O Lamento Da Lua escrita por J S Neto


Capítulo 15
Quinze - O Caçador




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Ele vestia um conjunto de couro e pele de leão. Segurava uma clava, tinha uma aljava com flechas e arco nas costas e uma espada em uma bainha cruzada na cintura. Seu rosto era bastante diferente do meu desenho que havia feito na escola, o qual Enzo me identificou como o filho da Profecia. Contudo os olhos agressivos eram identicamente assustadores. Meus membros ficaram tensos e duros, em uma mistura de câimbras e tremedeira. Meus pensamentos não estavam mais na minha cabeça, na verdade eu não conseguia fazer nada, era quase um coma imediato.

Devia ter uns três metros. Não era um gigante tão grande quanto eu imaginava, mas mesmo assim parecia ser impossível de se derrotar.

–E então, Rafael? – disse ele balançando a clava inocentemente. Se é que isso possa ser possível vindo de um inimigo de três metros. – Te surpreende ter seu fim aqui e não lá naquela prisão?

Ele começou a vir em nossa direção, já que recuávamos involuntariamente. Voluntariamente, se considerar que é o medo que estava no comando de todos os nossos corpos. Porém tínhamos Sirius a nossa espera na outra ponta, rosnando alto e babando e ao mesmo tempo não podíamos simplesmente parar, pois Orion avançava com seus olhos negros que me fitavam profundamente.

Eu esperava que Camilla tivesse algum outro plano debaixo da manga, mas ninguém falava.

–Você pode até ser A Prole do Sol que a Profecia dizia, mas pelo que vejo não é tão especial quanto parece. – disse o gigante sorrindo em um sorriso torto – Esperteza então... Não ter apagado o desenho da cela... Tsc, tsc. Olha... Vou lhe dizer que pensei primeiramente na possibilidade de ser um tipo de cilada, mas percebo que é pura burrice.

O desenho no zoológico. A denúncia da nossa localização foi como uma facada em meu peito. Senti o peso da culpa cair completamente sob minhas costas e pensei imediatamente na derrota que Camilla tanto temia de acontecer e que no momento caminhava em nossa direção.

Os sátiros, dríades e monstros humanoides que estavam no zoológico logo surgiram e a gargalhada de Orion soou como uma permissão de avanço. Alice, Matheus, Camilla e os seis filhos de Apolo tentaram correr, antes que fosse tarde, enquanto eu ainda me mantinha olhando fixamente para Orion.

Quando olhei para os lados, os nove haviam sido apanhados por cada um dos aliados do Caçador. Camilla estava imobilizada pelos braços escamosos da reconhecível dracaenae, que sorria em um tom irônico. Os outros estavam nos braços de dríades, sátiros e outros seres que não reconhecia.

–Solte eles. – consegui a proeza de emitir palavras em um momento de desespero. –Sou eu quem você quer. Eles não têm nada a ver com isso.

–Deixe de pensar que tudo roda a sua volta. – disse o gigante em um desprezo perceptível na voz – Entenda que depois que você morrer, nada, nada mesmo vai fazer diferença. Te matar é apenas uma necessidade, se é que você me entende...

Minha vida se resumiu a um fetiche de um gigante.

–Não sei se teria tanta certeza disso. – disse pegando uma flecha e posicionando no arco.

–Não queira fazer mais uma besteira, filho de Apolo. – disse Orion com ar de superioridade e tranquilo.

Olhei outra vez o semi-U de monstros segurando meus irmãos e amigos, desta vez com armas ameaçando cortar suas gargantas.

Baixei o arco, me sentindo mais que humilhado.

–Já imaginava. – disse o Caçador se dirigindo mais uma vez em minha direção. Mesmo que fosse um gigante, não tinha passos desengonçados e nem estrondosos. Eram silenciosos e firmes, como um verdadeiro homem de classe. – Vocês semideuses são fracos. A metade humana que existe sempre fala mais alto.

Ele me rodeava, o que me fazia esperar apenas um golpe fatal com a clava nas minhas costas.

–Assim como a metade deus propõe a arrogância e a crença de que podem tudo. – disse ele surgindo mais uma vez na minha frente. – O seu orgulho, por exemplo, vem todo do seu pai. O amor da irmã por um gigante... Como ele poderia permitir isso, não é mesmo? Mas acho que ele não planejava um flashback como esse.

–Não posso dizer que concordo com o que ele fez – disse, pensando se realmente foram as palavras corretas de se usar na frente do inimigo. Orion se virou com mais interesse, os olhos levemente cerrados. – Mas não temos nada a ver com os atos antigos dos deuses.

–HÁ! – foi o riso forçado que Orion soltou e me deu um susto quase fazendo ter um enfarte e mijar nas calças no mesmo momento. Ele balançou a cabeça logo em seguida em negativa (depois de ter deixado meu coração disparando achando que enfim ele ia me matar) – Essas devem ser as palavras mais previsíveis a serem ditas por um semideus recém-descoberto... Entenda uma coisa, garoto, o que seu pai ou mãe deus faz e o que ele ou ela ainda fará da vida eterna deles, sempre vai acompanhar vocês, os grandes heróis e poderosos filhos do Olimpo.

A descrença e a ironia presente na fala dele era perceptível e meu medo começou a se transformar em raiva, fazendo meus dedos correrem discretamente a procura do cabo da pequena adaga que havia colocado no cinto, caso ocorresse imprevisto com as flechas.

–Não importa o que você fale. – disse uma voz atrás de mim e pude ver Alice, imobilizada com os braços segurados por uma das mãos de um sátiro e este possuía a outra mão segurando firme e agressivamente os cabelos vermelho-castanhos fazendo a cabeça ficar erguida– Independente do que você faça, o Olimpo inteiro irá surgir para te impedir e tudo vai voltar ao normal. É só uma questão de tempo para que todos apareçam e te dê um chute nessa bunda grande.

Alice realmente não deveria estar nos melhores dias. Tentei me recordar daquela garotinha mansa que tinha amorzinho por um lápis amarelo e que ficava abraçada com o namorado nos intervalos. Aquela que lia Jogos Vorazes de forma frenética e que havia me chamado para sentar lá na frente na aula de matemática com um jeito bem educado. Olhei outra vez para quem estava ali, e não era a mesma pessoa. Garotas e suas mudanças em certos períodos.

–O Olimpo... – disse ele, parecendo por um momento até levar a observação de Alice em consideração – Não sei, se sendo vocês, eu esperaria uma ajuda vinda de lá...

–O que você quer dizer? – perguntei, ainda segurando o cabo da adagada.

–O que eu quero dizer, filho do Sol, é que meu retorno, os acontecimentos seguintes que vocês ainda vão “desfrutar”... Tudo está além do território de conforto dos deuses. – disse ele tirando a espada e vindo em minha direção – O que eu quero dizer, Dalmarco, é que este é apenas o inicio do caos do Olimpo.

Não tive tempo para interpretar as ameaças. O golpe da espada veio rápido, me dando tempo apenas de recuar um pouco e, com o reflexo, tirar a adaga e desviar a arma alguns centímetros, soltando um som agudo de laminas em contato.

Minha adaga deveria ter uns quinze centímetros, enquanto a espada do gigante possuía seus cinquenta, o que a tornava um pouco engraçada nas mãos de um homem tão grande. Porem a graça sumiu logo quando os golpes letais continuaram a vir em minha direção.

Defendi a maioria das investidas, tentando lembrar o único treinamento que tive com Camilla. “A maioria dos heróis do seu perfil não aceitam ter pontos fracos” lembrei-me dela falando e acabei perdendo a atenção e a adaga, que fora tirada da minha mão com um golpe forte da espada do Caçador. Seguido do golpe de desarmar, a lamina desceu rapidamente afiada em meu braço que recebeu um corte longo que começou a sangrar. Caí ajoelhado no chão, colocando a mão no lugar onde um ardor irritante surgia aos poucos como uma pontada. Logo minha mão tornou-se rubra com o sangue.

Orion já se preparava para dar outro golpe. Entretanto, quando a espada desceu ao meu encontro, rolei por debaixo das pernas do homem e abri caminho para a lamina cravar na grama. Me encontrei de cara com Matheus que estava seguro por uma dríade. Ele sinalizou rapidamente com os olhos em direção à espada em sua cintura, me fazendo entender antes mesmo que a ninfa e me preparando para retornar a batalha outra vez armado.

Com a espada de Matheus em mãos, consegui, de forma desengonçada, defender outro golpe do gigante.

–Desista garoto. – dizia ele impulsionando a arma sob a lamina de Matheus – Não queira ver o que estar por vir. Aproveite enquanto é tempo e agarre essa oportunidade de morrer em minhas mãos. Pois chegará um dia que nem mesmo a hora de dormir será segura.

A pressão já se tornava insuportável para o meu corte no braço. Os meus pulsos começaram a tremer e a firmeza se foi em um golpe que me fez ficar desarmado mais uma vez. Eu era uma droga com duelos corpo a corpo, mas os passos de Orion me alcançariam mais rápido que minhas flechas pudessem causar algum dano nele.

Contudo era minha única esperança no momento. Peguei o arco rapidamente, vendo-o vir em minha direção com os olhos negros e profundos fitando a minha alma que ele estava desejando libertar do meu corpo. Quando posicionei a primeira flecha um chiado de ave bem alto chamou a atenção de todos, fazendo até o próprio gigante procurar de onde tinha vindo.

–Mas o que foi isso? – resmungou Orion que se irritava por não conseguir encontrar de onde tinha vindo o som.

E mais uma vez. Um grito agudo e bastante familiar, como uma águia, demonstrava que do que quer que fosse estava perto. Um silencio se perpetuou até o momento em que simplesmente de trás da torre do farol e de ruas do outro lado do asfalto, rápidas águias gigantescas, com mais ou menos quatro metros, saíram de seus esconderijos golpeando os monstros, dríades, sátiros e Orion.

O alvoroço de penas e patas afiadas gigantes cravando as unhas em um resumo de pó dourado não me chamou tanta atenção. Procurei correr em direção aos outros para podermos aproveitar a brecha e fugir enquanto ainda era tempo, porém não encontrei mais ninguém. Ouvi alguém me chamar no meio dos chiados agudos e gritos de lamento de alguns monstros que eram derrotados.

–Rafa! – a voz me chamava e não acreditei quando vi de quem era... Quer dizer, eu já deixei de “não acreditar” nas coisas. Era Luana. Ela estava montada em uma das águias que tinha aterrissado na frente da porta de madeira e olhava rapidamente para todas as direções. – Venha, rápido!

Olhei meu redor, procurando algum sinal dos outros em meio aquela confusão.

–Vamos! Eles vão ficar bem! – gritava Luana sinalizando com os braços apressadamente – As outras já estão com eles!

“As outras?” Quando me virei mais uma vez para analisar, percebi que além das águias que golpeavam, cada uma possuía uma caçadora nas costas, disparando flechas prateadas em direção aos alvos.

Corri em direção a minha irmã, com um sorriso de alivio que não consegui controlar. Elas não faziam ideia de quão boa hora elas chegaram.

Subi nas costas de penas ouriçadas da criatura que chiou quando Luana deu um tipo de grito de incentivo que a fez impulsionar para cima e pegar voo.

–A encontramos – disse Luana quando a formação de águias gigantes se formava no céu em um tipo de V. Pude perceber todos os outros (Camilla, Matheus, Alice e os seis filhos de Apolo) nas costas de outras águias no comando de outras caçadoras.

–O que? – perguntei, focando minha atenção no que Luana estava falando.

–Ártemis. – disse ela, sem muita cerimônia, quando voávamos em direção aos pequenos raios de sol que tentavam clarear o céu cinza.


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