Na Linha Da Vida escrita por Humphrey


Capítulo 30
Cara despedida




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Embora com dificuldade, Anne se levantou e eu a abracei forte, ajudando-a a sair do sótão e adentrar o corredor. Descemos até à cozinha, onde ela se sentou em uma das cadeiras próximas à mesa, já aparentando estar um pouco melhor.

– Bom, tem café, achocolatado, leite... uma caixa de cereal... – apontei o que encontrava na geladeira e nos armários, oferecendo-os.

– Vou tomar café da manhã em casa, não se preocupe com isso – Anne respondeu.

Fechei as portas dos armários lentamente e me virei de frente para ela, um tanto decepcionado.

– Certo. Você vai agora? Se sim, eu posso te levar – sentado ao seu lado, sugeri, pegando sua mão e a enlaçando na minha sobre a mesa.

– Sim e não. Eu vim no carro do meu tio, lembra? – Sorriu, se levantando. – Além disso, eu consigo ir sozinha.

Me aproximei para beijá-la, mas Anne se afastou ao ver que Deisy estava descendo as escadas, bocejando, com o seu pijama tão normal coberto de olhos verdes e azuis estranhamente desenhados.

– Bom dia – disse ela, debruçando-se sobre a mesa.

Deisy nos fitou por alguns instantes, então achávamos que sua mente estava processando o que via. No entanto, percebemos que era apenas seu sono não permitindo com que pensasse em algo senão dormir quando disse:

– Me passa uma maçã, Martin.

Depois do café e de algumas perguntas da minha curiosa irmã para Anne, como “você vai se casar com o meu irmão?” e “você roubou esse suéter do Martin?”, finalmente a levei até à aula. Anne desistira de ir sozinha para casa, portanto, em seguida, deixei o carro da minha mãe na garagem e dirigi o outro, acompanhando-a.

Do banco do passageiro, ela cogitava em algo. Apesar de prestar atenção na estrada, às vezes eu a encarava, intrigado. E pensava que, se antes de tudo soubesse que estaria ali ao lado dela, teria protestado menos e feito tudo igual, pois saber que a recompensa seria a melhor de todas.

Na tarde do dia seguinte, o domingo cujo infelizmente já amanhecera ensolarado – o que significava um olá para Rutland –, Anne pediu para que eu a levasse em uma praia um tanto longe do bairro para aproveitarmos as poucas horas que tínhamos até eu partir. Estacionei o carro da minha mãe a poucos metros da praia e, instantes depois, a vi correndo até à areia.

– Por que aqui? – perguntei, sentando-me ao seu lado sobre uma camisa que ela estendera.

– Porque nunca tive a oportunidade de vir – respondeu, observando algumas pessoas. – E, além do mais, eu quero que me ensine a nadar. – Repentinamente, levantou-se, tirando apenas a blusa.

– Primeiramente – ergui o dedo indicador –, você não pode se esforçar demais. E por segundo... – Pensei um pouco. – Tudo bem, eu só tenho um motivo.

Ela gargalhou.

– Mas é o suficiente para eu recusar – completei.

– Ah, você está assim porque ainda tem hidrofobia – Anne me desafiou estrategicamente, os braços cruzados acima do peito. – E, bem, eu não farei muito esforço, pois você vai me segurar.

– Eu seguraria se fosse te ensinar, o que não é o caso. E, cara, quantos biquínis você tem?

– Não mude de assunto – disse, rindo. – É sério, Brandon, eu quero muito isso. Por. Favor.

Rolei e cerrei os olhos. Todavia, com a expressão arteira que ela esboçava, tirei a camiseta e comecei a caminhar até à beira do mar. Sentia os passos da Anne atrás de mim e, segundos depois, já estávamos na água, um molhando o outro, aparentando estar se divertindo mais do que as poucas crianças que havia ali.

A água do mar já batia em meus ombros e Anne não conseguia sequer ficar em pé, então eu a segurava ao mesmo tempo em que a mesma enlaçava as próprias mãos por cima dos meus ombros

– Sinceramente, ainda não acredito que vou aproveitar nosso tempo ensinando você a nadar – afirmei. – Pensando melhor, é legal ver você se esforçando para não se soltar de mim.

– Para falar a verdade, eu não quero que me ensine. – Em seu rosto, vi estampado um sorriso que levantava apenas sua maçã do rosto esquerda. – Queria ter a certeza de que seu medo não existe mais, sabe? Porque eu não sabia se teria outra chance de dar uma de psicóloga.

– É claro que teria. – Sorri. – E agora você já sabe que não tenho mais.

~~~~ ♣ ~~~~

Brandon e eu saímos do mar aproximadamente vinte minutos após entrarmos. Antes disso, eu boiava enquanto fazíamos perguntas um ao outro. Ele me prometera que meteria a cara dos livros, evitaria brigas e pensaria sobre qual faculdade entraria após o último ano caso conseguisse recuperar as notas. E quando íamos embora, seu celular vibrou sobre a camisa que eu deixara na areia. Havia chegado a inevitável hora de partir.

Entramos no carro e vesti a minha blusa que não demorou a encharcar. Após colocarmos os cintos, ele começou a me observar, me entregando um sorriso terno. Eu retribuía como um sinal de conforto, não querendo dizer a temida palavra.

– Isso não é culpa da minha mãe nem do meu pai; eu sabia que teria consequências se me metesse em mais alguma coisa na escola. – Respirou fundo, dando a partida. – Enfim, Vermont não fica tão longe de Nova Iorque, o que é uma utilidade.

– Vamos ficar bem – tentei animá-lo. – Ninguém disse que seria fácil, não é? Coisas fáceis não têm valor.

E seguimos assim mesmo, em silêncio. Na verdade, nenhum de nós dois ousou ocupar o vazio do carro com algumas frases que já tínhamos dito, então a quietação era preferível naquele momento.

Mais alguns prédios, casas e comércios depois, Brandon estacionou em frente à minha casa, abrindo a porta ao meu lado depois de descer. Ele tirou minha bolsa de dentro do carro e me entregou, antes de segurar meu rosto entre as mãos e depositar um beijo na minha testa.

– Até semana que vem, então? – indagou.

– Quero muito vê-lo novamente, sério. Mas você não precisa ficar gastando dinheiro deste jeito.

– Ganhei alguns mil do meu pai, segundo ele. Se eu não vir para cá, não sei o que vou fazer com o dinheiro. – Sorriu.

– Tudo bem.

Eu o abracei, e ficou somente nisso. Não permiti que me desse um beijo e sequer adeus, pois não desejava término. E por fim, o vi entrando no carro, acenando e formando um coração com as mãos enquanto sussurrava algo que não pude compreender.

Toquei o interfone e o portão se abriu. Meu short, meus chinelos e meus cabelos estavam extremamente molhados, logo me dirigi à lavanderia, recolhendo uma toalha para me secar.

– Anne, seu tio está tão estressado, por favor... – tia Joana disse, aparecendo e apoiando-se no gonzo.

– Não entendo por quê. Minhas notas continuam altas, já estou organizando os eventos da escola e... para a alegria dele, Brandon já foi embora. – Sorri ironicamente antes de passar por ela e pela porta.

– Não, não é isso. Sabe que ele te ama, Anne, mas você sai de casa sem dar satisfações e ficamos angustiados. Com a sua doença, a preocupação é muito maior. – Ela me seguia pela casa gesticulando.

Apenas fechei a porta do meu quarto após adentrá-lo, sem responder. Lentamente, entrei no banheiro, abri o chuveiro e esperei a água esquentar mais um pouco até eu tirar a roupa e entrar sob. No tempo em que tomava banho, fiquei imaginando como ele ficaria no avião e se faria novos amigos em Vermont. E juntamente, eu inventava o próximo final de semana, quando ele voltaria para Nova Iorque: talvez eu o esperasse no aeroporto e, quando o visse, correria para abraçá-lo, como em livros e filmes. Ou talvez o esperasse em sua casa, fazendo uma surpresa. Talvez...

Quando minha pele estava prestes a derreter, apanhei a toalha, fechei o chuveiro e fui ao quarto me vestir. Com desdém, escolhi o pijama mais quente e confortável que encontrara e me deitei, embora fosse apenas sete horas da noite, pois era a única coisa que me dava prazer no momento. Eu me sentia como um robô. Desorientada. Apenas deveres para fazer. Com um proprietário ausente. E uma bateria em falta, da qual Brandon tinha levado consigo.

E então eu adormeci, acordando no próximo dia sem ao menos precisar de que o celular me despertasse. Era segunda-feira, mas somente mais algumas pessoas e eu poderíamos faltar à aula para continuarmos organizando o baile, cujo seria no salão da escola. Me arrumei e parti para o colégio, carregando algumas sacolas plásticas com as decorações da festa. E, chegando lá, deixei estas na diretoria.

Naquela manhã, eu já tinha recebido três convites para o baile. E eu organizava os livros no armário quando David descaradamente me cutucou, segurando as duas alças da mochila em frente ao peito. Me virei de lado, olhando para ele.

– Brandon já foi embora? – perguntou, percebendo o meu semblante fechado logo após. – É, creio que sim. Acha que é tarde para eu pedir desculpas a vocês dois?

– Nunca é tarde, não é? – tratei com indiferença, virando-me novamente para o armário. – Você nunca pensou em, sei lá, deixar de ser covarde? Não é por mal, não, mas os outros te usam quando bem entendem, te largam e depois você acaba defendendo a pessoa errada.

– É isso o que otários fazem. Me desculpe.

– Não é totalmente a mim que deve pedir desculpas. Você tem um celular, um computador e dedos. – Fechei a portinha de ferro, caminhando até o salão. Eu poderia jurar que o senti passos atrás de mim, mas que pausaram em certo momento.

Aproximadamente três horas depois, o salão estava realmente belo, repleto de luzes amarelas para todo canto, plantas decorativas, um palco para a banda, sofás e mesas brancas, que na noite seguinte estariam cheias de doces e salgados. No final da aula, decidi aceitar o primeiro convite que recebi – de um garoto chamado Keenan, por sinal – e alguns curiosos resolveram tentar ver o salão, o que foi um fracasso, é claro. Tudo deveria ser uma surpresa, inclusive o que ocorreu na noite do baile.


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Notas finais do capítulo

Cara, demorei pra postar 'o' Não me matem, hahaha. Espero que tenham gostado - essa frase não podia faltar! - e que digam o que acharam, e tal. O que acham que vai acontecer no próximo cap? E sobre esse finalzinho aí, hein? :v Esse ficou um pouquinho vago, mas é porque o melhor está a seguir, haha.



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