John Bryan – 11

Cornetas, batidas, berros. Tudo ao mesmo tempo.

John e os demais tributos se encontravam no backstage do Grande Estádio. Ouviu de seus preparadores que o local servia principalmente para batalhas e desfiles de moda. Não sabia que eles tinham tempo para entretenimento, só mesmo para matar semideuses, pensou John.

– Agora ponha esssta outra ssssobre o ombro – disse Olavia, sua estilista. Ela pôs outra serpente viva sobre seu ombro, enrolando-a no resto de seu corpo logo depois. A cobra provavelmente era geneticamente modificada, já que John nunca vira uma azul listrada antes.

Provavelmente Olavia se inspirara nela mesma para criar sua roupa e a de Leah, porque ela era uma dracaena. John nunca pensou que dracaenae poderiam usar o cabelo curto pintado de roxo escuro, como sua estilista. É, ele estava aprendendo várias coisas naquele dia.

– Essstá perfeito – vibrou Olavia – Suba na carruagem, o desfile já vai começar!

Narrador

Foi pedido ao público para que se calasse. Parecia impossível silenciar dezenas de milhares de monstros – por serem o que são – mas em menos de cinco minutos a plateia já estava atenta aos autofalantes e ao camarote onde se encontravam Prometeu e Equidna.

– Boa noite Acampamento dos Monstros! Eu sou Prometeu e junto com nossa amada Equidna narraremos o Desfile de Tributos, marcando o início dos Jogos Meio-sangrentos!

– É importante notar a beleza das roupas confeccionadas por nossos estilistas. Sabemos que uma boa roupa reflete a personalidade de cada um. Por exemplo, Prometeu hoje está com um terno adorável!

– Muito obrigado! Seu vestido também está deslumbrante! Turquesa combina muito com seu tom de pele.

– Combina sim – afirmou a mãe de monstros – Mas não estamos aqui para falar de nossas roupas e nosso tom de pele não é?

– Hah hahaha! Não, não! Vamos ao que interessa: que comece o Desfile!

Os portões com mais de sete metros de altura se abriram. Nas margens ovais do campo de terra batida, dezenas de ciclopes e nascidos da terra batiam em grandes tambores com mais de um metro e setenta de altura. A cada seis gigantes, encontrava-se um telquine soprando uma corneta feita de chifre.

Entra a primeira carruagem, puxada por dois pégasos brancos brilhando como diamantes. E na biga, Brandon e Reyna.

– Para começar com chave de ouro, os filhos de Zeus! – diz Prometeu.

– Uma roupa espetacular a deles! Todo esse ouro e bronze revelam o quão magnânimos são e o quão letais também!

Realmente, os irmãos eram um casal brilhante. Brandon tinha sobre o peitoral duas asas douradas e o corpo revestido por placas de ouro imperial. Na cabeça, uma coroa feita de raios. Reyna estava com duas asas que partiam dos quadris, se cruzavam e tinham suas pontas ao lado da cabeça. Seu cabelo estava arrepiado como se corresse eletricidade por todo seu corpo. Usava botas longas de bronze, e seu salto era uma longa garra de água curvada.

De repente, um raio cai sobre a carruagem dos filhos de Zeus. A plateia fica atônita, porém quando o clarão se dissipa, os irmãos voltam a acenar, ainda faiscando.

– UOU! Você viu isso Equidna? Sim, esses dois sabem como iniciar um desfile!

– Lindo, Prometeu! Mas parece que agora entra a segunda carruagem, dos filhos de Poseidon. Olhe que roupas! Apenas uma palavra para descrever essa produção: ousadia.

Ao contrário dos filhos de Zeus, Noah e Peter estavam pouco cobertos. O ciclope estava apenas enrolado com o corpo de um imenso cavalo marinho azul. O corpo de Noah era somente coberto em partes estratégicas, por conchas e pedras. Em compensação, parecia um verdadeiro rei dos mares: segurava um tridente e sobre o ombro direito caía uma cascata de água.

– Equidna, nem me pergunte como nossa estilista conseguiu vestir um tributo com água. Simplesmente um trabalho incrível!

A plateia estava em delírio. Não pelas roupas dos dois, mas principalmente por Peter. Ter um ciclope competindo nos Jogos era algo incrível para eles. Grande maioria torcia para que ele estraçalhasse todos os adversários e mostrasse que monstros podem ser melhores que semideuses.

– Logo atrás, temos a terceira carruagem, trazendo os filhos de Deméter. Os dois não trouxeram tridentes ou raios consigo, mas vieram como uma cenoura e uma espiga de milho gigantes. Adorável! – ri Equidna.

Elena estava em um vestido composto por imensos grãos de milho, e suas mãos e pés eram cobertos por o que pareciam as folhas verdes que cobrem a espiga. Seu cabelo fora amarrado e penteado de forma esvoaçante, lembrando a palha marrom do milho.

Josh tinha sobre os ombros folhas e folhas de cenoura. Cobrindo seu tronco, diversas cenouras gigantes. Usava também luvas de agricultor, calças de palha trançada e botas que lembravam folhas nascendo do solo.

Ambos sentiam-se ridículos. E com razão: a plateia ria dos vegetais ambulantes. Elena estava furiosa.

– Eles nos acham adoráveis, Josh – ela sussurrou – Vou mostrar como sou adorável.

O loiro não sabia do que a irmã estava falando até ela desprender o cabelo esfiapado, pegar dois grãos de sua roupa e devorá-los com voracidade. E claro, causando o delírio do público.

– Vamos Josh, faça o mesmo!

Ele intimidou-se no começo, mas logo depois jogou suas luvas no chão e pegou uma das cenouras que o vestiam – a do meio – dando uma grande mordida e gritando, ainda com a boca cheia.

– Haha, inimaginável! Sabe o que vejo nisso? – disse Prometeu – Como uma desmistificação da força dos filhos de Deméter! Eles dizem “Não somos fracos, não só plantamos batatas e podamos arbustos! Também podemos vencer os Jogos!”. Falando em força, vemos agora a carruagem dos filhos de Ares!

– Chocante, Prometeu! Os tributos do Chalé 5 vêm representando com muita fúria os animais símbolo de seu pai: o javali e o abutre.

Os irmãos estavam aterrorizantes. Além das armaduras, ambos tinham o rosto e as mãos sujos de algo que parecia sangue. Ethan vinha com uma imensa armadura marrom e bronzeada. Seu capacete apresentava vários esporos dourados, sem contar nos imensos chifres que partiam da parte de baixo. Nos pés, botas de pelo marrom, com cascos dourados.

Hannah comparada ao irmão era bem menor, mas amedrontava igualmente. De seu elmo negro partiam longas plumas de mesma cor. As pontas dos dedos e das botas eram afiadas como garras. O sangue estampado em seu rosto contrastava com o negro de sua armadura.

Como se não bastasse, eram puxados por cavalos putrefatos, com ossos à mostra. E o pior de tudo, ninguém gritou, acenou, ou fez sequer um gesto. Eles olhavam firmemente para a frente, como um predador que fita sua presa.

Atrás deles, um monte de plumas representava o chalé de Atena. George e Gabrielle estavam como duas grandes e imponentes corujas. Ambos usavam um capacete com nariz em forma de bico.

George segurava um escudo na forma do rosto de uma coruja, com olhos de ônix. Além disso, o que o diferenciava de sua irmã era a cor das penas e as lentes de contato nos olhos: ele era amarelado e tinha olhos negros como uma coruja-de-igreja. Enquanto Gabrielle era uma coruja-cinzenta de penas espessas e olhos amarelos como âmbar.

De repente, ambos viraram as costas um para o outro e ergueram os braços, revelando asas majestosas, além de render aplausos da plateia.

– Lindo, lindo! – Equidna aplaudiu.

A sexta carruagem ofuscava as demais quase que literalmente. Jason e Elizabeth vinham com uma roupa extremamente ousada. O rapaz usava apenas um short de couro e Liza além disso um sutiã feito do mesmo material. Suas sandálias tinham tiras que envolviam parte da perna. Usavam um cinto cuja fivela lembrava o Sol e os antebraços eram revestidos por uma peça metálica dourada. Na cabeça, uma pequena coroa amarela de louros.

Mas o real destaque era o rosto dos tributos. Além de estarem resplandecendo, placas feitas de ouro, semelhantes a raios de sol levitavam em torno dos rostos dos filhos de Apolo, Como se eles fossem o próprio Sol.

Orfeu aconselhara que Liza e Jason acenassem e mandassem beijos. Ambos tinham boas formas físicas, e aquelas roupas ajudavam a conquistar o público de certa forma. Claro, eles obedeceram.

A biga seguinte – ao contrário da anterior – trazia seus tributos bem vestidos. Rosalya e Annye vinham elegantes e serenas como a Lua. Usavam longos vestidos brancos de gola alta e sem mangas. Seus narizes estavam pintados de preto e pontinhos brancos salpicavam suas bochechas. Também apresentavam orelhas de bordas prateadas e chifres de cervo cobertos por prata.

– A vestimenta das Caçadoras está sublime! Concorda Equidna?

– Certamente, Prometeu. O cabelo trançado, os braceletes de prata. É a prova de que para chamar a atenção não se precisa de muita coisa.

As duas seguiam dando acenos tímidos para a plateia.

– Minha vontade é de mostrar o meu dedo do meio para todos eles – sussurrou Annye enquanto sorria.

– Acredite Annye, compartilho a mesma vontade – respondeu Rosalya – Porém Meredith dissera que conquistaremos o carisma dos Patrocinadores com sorrisos e elegância, não com dedos.

Cavalos mecânicos puxavam a oitava carruagem. Em cima dela, os semideuses do chalé de Hefesto encarnavam dois ciborgues. Metade dos seus corpos estava completamente nua, a outra era coberta por placas de metal, medidores de energia e engrenagens, além de tubulações de onde saía fumaça.

– Está vendo a vestimenta do Chalé 9? Algo muito conceitual na minha opinião. O estilista desses garotos certamente deve ter pensado muito antes de desenhar tais modelos.

– E você viu os olhos deles? – disse Equidna – parecem que vão... POR GAIA!!! Viram isso?

Enquanto Equidna falava, duas imensas colunas de fogo brotaram dos ombros de Philipe e Mayline, e eles acenaram para a multidão com suas mãos mecânicas e com os rostos sérios.

– E logo atrás, esbanjando elegância e suavidade, vêm os filhos de Afrodite! – anunciou Prometeu.

Alan e Valentina não poderiam estar melhor. Seus corpos eram cobertos por asas de cisnes brancos e negros. Pescoços de cisne com olhos de rubi enrolavam-se sobre seus ombros.

– Pronto para o movimento especial, Alan? – sussurrou Valentina.

– Pronto.

Assentindo, ambos deram as mãos, aproximando-se. E os braços cobertos por penas ergueram-se majestosamente, como se os dois fossem apenas um cisne, com uma asa negra e outra branca. E voaram da carruagem, duas pombas, das mesmas cores dos trajes, pelo estádio, até perderem-se de vista.

– Fabuloso! Fabuloso! A beleza e a união, tudo isso expresso em dois trajes e uma só atitude! – disse Equidna animada

– Cisnes não são um símbolo de Afrodite – completou Prometeu – Mas não tem como não olhar para essas aves e não lembrar o quanto são belas e majestosas, como a própria deusa do amor. A estilista do Chalé 10 está de parabéns!

– Outra ótima estilista também é a do Chalé 11! Vejam!

A carruagem de Hermes vinha e nela estavam John e Leah, trajados como dois caduceus humanos. Usavam um collant prateado, e na cabeça um capacete com duas imensas asas que batiam incansavelmente. Mas o chamativo do casal eram os dois pares de serpentes imensas que circulavam seus corpos. Elas, com suas cores e estampas exóticas, silvavam e exibiam suas línguas bifurcadas, enquanto os tributos acenavam e recebiam aplausos.

A penúltima biga trazia os filhos de Dioniso, como dois chefes tribais com os corpos pintados nas mais tonalidades de roxo e os mais diferentes traços. David usava sobre a cabeça e os ombros uma pele de leopardo tingida de verde piscina neon. Na parte de baixo, folhas de parreira e cachos de uvas piscando com cores diferentes das habituais.

Quem também usava uvas azuis, rosa e laranja era Alamanda, mas cobrindo os seios. Na parte de baixo, a semideusa tinha a cabeça e a cauda de um leopardo tingido de pink.

– Chamativo, vibrante e altamente colorido: é assim que caracterizo as roupas dos filhos de Dioniso – disse Equidna.

– Toda essa informação e cor caracteriza muito o deus das festas do vinho e, haha, da loucura!

A última carruagem puxada por cavalos-esqueleto, dos filhos de Hades, era sem dúvidas a mais sombria. Sem raios, penas, folhas ou serpentes, Damon e Callista estavam cobertos apenas por longos mantos negros, com costelas desenhadas. Os mantos não tinham abertura para braços, cobriam o pescoço e chegavam até o chão. Os cabelos dos irmãos estavam penteados para trás com gel e os rostos pintados de forma que parecessem caveiras. Para terminar, uma névoa escura escorria dos mantos, dissipando-se logo em seguida.

As carruagens após cruzarem o estádio, estacionaram numa forma de arco, em frente ao palanque. As figuras que estavam lá não eram reconhecíveis a olho nu, mas todos sabiam que eram os Idealizadores: os encarregados de pensar nos Jogos Meio-sangrentos e toda sua estrutura cruel. Três ciclopes surgiram arrastando uma imensa estátua de quatro metros de altura, feita de areia. Uma estátua de Gaia.

Eles a deixaram bem na sacada, visível ao público e aos tributos. Então, os olhos da mulher de areia acenderam em um verde vivo e profundo. A boca da estátua não se movia, mas se ouviu em todo o Grande Estádio a voz poderosa da Mãe-terra.

– Uma boa noite a todos! Hoje, iniciamos um evento que estará marcado pelo resto da história. Hoje, meus queridos filhos, mostraremos a força e o poder dos monstros! Espero que vocês se divirtam, torçam para seus favoritos, se emocionem... Mas não se esqueçam que este é o marco do triunfo do nosso exército!

A plateia urrou e bradou.

– Semideuses! Congratulo vocês pela coragem e determinação para participar dos Jogos Meio-sangrentos. É realmente difícil pensar em todos ao seu lado mortos para garantir sua sobrevivência. Mas lutem! Lutem pelo Acampamento de vocês! Pelos seus genitores divinos! Mas principalmente, lutem por vocês mesmos!

Mais urros e aplausos.

– E com isso digo: Bons Jogos Meio-sangrentos, e que Tique esteja ao seu favor!

Com isso, os grandes olhos verdes apagaram-se, e a estátua de areia explodiu em uma grande nuvem, arrancando exclamações de todos, inclusive dos tributos. Com o fim do Desfile, as carruagens voltaram para o backstage.

Sim, era o fim do Desfile. Mas era apenas o começo dos Jogos.