Jogos Vorazes - 71º Edição escrita por GS Mange


Capítulo 7
O Centro de Treinamento Parte 1: Lar, amargo lar


Notas iniciais do capítulo

Posteriormente ao desfile, os tributos são retirados para seus cômodos, ou níveis, já que a Sede abriga 12 andares divididos especialmente para cada um dos Distritos. É lá que os tributos passarão o restante da semana, até serem transportados para a Arena dos Jogos Voazes.



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Olho para os lados. Portões fechados. Os outros tributos e suas equipes. Estamos no Centro de Treinamento. Uma enorme torre de doze andares, com acomodações para todos nós. Seguimos em direção à torre. Há um elevador logo à frente com botões enumerados de um a doze. Nara apertou o sete. É então que percebo. É obvio. Típico da Capital. Cada tributo fica no andar de seu distrito. Segundos depois a porta se abre e estamos numa enorme sala. Ricamente decorada. Sinceramente tem coisas demais aqui. Passaremos quanto tempo aqui? Cinco dias? Uma semana talvez?

– era disso que eu falava – diz Nara, inebriante – talheres de prata. Lousa de porcelana. Taças de cristal. Riqueza. Luxo. Desfrutem. Vamos, vamos. Preparem-se para o jantar. Já está demasiado tarde. – nos apressa então – tirem essas fantasias. São muito belas, eu sei, mas não condizem com o ambiente.

– já estou farta de você, sabia? – desabafa Daisy, num tom irritante – você é detestável!

– você é tão odiável quanto ela – digo irritado – e ninguém te condena por isso.

Ela se cala. Vira os olhos ao redor do teto. Retira-se por fim.

– o que? Odiável? Detestável? – pergunta ela ultrajada – eu?

– o que você esperava? – pergunto ainda irritado, olhando fixamente em seus olhos.

– mas, mas – hesita – por quê?

Ora, foi você quem tirou nossos nomes daquela urna – digo em alto e bom som – não foi?

Retiro-me da sala em passos pesados e firmes. Deixando-a a falar sozinha. Ando desorientado, pois nem imagino para onde devo ir. É quando vejo uma mulher vestida de branco dos pés à cabeça. "Lilly não acreditaria seu eu contasse, fantasmas existem”penso e, logo rio.

– quem é você? – pergunto, mas parece que ela não é muito de falar, uma vez que quando pergunto, tudo o que ela faz é olhar para baixo. – desculpe. Olha, eu to meio perdido. Será que você poderia me ajudar a, - hesito – encontrar meu quanto. É que isso aqui é a maior casa, ou sei lá o que, em que já estive. Não temos nada parecido com isso lá no 7 – explico.

Ela sorri. Mas não diz nada. Ela então aponta para uma porta no mesmo corredor que estamos.

– você é uma ajudante? – pergunto – ao algo do tipo? – acho que isso foi uma tentativa, frustrada é claro, de manter uma conversa decente com ela. Por fim, desisto. Sigo em direção ao cômodo que ela indicou e entro.

Será que ela riu de mim? Afinal, ainda estou me parecendo com um carneiro, ou... Um bode. Não acredito. Eu estou andando por ai como um bode. Ninguém vai me levar a serio. Que mancada. Mas também, o que eu poderia ter feito? Deveras, poderia tirar a roupa lá embaixo e desfilar com roupa de baixo pra lá e pra cá? Acho que não.

Me esparramo na enorme cama que vejo em minha frente, depois de decidir que optei pelo menos pior a ser feito. Entro no banheiro do quarto. Tiro a alegoria e me delicio nas águas quentes e correntes do chuveiro. Tem cheiro de rosas. Rosas do campo. Lembro-me de Lavender. E lembro-me também que ela não foi ao meu encontro lá no Edifício da Justiça. Mudo de pensamento. Este não me faz bem. Pego o roupão e saio do chuveiro. Olho-me no espelho. “como é que vim parar aqui?”, penso. Sento-me cama, que é confortavelmente quente e percebo um objeto estranho de metal na cabeceira. O pego e vejo que é um controle. Mas não tem nada eletrônica aqui, eu acho. Clico um botão e, o que outrora era uma janela enorme é uma floresta. Clico mais uma vez. Uma cidade aparece. Clico outra e outra, mais duas ou três vezes quando... Vejo uma campina. Parecida com a lá de casa. É nessa mesmo que vou deixar. Vai me aproximar das pessoas de quem eu gosto.

Como será que estão todos por lá? Certamente me virão na televisão. Estarão aflitos? Não, estão aliviados. Aliviados por verem a vida de seus filhos e filhas poupadas por pelo menos mais um ano. Tudo o que podem fazer é torcer por mim. Torcer para que eu fique pelo menos entre os oito finalistas. Acho difícil.

Abro o guarda roupas. Tem tanta roupa aqui dentro que até desconfia que esse quarto seja pra mim. Chega até ser cômico. Nos distritos poupam. Aqui desperdiçam. Revoltante, na verdade. Pego uma calça marrom clara, uma blusão jeans e um suéter vermelho escuro, com alguns detalhes em preto e branco. Calço umas meias que pego na gaveta e um tênis preto. Saio do quarto e vou para a sala. Lembro-me de Nara falar em jantar. Estou morrendo de fome.

Quando entro na sala vejo que há apenas Grover, sentado no sofá, lendo alguma coisa. Mais uma dessas coisas tecnológicas da Capital. Está segurando dois cilindros de metal, muitos finos, em cada mão. No meio, algumas imagens formadas. Hologramas. Esse é a palavra. Coço a cabeça. Ainda está molhada.

O que é isso? – pergunta – isso em seu anel? – o anel que meu pai entregou a mim. Tinha me esquecido dele nesse corre-corre. É claro que ainda estou com ele. Havia me esquecido completamente dele.

– não sei – respondo desapontado, deixando no mesmo espírito – tentei traduzir, mas não fui capaz. Não sei o que representa. Lamento.

– deixe-me ver, por favor? – pede – se não for um incomodo para você.

– claro – respondo – sem problemas. – tiro-o do meu dedo. E entrego a ele.

Ele o examina, girando algumas vezes em sua mão. Ele sorri. – a quem pertenceu? – pergunta intrigado.

A minha mãe – respondo, mas antes era do meu avô. Acho que alguma dessas coisas que passam de geração em geração.

– é realmente curioso – diz, ainda sorrindo.

– o que é curioso? – pergunto sem entender – você conseguiu traduzir?

– presumo que sim – diz ele. O que me faz abrir um sorriso enorme. – “Fugere urben quam minimum credula postero”.

– que língua é essa? – pergunto – o que isso quer dizer?

– é latim – responde – uma língua arcaica. Morta a mais tempo do que tudo o que conhecemos.

Nunca ouvi falar disso. Latim – interessante – digo. - Mas o que quer dizer?

– é um plano, que vale a pena tentar. Na verdade – ele hesita – todos nós já deveríamos tê-lo seguidos. Gerações e mais gerações atrás, eu presumo. O que está escrito no seu ano é: “Fuja da cidade, confie o mínimo no amanhã”.

Que ótimo. Só porque não sei ler essa droga de latim, acabei parando aqui. Deveria ter descoberto isso antes. Mas isso não se aprende numa escola. Eu sou um idiota. Até um anel sabe que tenho que sair daqui o quanto antes. Ele suspira como se estivesse frustrado com alguma coisa. Está lendo novamente naquele holograma estranho.

– onde está todo mundo? – pergunto, pensando no jantar.

– são mulheres. – lembra ele – sente-se comigo e espere um pouco. É tudo o que podemos fazer.

– acho que vou dar uma volta – respondo de forma sutil.

Só então começo a repara no apartamento. É essencialmente branco e azul. Igual a minha cabine no trem. A porta é preta com detalhes brancos. Logo na entrada tem uma divisória feita de pedras, do outro lado dela fica a sala de jantar. Uma mesa enorme de aço e vidro negro, com dez cadeiras de madeira escura. Nogueira preta envelhecida, penso na minha experiência. Bem no centro da mesa há um lustre de cristal magnífico. Há dois castiçais de prata em cima da mesa. A parede atrás da mesa é feita de espelhos. Refletindo a imagem da sala de jantar. Na frente, descendo dois degraus fica a sala de estar, onde está Grover, ainda lendo. Há dois sofás grandes, formando um ângulo de noventa graus entre si e uma mesa de centro larga e baixíssima com alguns ornamentos pretos e azuis. No lado onde não há sofás esta uma poltrona estranha, curvilínea e ondular. Frente à sala há uma parede e porta de vidro azuis. Do outro lado dela, há outra sala. De TV. Um sofá enorme, que vai de um lado a outro. É azul safira. Com muitas almofadas e uma TV, tão grande e tão fina, que parece uma janela aberta. Perto da sala de jantar fica o corredor que dá para os quartos e banheiros.

De repente ouço vozes. Rose e Nara. Elas entram, rindo estonteantes. Claro. Elas podem rir. Quem vai morrer em poucos dias sou eu e não elas. Lloyd e Jamie chegam e nos cumprimentam. Por fim Daisy entra e todos nos sentamos à mesa. Aquela mesmo moça que me mostrou onde ficava meu quarto nos serve. Há outro, com ela. Ambos igualmente vestidos de branco. Dos pés a cabeça. Sem maquiagens. Os mesmos olhares tristes e vazios. Cabelos loiros. Magros até demais.

Quando terminam de por a mesa, vejo fartura, novamente. Como sempre, há mais comida do que o necessário. Penso em Roger e Dean. Em como são pobres. A carne parece deliciosamente apetitosa.

– carneiro. – diz Nara – esplêndido.

– o que? – digo com inquietação – isso é carneiro?

– sim e é saborosíssimo – diz Rose – prove, vai gostar.

– é que – hesito – eu...

– é que ele estava vestido de carneiro até pouco tempo atrás – diz Lloyd, sorrindo – pode ser um pouco desconfortável, presumo.

– um pouco – digo sem jeito – mas estou com tanta fome que comerei assim mesmo.

– isso é quase canibalismo – diz Grover – desculpe – ele ri - não resisti.

Todos estamos rindo agora. Menos Daisy, é obvio. Ela está comendo friamente. Tenho a sensação de que se canibalismo não fosse visto com maus olhos na arena, ela faria a mesma coisa comigo.

Nara estala os dedos chamando a mulher loira, para servi-la um pouco mais. Todos jantamos e conversamos sobre muitas coisas. Até Daisy entrou na coversa com rose e Jamie. Quando a sobremesa é servida, nossa mesa mais parece uma doceria. Doces e mais doces. Abarrotados de geleias e chocolate.

– poderia por um pouco mais para mim? – pergunto ao homem loiro. Que está parado ao lado de outra mulher. Nos observando jantar.

– não. Não fale com eles – berra Nara – eles não são o tipo de gente a se dirigir uma palavra sequer.

– porque não? – nesse instante todas as conversas paralelas cessam – o que há de mal nisso?

– eles são avoxes – diz Jamie, com semblante frio.

– eles não podem falar com ninguém – diz Lloyd com voz compassiva.

– porque não? – pergunto sem entender – o que são avoxes?

– aparentemente são criminosos – explica Grover, também compassivo – condenados pela Capital.

– e o que eles fazem aqui conosco? – pergunta Daisy, desdenhando.

– eles têm que nos servir. – explica Rose – para sempre.

– aparentemente? – pergunto – como assim?

– definitivamente – retruca Nara – são criminosos, julgados e culpados. E não há mais razão para mantermos esse assunto.

– isso é terrível. A Capital realmente governa com mãos de ferro. Até aqui. – digo irritado. – você – olha para a mulher que está imóvel – diga para nós qual foi seu crime, se é que você cometeu algum.

– haha. Não seja ridículo senhor Daffodil – tripudia Nara – é claro que eles não podem falar.

– como não? – Afirmo mais que pergunto. – eles não estão aqui para nos servir. Então, responda-nos.

– rum rum. Suas línguas foram arrancadas se suas bocas – diz Grover, penosamente – é por isso. Estão condenados a viverem como bestas mudas. Até a morte.

– bestas mudas? – digo perplexo – isso é hediondo. Como a Capital pode fazer isso com seus próprios habitantes?

– criminosos – me interrompe Nara – já disse.

– criminosa é você – grito desta vez – que os julga sem conhecer os fatos. Pessoas mentem sabia senhorita “eu sou Nara Bonnet e moro no País das Maravilhas”. – Debocho.

Ela me olha perplexa. Sem poder falar. Ela gagueja tentando dizer algo, mas eu a corto imediatamente.

– deve ser excruciante sua vida – digo dirigindo-me aos avoxes – eu realmente sinto muito por vocês. Existem outros assim, como vocês?

– você deve para agora querido – diz Rose gentilmente.

– eles podem acabar sendo punidos por isso – explica Grover – se souberem do que houve aqui.

– mas é claro que ninguém jamais saberá – diz Lloyd generosamente, retomando as coversas já esquecidas.

– pra mim já chega – levanto, pedindo licença – não consigo entender como podem se prestar a esse papel. Estou cansado de vocês da Capital. – é inacreditável. A falta de sentimento uns pelos outros. Não se compadecem jamais. – onde está sua humanidade? – pergunto retoricamente enquanto saio da sala e me dirijo ao corredor.

Vivo com animais. Aliás, pobres animais. Até entre si há respeito. estes aqui são monstros. Sigo em direção ao meu quarto. Ciente de que terei um dia cheio amanhã. Entro e desabo na cama. Olhando para a imagem da campina. Há dois dias eu estava em casa. E agora estou aqui. Cavando minha própria cova. Olho para os reflexos no chão negro e brilhante. Olhos os botões estranhos ao lado da minha cama e as luminárias com uma forte luz branca, que estão ao redor dela. O tapete felpudo branquinho no chão e... Pego no sono.


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