O Lamento Da Lua escrita por J S Neto


Capítulo 16
Dezesseis - Ponto Fraco




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Seguimos para nordeste, passando por cima das vias da cidade que começava a acordar e nem se quer notava as anormalidades no céu da madrugada. Monstros voadores nos seguiam e alguns tentavam nos derrubar das águias. Me juntei às caçadoras quando algumas começaram a disparar flechas em direção aos seguidores.

Enquanto Luana ainda guiava a águia para o nosso destino, posicionei as flechas, uma de cada vez, transformando, juntamente com as flechas prateadas das caçadoras, os monstros em uma chuva de pó dourado caindo do céu.

Pude perceber, a duas águias de distancia de mim, que Alice disparava seus lápis também e estes acertavam locais difíceis, como em um momento em que ela atirou no olho de um monstro que caiu do voou urrando de dor.

–Pra onde estamos indo? – perguntei sentado de costas para minha irmã, com uma flecha em prontidão caso outro monstro surgisse do meio das nuvens.

–Praça do Campo Grande. – disse Luana que cerrava os olhos por causa do vento que batia forte no rosto – Ártemis está lá.

–Nos esperando? – perguntei franzindo o cenho. Não conheço muitos deuses pessoalmente, mas sei que eles não ficam de braços cruzados, roendo as unhas a espera que alguma coisa aconteça, somos sempre nós que vamos atrás deles.

–Ela não está muito bem. Está enfraquecida. – concluiu Luana e me perguntei como uma deusa poderia estar enfraquecida. A águia curvou-se para baixo, disparando, com as asas fechadas, em uma velocidade que fez meus órgãos trocarem de lugar.

O barulho do vento nos meus ouvidos era a única coisa que conseguia escutar até o momento em que as longas asas reabriram e planamos. Lá estava a estatua do caboclo em cima do seu enorme pedestal. Quando pousamos, pude ver uma mulher sentada no chão e recostada em um poste de três lâmpadas próximo à escultura. Ela vestia uma túnica branca não muito longa, possuía um arco pousado ao seu lado e os cabelos castanhos claros caiam em uma trança bem feita já bagunçada. Os olhos se mantinham abertos, em um brilho divino, porem demonstravam fraqueza.

–Por que ela está desse jeito? – perguntou Camila quando desceu da águia que pousou um pouco depois que a minha e de Luana havia pousado. Ela correu pra perto da deusa que baixou a cabeça e recusou que sua caçadora chegasse mais perto.

–Não quero receber lamentos, Delfino. – disse Ártemis que, mesmo com a aparência que estava, possuía uma voz serena e forte que fez Camila parar onde estava – Já basta de lamentações.

Alice e Matheus surgiram logo depois, acompanhado seguidamente pelos seis filhos de Apolo. Lucas desceu da águia, colocando a case do violino cruzada nas costas e em seguida ajudando Ivy a descer da criatura.

–Será que conseguimos realmente despista-lo? – perguntou Ivy vindo em nossa direção e ajeitando a mochila em suas costas.

–Duvido. – disse Lucas com frieza – É só uma questão de tempo até ele chegar até aqui.

–Ele tem razão. – disse Camilla parando de olhar para a deusa e voltando-se para todos – O Caçador já deve estar vindo atrás de nós. Os monstros que nos seguiram pelos céus que sobreviveram já devem ter o informado do nosso paradeiro e a qualquer momento ele pode chegar aqui com o seu exercito completo.

–Qual o direito de uma donzela desleal como vossa senhoria tem para opinar? – disse uma das caçadoras que eu não sabia o nome. – Sabes que será castigada...

–O que você propõe? – Luana aumentou o tom de voz para interromper o alvoroço que algumas caçadoras haviam começado com acusações contra Camilla, por conta dos últimos acontecimentos que ela foi a favor de semideuses fugitivos.

Mesmo que fosse uma caçadora, e elas sempre demonstrarem força e coragem como verdadeiros espíritos da justiça, as simplicidades humanas de Camilla eram visíveis aos meus olhos, tornando-a diferente ao lado das outras. Seus pés ficaram inquietos por um momento demonstrando desconforto e antes de falar pigarreou para provavelmente não enfraquecer o tom de voz.

–Poderíamos levar Ártemis para o acamamento juntamente com os semideuses... – disse ela, porem a insegurança na voz ainda era perceptível e seu olhar evitava cruzar os das caçadoras que a julgava em silencio.

–Ninguém vai me tirar daqui. – disse a voz de Ártemis – Eu quero vê-lo quando chegar.

Mesmo que o anuncio da deusa não fosse positiva para todos nós, a caçadora que havia ofendido Camilla soltou um riso irônico para ela como se dissesse “Há, ótimo plano, não é mesmo?”. Meus olhos a fitaram e minha cabeça só falou explodir com um único pensamento: “Há, como seria ótimo minha flecha no meio dessa sua testa, não é mesmo?”.

–Então... – disse Camilla respirando fundo antes de revelar a nossa única saída – Teremos que nos preparar para enfrenta-lo.

***

Demorou pouco para que a praça estivesse completamente cercada de monstros. Pude ver Orion sorrir de onde estava olhando diretamente para mim. Algumas caçadoras rodearam Ártemis em uma muralha humana, todas com os arcos prontos para atacar.

O caboclo e as outras estátuas de índios e animais, que eram complementos da estrutura, olharam em direção ao gigante. Pensei se todos os monumentos da cidade eram enfeitiçados e lembrei-me de quando Mariana, uma das Gordinhas da Ondina havia dito: “Hécate nos enfeitiçou, assim como vários outros lugares da cidade quando os deuses começaram a vim para cá com mais frequência”. Só me preocupei se o índio ia ficar falando de sua estrutura corporal ou reclamando dos vândalos. Isso realmente não iria ajudar em nada.

Entretanto o caboclo levantou a lança, ao mesmo tempo em que as outras estátuas da sua base olhavam para cima. Senti o chão estremecer um pouco e em seguida todas as estátuas da praça começaram a se deslocar dos seus lugares. Soldados (tanto homens quanto mulheres), animais, índios, anjos, todos aparentemente de pedra ou bronze, se posicionaram ao nosso favor, fazendo de repente nosso exercito se tornar um pouco maior.

Foi aí então que Orion encorajou a disparada do seu grupo de coisas toscas que avançou em nossa direção de todos os cantos da praça.

***

Fiquei perto das caçadoras que emparedavam Ártemis, tentando ajuda-las contra os monstros que iam até elas. De onde estávamos dava para ter um bom campo de visão, permitindo que tivéssemos tempo suficiente para atirar flechas e recolocar outras no arco. Procurei por Orion, o qual era meu foco principal. Ele já havia me visto de longe. Vinha até mim, destruindo estatuas, derrubando caçadoras com sua clava enorme, porem sempre com os olhos negros e frios cravados onde eu me posicionava. Sirius estava a sua cola, disparando poeira celestial a cada latido que soltava em direção as estátuas que o enfrentava, lançando-as para longe dele e do dono.

Alice e Matheus lutavam com alguns monstros um pouco mais distantes de mim, com a ajuda de duas estatuas altas.

Algo engraçado no meio do alvoroço da batalha havia me chamado a atenção. Um som leve de instrumentos musicais soava pela praça e comecei a procurar de onde vinha. Minha resposta foi seguida imediatamente por compreensão. Lucas tocava o violino com a mesma classe que uma pessoa que toca o instrumento tocaria, porém as notas pareciam ter efeitos místicos nos inimigos aos quais seus olhos firmes e ferozes fitavam. Ao seu lado Ivy tocava sua flauta dourada que impulsionava os monstros contra o chão se contorcendo ao seu redor e se transformando aos poucos em pó dourado.

Minha boca não teve tempo de soltar um “uau” quando os observei tocar e matar ao mesmo tempo, pois uma advertência urgente ocorreu perto de mim. Vi pelo meu canto de olho o momento em que a pequenina Clara foi pega por um monstro hibrido o qual eu nunca havia escutado falar. Peguei uma flecha imediatamente da aljava e posicionei no arco, desesperado em impedir que matassem minha “irmã”. Quando ergui a arma para mirar no alvo percebi que já era tarde e nada que eu fizesse ia mudar.

Clara não é tão “inha” quanto o tamanho dela. Uma caixa de surpresas (mais pra caixona do que pra caixinha) que me fez aceitar que uma garotinha de oito ou nove anos não precisava de minha ajuda no meio de uma batalha como aquela. Quando baixei o arco, ainda sem acreditar, observei os cabelos ruivos flutuarem como chamas ao redor de sua cabeça. Os olhos da menina tornaram-se flamejantes e ondas de calor surgiram como uma aura contornando o corpo pequeno. As garras que a seguravam começaram a chiar e fumaças saíram entre os dedos. O monstro começou a gemer e as queimaduras nas mãos continuaram a corroer toda a pele que aos poucos que ia queimando largava pequenas quantidades de pó.

No final de tudo, quando todo o corpo do monstro havia sumido (após uma sessão de tortura a base de queimadura eterna) os olhos de Clara voltaram ao normal e os cabelos a sua posição inicial. Ela me viu de onde estava e soltou um sorriso. Um sorriso inocente, sendo que ela havia acabado de torturar um monstro.

Vi Camilla ali perto lutando contra a dracaenae que vestia uma armadura simples e armada com duas espadas longas. Seus golpes encurralaram Camilla, fazendo-a ficar em desvantagem. Esqueci um pouco de Orion e dos poderes dos filhos de Apolo, e segui para ajuda-la, enquanto ela se defendia com uma adaga comprida dos golpes duplos e seguidos da mulher-dupla-cobra.

Atirei uma flecha com minha própria mão, sem utilizar o arco, acertando o braço direito da dracaenae que soltou um ruído estranho e se virou para mim. Ela arrancou a flecha do local de onde espirrou um pouco de pó dourado e veio agilmente em minha direção. Peguei a adaga curta e desviei seus golpes para dar tempo de Camilla se recuperar um pouco e voltar à luta.

A mulher-dupla-cobra conseguia nos humilhar, fazendo com que nós dois contra ela fossemos um nada. A dupla de laminas dançava uma contra mim e a outra contra Camilla com uma coordenação impressionante.

–O que foi garota? – disse a dracaenae quando conseguiu me impulsionar para um pouco distante dela, já cansado de tentar dar investidas e sempre receber defesas complicadas. – Eu não pareci fácil da ultima vez? – o tom irônico da dracaenae a tornava, irritantemente, mais complicada de se derrotar.

–Me esquece. – disse Camilla enfim impulsionando a lamina contra a dela que cambaleou um pouco nas mãos escamosas – Aquilo foram ordens e mais nada. Se não tivesse sido Ártemis eu mesma a teria transformado em pó naquela noite.

–Você soa um pouco vingativa quando fala de mim, heim? – disse a dracaenae nos rodeando com um olhar traiçoeiro que me fazia esperar a qualquer momento um ataque.

–Deixe-a em paz. – disse com a voz um pouco ofegante.

–Não se meta, filho queridinho do Sol. É conversa de mulher para mulher. – disse ela sem olhar para mim.

–Você é um monstro qualquer. – disse Camilla – Não tenho preferencias quando o assunto é seres-medonhos.

–Acho que tem sim. – disse a dracaenae e pude perceber o veneno presente nas palavras e no destino que ela queria chegar com aquela conversa – Não foi qualquer um o dono da lança que acertou o seu queridinho irmão que deu inicio ao ritual de Orion, não é mesmo?

Arregalei os olhos deixando a guarda cair e olhei imediatamente para o rosto de Camilla ao meu lado direito.

–Você... Não. Você não está querendo dizer que... – Camilla gaguejava e sua expressão era indescritível. Os olhos estavam começando a ficar levemente com água e seu pulso havia começado a fazer a lamina tremer um pouco em suas mãos.

–Sim, garotinha. – disse a dracaenae – Fui eu quem matou o seu irmão na praia da Ondina há três anos. Logo depois Artêmis te mandou para me caçar e me aprisionar. Como tudo isso foi irônico, não é? Te fez parecer um pouco vingativa, como eu havia dito agora a pouco.

Camilla ficou pálida, porém seu corpo enrijeceu ao ouvir as palavras. A adaga comprida na mão não balançava mais e os dedos estavam firmes no cabo. Uma lagrima caiu e foi ai que Camilla avançou em golpes que surpreenderam o monstro.

As laminas duplas da mulher escamosa tentavam defender os golpes rápidos da caçadora que parecia dançar enquanto avançava contra ela.

Em um momento de falta de atenção da inimiga, Camilla pegou uma flecha da aljava nas costas e cravou profundamente no pescoço escamoso, fazendo-a urrar de dor e soltar as duas espadas. Os olhos da dona dos All stars eram pura fúria e sua mão desceu agilmente com a adaga de cima a baixo das costas da mulher que se curvou um pouco para trás e sumiu em uma explosão de poeira dourada.

–Sim – disse Camilla enxugando o rosto com a mão livre – Pode-se dizer que isso foi por vingança.

–Você está bem? – perguntei indo em direção a ela.

–Bem melhor agora. – disse ela pegando uma das espadas da dracaenae que estava no chão e entregando a mim – Mas não é o caso. Você precisa enfrenta-lo, Rafa, e vai conseguir.

–Todos nós vamos conseguir. – disse, recebendo o conhecido sorriso.

Corri em meio ao alvoroço e encontrei Orion perto de uma fonte. Ele urrou em fúria ao me ver e percebi que ele realmente se irritou por ter me perdido de vista. Quando saltou em minha direção, defendi o golpe com a espada que Camilla havia me dado.

Sirius rosnava para Camilla que recuava ameaçando golpeá-lo com a adaga.

–Olhe para mim quando eu estiver em luta com você. – disse Orion me dando um corte na parte de cima da mão esquerda. A espada vacilou um pouco, pois era ali que eu segurava melhor uma arma por eu ser canhoto, mas não mudei de mão principalmente pelo fato de eu já ser uma droga na esgrima na mão esquerda, na direita seria a mesma coisa que me entregar com bandeirinha branca para o Caçador.

Disfarcei a dor mesmo que o sangue tivesse começado a pingar.

Avancei antes que a agonia começasse a intensificar e me impossibilitasse de continuar. Orion rosnava em alguns momentos que defendia meus golpes e a facilidade com que conseguia me bloquear deixava meu coração cada vez mais acelerado.

Era impossível que eu conseguisse ganhar dele, isso estava na cara. Dava pra desenhar um autorretrato da minha derrota de tão na cara que estava principalmente quando ele golpeou minha coxa direita, me fazendo largar a lamina da dracaenae e segurar o corte que rasgou a calça jeans que logo começou a encharcar no local com sangue. Minha boca não conseguia emitir som algum. Meu grito de dor permanecia abafado na garganta sem conseguir sair e minhas orelhas arderam, latejando. Mal tinha parado um pouco o sangramento do corte que ele havia me dado no braço quando estávamos no Farol e já haviam mais lugares aonde o tom vermelho do sangue tomava conta. O cheiro de ferro do sangue em minha calça já não dava para ignorar e minha mão continuava a sangrar.

–Você foi bravo, filho do Sol. Sua coragem é realmente algo a ser admirado. – dizia Orion que se aproximava de mim. Tentei me levantar, porém a coxa ardeu me fazendo voltar a tocar os joelhos no chão. – Mas foi muito tolo da sua parte achar que realmente poderia resolver tudo isso do seu jeito. – disse ele preparando a espada para o tão esperado momento.

Diferente do que meu medo ordenava, permaneci com a cabeça erguida olhando fixamente nos olhos profundos de um homem que já fora um conjunto de estrelas inofensivas no céu. Uma vontade enorme de chorar se acumulava dentro do meu peito, porém nenhuma lagrima escorria pelo meu rosto. A morte estava na minha frente, do jeito que ele queria. O gigante levantou a lamina e no momento eu só desejei que não doesse tanto quando viesse ao meu encontro.

Em um urro assustador, ele firmou os dedos prontos para descer com a espada e atravessar o meu pescoço, mas uma inesperada flecha cravou no braço do Caçador que parou o golpe para observar de onde havia vindo o objeto prateado.

Meus olhos procuraram juntamente com os de Orion e encontramos Camilla, já com o arco em prontidão para outro tiro. Não consegui evitar um sorriso, mas logo depois me senti uma merda. Garotos que salvam garotas e essa já era a segunda vez que Camilla me salvava. Não é machismo, juro que não, é uma questão de gentileza. “Boa, Rafael... Você é realmente um cavalheiro.”

–Você não vai matar mais filho de Apolo algum. – disse ela com firmeza. Pelo que eu havia percebido, Sirius tinha mudado de foco, pois lutava com uma estátua de um pássaro grande e estranho – Eu não permito... Não permito que você me retire mais um filho do Sol.

Me senti estanho. Como se tivesse a ponto de cair em uma profunda e infinita ilusão. As palavras de Camilla soavam como algo a mais, algo realmente diferente. Eu não era o seu irmão, então qual seria a minha importância para estar ao seu lado?

Orion deu um sorriso macabro e por um momento esqueceu completamente de mim. Ele me deu as costas, se virando completamente para observar Camilla que ainda puxava o arco para disparar outra flecha no gigante. A aljava do caçador trincou com o movimento e percebi que as flechas que ele carregava eram do tamanho de lanças.

–Me proíbe de matar um filho de Apolo? – ele parecia pensativo – Está certo, então.

Franzi meu cenho ao ouvir o que ele havia dito. Seria impossível Orion aceitar se render só com as poucas palavras de Camilla. Ele nem parece ser sentimental. Por muitas vezes nessa missão eu imaginava como um gigante ridículo daquele poderia ter momentos românticos com Ártemis...

–Mas em momento algum você me proibiu de matar uma caçadora. – disse ele em um sussurro. Não tive muito tempo para reagir ao que tinha escutado, como um alerta para Camilla ou de me render para ele desistir da ideia. O movimento de tudo foi muito rápido. Ele tirou o arco das costas juntamente com uma das flechas do tamanho de lanças e foi em um barulho afiado da arma cortando o vento que esta acertou em cheio o peito de Camilla.

O rosto dela congelou. Não transmitia emoção alguma, mas os olhos estavam completamente fixos em mim. Foi então que ela caiu de joelhos e em seguida estirou-se no chão.

O mundo ao redor parou.

Eu podia estar gritando. Podia estar acontecendo uma explosão ao meu lado, mas eu não conseguia escutar nada. Me levantei apressadamente, esquecendo a dor aguda do corte na coxa e me dirigindo ao corpo ainda vivo da caçadora ali deitado.

Quando a alcancei percebi que os olhos ainda piscavam e olhavam fixos para o céu alaranjado que ainda não havia clareado por completo. Retirei a flecha do peito dela com cuidado e coloquei do lado, sem conseguir controlar as lagrimas que desciam no meu rosto.

–Por favor, aguente... Resista, Camilla, resista. – eu disse soluçando e travando a língua em algumas palavras. Coloquei a cabeça dela no meu colo ensanguentado e ajeitei os cabelos louros e cacheados para trás da orelha.

Ela sorriu para mim, com aquele mesmo sorriso que ela me deva. Uma lagrima escorreu lentamente pelo lado do rosto e os olhos verdes profundos me olhavam de forma leve e delicada.

–Você é um ótimo menino, Rafael. – disse ela respirando devagar, tentando manter um ritmo – Precisa terminar essa história, tá bom? Precisa fazer com que tudo termine bem... Por mim.

–Não, Camilla, não... – eu não conseguia ouvir aquelas palavras. Possuíam completamente sonoridade de despedida.

–Lute por mim, Rafa. – disse ela ainda sorrindo e passando a mão em meu rosto, mas dessa vez com lagrimas caindo rapidamente. – A maioria dos heróis do seu perfil não aceitam ter pontos fracos. Não permita que você desenvolva isso agora.

Mas eu já havia descoberto o meu primeiro ponto fraco e Orion havia acertado nele certeiramente.

–Camilla...

–Você promete que vai tentar vencer? – ela me interrompeu enxugando minhas lagrimas, mesmo que fosse em vão já que logo outras encharcariam minhas bochechas outra vez.

Confirmei minha cabeça tentando evitar o choro, mas sem sucesso. Ela se ergueu um pouco, me dando um beijo na bochecha. O beijo se manteve lento e longo, dando um estalo baixo e fraco no final, mas no momento em que ela quase se afastou do meu rosto nossas bocas desviaram enfim no resultado de um beijo de verdade.

O som de desaprovação que algumas caçadoras soltaram denunciou que a batalha havia parado e estávamos sendo observados por todos.

Quando o beijo cessou, não chegamos a nos afastar tanto e pude ver os olhos com os diversos tons de verde misturados fitando os meus e o sorriso dela ali presente como se a morte não fosse uma coisa tão ruim. Em minha cabeça eu gritava para mim mesmo “Diga alguma coisa”, e foi então que ela falou em um sussurro não tão baixo:

–Você é meu raio de sol, e sua luz sempre me lembrará do quanto eu te amo.

Eram as palavras que ela usava com o irmão e seus olhos já perdiam um pouco o foco e as pálpebras tremeram um pouco como se fossem fechar.

–Você é minha lua – sussurrei no ouvido dela – E seu brilho sereno sempre me fará lembrar os seus passos de All Star pelo qual eu me apaixonei.

Isso foi tudo que aconteceu entre mim e Camilla Delfino. Nossa historia acaba aqui, no momento em que eu me afasto e percebo que a garota o qual me apaixonei de forma proibida havia escapado completamente das minhas mãos.

–A dor da perda é bastante ruim não é mesmo? – disse Orion em um tom pesado – Agora me diga se o que seu pai fez não é motivo de estar acontecendo tudo isso? Qual o sentimento que você está tendo por mim agora? Responda!

Lagrimas ainda escorriam pelo meu rosto que ardia em raiva e meus olhos continuaram observando o rosto neutro de Camilla no colo.

–Diga, garoto! – gritava Orion ainda no mesmo lugar de onde havia atirado a flecha – Diga que me quer morto! Diga que eu realmente tenho razão por lutar pelo amor que me foi interrompido de forma precipitada.

–Você não é exemplo algum! – gritei enfim levantando o olhar para observa-lo – Acha que o que você acabou de fazer vai me tornar compreensível? Você é um monstro, Orion! Você a matou sem motivo! Era a mim que você queria e não a ela!

Me levantei, dirigindo minha mão a aljava e lançando as flechas em direção ao gigante. Uma onda de fúria estremeceu pelo meu corpo, intensificando minha raiva e me fazendo avançar em direção ao caçador, esquecendo completamente as dores que estava sentindo na coxa direita. Peguei enfim o arco que parecia brilhar com o nascer completo do sol.

Poucas flechas acertavam o gigante, mas este urrava de dor no momento em que poeira estelar expelia dos locais acertados. Logo o som de notas do violino e da flauta surgiu e percebi que Lucas e Ivy forçavam Orion a se manter imobilizado no chão.

Me dirigi à espada da dracaenae que estava caída ali perto e segurei com firmeza o cabo para enfim derrotar o inimigo que gritava de raiva no chão, incapaz de se levantar. As notas soram mais rápidas e a suavidade da flauta e do violino faziam meu coração acelerar no momento em que posicionei a espada, olhando fixamente para os olhos profundos do gigante.

A lâmina não podia descer simplesmente e transformar Orion em um corpo morto naquele momento. Profecias sempre acertam o que dizem. Pode ser que nós a interpretamos de forma errada, mas sempre haverá um segundo significado para torna-la verdadeira e não era eu armado com uma espada sendo um péssimo espadachim que diria o destino do gigante.

O meu golpe em direção ao pescoço de Orion foi interrompido por uma mão bronzeada que segurou a lamina com firmeza. Olhei para o rosto e reconheci Apolo ao meu lado, balançando a cabeça em negativa seriamente.

–Pai... – foi o que eu falei. Ele soltou a espada, sem receber corte algum na palma da mão e passou os dedos nos meus cabelos.

–Não se envolva mais nisso, Rafael... – disse ele com a mesma voz que eu havia escutado no sonho do farol – Não se suje com um problema que não é de sua responsabilidade.

Ele olhou para Orion no chão e fez um movimento discreto com a cabeça em forma de comprimento. O gigante ofegante não retribuiu e continuou olhando para o deus, ainda fixo no solo.

Apolo se dirigiu às caçadoras que ainda cercavam Ártemis, mesmo que a batalha tivesse parado para observar a minha luta contra o Caçador. Elas abriram espaço ao homem que vestia uma camiseta branca, bermuda laranja e sandálias brancas nos pés. Ele abraçou a irmã por um longo tempo e deu um beijo na sua testa.

A deusa que estava rígida há algum tempo atrás, sorriu para o irmão um pouco sem jeito.

–Perdoa-me, meu irmão. – disse ela mais uma vez o abraçando.

–Você não teve culpa, mana. – ele a afastou mais uma vez do abraço e olhou seriamente para ela – Mas agora chegou a sua hora...

Ela se levantou um pouco tremula e se dirigiu a Orion que logo se sentou para esperar ela se aproximar dele. Ele sorriu para ela de forma empolgada, como uma criança, me fazendo desconhecer quem era aquele gigante. Ela chegou mais perto e os enormes braços do Caçador a envolveram em um abraço.

–Senti muito a sua falta... – disse ele enfim soltando-a delicadamente, percebendo que quase a machucara.

–Orion... Agente não pode continuar com isso. – disse ela como resposta. O rosto transparecia a dificuldade que a Caçadora estava tendo para falar. Orion franziu o cenho e antes que o gigante pudesse responder alguma coisa ela completou – Precisamos aceitar o que o destino reservou para nós. Além disso, eu nunca me esqueci de você, sempre observava a sua constelação quando tive saudade.

–Mas eu estou aqui de volta... Podemos viver tudo que não conseguimos. – disse ele quase implorando para que ela não estivesse falando sério.

–Não, Orion. Você não foi mandado para continuarmos uma história de amor perfeita... E nós dois sabemos disso. – disse ela segurando uma das mãos do Caçador – A partir de agora as coisas vão complicar mais e nós dois nunca poderíamos sobreviver nos tempos de hoje juntos. A proposito, eu tenho um acordo com as minhas caçadoras, seria humilhante demonstrar esse exemplo para elas.

O homem baixou a visão, os olhos curvados de raiva e provavelmente desilusão. Ela suspirou.

–Pare com isso, tá bom? Você sempre vai ser o único, mas nunca mais será o atual. – disse ela pousando a mão pálida no peito dele e seu toque fez o local brilhar em uma claridade branca – Se liberte dessa vida aqui na Terra, Orion. O que tínhamos de viver juntos aqui, já vivemos. Teremos que aceitar as consequências da vida eterna que ainda terei distante de você.

Orion agora brilhava pelo corpo todo e havia soltado um sorriso para a deusa quando aos poucos começou a se transformar em pó celestial. Sirius, que estava sentado como um cachorrinho manso observando o dono e choramingando como um filhote, já havia sumido por completo e seu pó flutuou se misturando aos resíduos do corpo do dono. Quando os dois se juntaram em uma única corrente de pó brilhante, a poeira seguiu levemente em direção ao céu e, em um tipo estranho de magia, a manhã se transformou momentaneamente em noite e a Lua ressurgiu aonde se encontrava o Sol. A constelação de Orion e Sirius estavam mais uma vez onde deveriam, porem agora se encontravam bem próximos a posição da grande fonte de luz da noite.

Ártemis ficou observando o céu em silêncio quando Apolo se aproximou e a abraçou. Demorou pouco e os dois desapareceram dali em um clarão que fez todos desviarem o olhar e ao mesmo tempo a manhã voltou a clarear a cidade.

***

Depois que conseguimos derrotar alguns monstros e outros ter fugido após o sumidouro de Orion, fomos levados direto para Praia do Forte.

Os últimos dias que passei no acampamento, antes de poder voltar para casa, foram horríveis. Uma homenagem a Camilla foi feita na fogueira antes de todas as caçadoras partirem e Alice e Matheus tentavam me acalmar enquanto eu chorava ao ver o corpo dela sendo colocado em uma túnica azul-marinho com um desenho grande de uma meia lua estampada na frente, como no símbolo do All Star que ela usava.

Depois recebi ajuda de um sátiro que dizia ser psicólogo para tentar me ajudar a aceitar a morte dela, minha sorte foi que consegui me livrar dele quando fomos receber as contas do acampamento que representavam uma temporada concluída de treinamento.

Quíron sorriu para mim quando colocou o cordão no meu pescoço, contendo uma bolinha laranja com o desenho do sol nela e juntamente com o pingente de sol que Camilla usava. Agradeci já com os olhos cheios de lagrima, já que era a única coisa que eu estava fazendo esses dias. Matheus ao meu lado recebeu uma conta também, só que verde e com o desenho de um caduceu bem detalhado.

O centauro fez um discurso na hora do almoço, aconselhando que deveríamos, a partir de agora mais que o normal, ficarmos com os verdadeiros amigos por perto, pois o real responsável do retorno de Orion ainda estava no desconhecido e ninguém sabe o que ele ou ela é capaz.

No ultimo dia, eu estava sentado no pátio em frente à Casa Grande, junto a Matheus e Alice, esperando por Luana que havia prometido vir nos buscar para levar até em casa sem que corrêssemos o risco de ter de lutar contra nenhuma cobra gigante no caminho como da ultima vez.

–Você já está melhor, cara? – perguntou Matheus quando eu estava perdido em meus pensamentos enquanto mexia na conta alaranjada no pescoço.

–Estou sim... – respondi depois de um suspiro. Não fora um suspiro de tristeza para falar a verdade, era cansaço. Todos estavam me perguntando esses dias se eu estava bem ou isso ou aquilo, mas claro que eu não estava. A morte de Camilla não será motivo para eu querer me matar, mas também não será algo a ser esquecido com facilidade. – Tudo terminou bem pelo menos, como ela havia pedido...

Matheus colocou a mão no meu ombro e, antes que pudesse dizer alguma coisa, eu o interrompi.

–Sabe uma coisa que ainda não entendo? – disse olhando um pégaso branco que voava no céu azul do acampamento – Como uma deusa pode enfraquecer da forma que Ártemis estava no Campo Grande?

–Quíron disse que foi Zeus o responsável do enfraquecimento dela. – disse Alice ajeitando os óculos vermelhos.

–Zeus? – perguntou Matheus com os olhos arregalados.

–Ele a condenou por ajudar Orion com o plano da morte de Apolo. – disse ela cruzando os braços – Ele não está nem um pouco satisfeito com esse ocorrido. A constelação de Orion, assim como as outras estrelas e tudo que se encontra nos céus é responsabilidade dele... Não ter notado essa anormalidade... Provavelmente o Olimpo deve estar tentando ao máximo não demonstrar fraqueza.

Luana apareceu na hora em que eu imaginava Zeus irritado com tudo e descontando nos deuses. Dessa vez sem a trança, sem arco, sem flechas, sem nada que indicasse que fosse uma Caçadora de Ártemis. Me fazia me sentir meio que feliz em vê-la daquele jeito, pois me lembrou do tempo que ela era apenas a minha irmã Luana e não a minha guarda costas.

–Vocês estão prontos? – ela perguntou sorrindo.

–Estamos sim. – disse me levantando.

Todos nós pegamos as nossas mochilas e colocamos nas costas seguindo Luana para o encontro com o Projeto Tamar, onde ela havia estacionado o carro em algum lugar.

–Seu cabelo fica lindo solto, Luana. – disse Alice meigamente.

–Passou a TPM, Alice? – perguntou Matheus enquanto Luana ainda agradecia o elogio.

Um lápis amarelo cruzou o caminho dele quase o acertando no nariz. Ele arregalou os olhos e olhou em direção a ela que respondeu apenas erguendo as sobrancelhas.

–Precisava disso?! – gritou ele fazendo todos rirem.


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