheci seu tom de deboche.

- Ela pode ter uma faca mas não pode me machucar. - Ele virou a cabeça para atrás e deu uma gargalhada

- Não pode te machucar?! Nossa, que bela mediadora você é mesmo. Não sabe de nada.

- Falsa mediadora - Corrigi

- Não ouviu o que ela disse? Ela pode te matar e vai te matar se você não ficar longe de mim. E realmente não quero que ela faça isso.

- Olha, posso ter nenhuma habilidade com fantasmas...

- Só com fantasmas? Já vi você na aula de educação física. Há, que coisa hilária – E deu aquele sorriso charmoso de canto.

- Esquece isso. Temos um assunto sério a tratar.

- Tem razão. E para ele não ficar mais sério, vou indo. Até. - Ele desviou de mim e desceu o resto das escadas.

Fiquei olhando-o descer, com os olhos estreitos de frustração, quando ele saiu do alcance da minha visão, me virei batendo o pé e voltei para a sala para pegar a minha mochila.

Saí do colégio inconformada com o que se passava.

Cheguei em casa pensativa de mais para o gosto da minha mãe. Ela abriu a porta da frente, a que tinha um pequeno jardim, me perguntando se estava tudo bem, disse que sim e que iria subir para tomar um banho. O que eu mais queria era cair na cama e ficar tentando decifrar o que estava acontecendo com ele, com a Lina e comigo também.

Fui para um banho morno e fiquei parada debaixo da água quente.

Na verdade não sabia o que queria, só sabia que queria saber mais!

Nenhuma suposta resposta veio na minha cabeça o que me deixou mais nervosa, irritada e confusa. O que me vinha à mente era o sorriso dele.

Fui dormir assim: Com raiva de mim, dele e dela!

Argh!


Não quer ver anúncios?

Com uma contribuição de R$29,90 você deixa de ver anúncios no Nyah e em seu sucessor, o +Fiction, durante 1 ano!

Seu apoio é fundamental. Torne-se um herói!




Hey! Que tal deixar um comentário na história?
Por não receberem novos comentários em suas histórias, muitos autores desanimam e param de postar. Não deixe a história "Coração Assombrado" morrer!
Para comentar e incentivar o autor, cadastre-se ou entre em sua conta.