Filha das Ondas. escrita por Cora


Capítulo 3
Escolhas


Notas iniciais do capítulo

Então, como prometido, último capítulo lançado com diferença de tempo do anterior tão curta. Agora é semanal.
Eu queria que a história original não fosse tão triste, eu vou tirar alguns pontos, mas não quero mudar completamente o rumo da história.
Quem não ama a pequena sereia? Eu amo! o/
Bom leitura, povo.



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Porque o medo mata tudo, a razão, o coração e até mesmo a fantasia.

- Coração de Tinta.


Aria estava muito triste.

Desde pequena ela nunca fora uma criança como todas as outras. Gostava de mergulhar entre os escombros dos navios naufragados e nadar entre os corais e fossas marinhas, enquanto suas irmãs brincavam nos salões do castelo e morriam de medo de atravessar os portais da cidade, longe da proteção de seu pai.

Ela gostava de se aventurar para fora do reino e isso deixava seu pai nervoso. Tinha sido castigada tantas vezes por aprontar, que seu pai tinha desistido de encontrar uma solução para a filha caçula. Ela era sempre muito sorridente e brincalhona, e estava sempre a cantar. Todos diziam que tinha a voz mais linda do mar e ela se orgulhava muito disso. Cantava e cantava durante as longas horas do dia, mas desde que voltou para casa, estava muito triste.

Aria, que sempre foi alegre e vivaz, agora estava quieta e pensativa. Suas irmãs cansaram-se de pedir para que contassem o que tinha visto, mas ela não falava nada.

Muitas vezes ao cair da tarde, ela voltava ao lugar aonde havia deixado aquele homem. Ela sentava sobre uma rocha e olhava para a praia durante horas até sentir-se cansada o suficiente para voltar para casa. Esperava vê-lo mais uma vez, mas ele nunca mais apareceu para ela e cada vez seu coração se entristecia mais. Viu o inverno passar devagar, com a neve branca derretendo nos picos altos das montanhas, mas não havia nenhum sinal do homem que ela salvara.

Quando a primavera chegou, Aria estava mais distante do que nunca. Passava as horas longe de casa, abandou o jardim que tanto amava, e já não se ouvia sua doce voz ecoando pelos salões do castelo de corais. Com o tempo àquela vida tornou-se insuportável e sem saber o que fazer, Aria contou tudo as suas irmãs mais velhas.

Maera contou as outras irmãs que conhecia o homem que Aria salvara. Disse-lhes que nadava próxima a praia quando ouviu alguns pescadores falando sobre um príncipe que foi encontrado na praia depois de cair de seu navio no mar furioso.

Aria surpreendeu-se ao descobrir que aquele lindo homem era nobre, um príncipe como ela. Mas suas irmãs ficaram ainda mais preocupadas e trataram de investigar. Um dia as 5 irmãs chamaram a caçula e convidaram-na para subir a superfície com elas. Juntas e de braços entrelaçados elas nadaram em direção a um grande castelo feito de pedras. Ari olhou as enormes torres e surpreendeu-se com seu tamanho, além da beleza do enorme jardim que cercava a construção. Ela jamais vira um castelo feito de pedras, e embora aquele não fosse tão grande e colorido quanto o de seu pai, era igualmente belo. Ele parecia brilhar de poder, tão alto que podia tocar as nuvens brancas no céu azul, parecia tão perigoso e cheio de mistérios, que fez o coração de Ari se apertar de curiosidade e emoção. Quem dera pudesse vê-lo por dentro!

– Ele mora aqui – contou-lhe Linfa.

Desde então Aria sempre visitava o castelo, sonhando acordada com o que teria lá dentro. Durante as longas noites ela se sentava perto das rochas e cantava tristemente, esperançosa de que o príncipe a ouviria. Então um dia ela aproximou-se tanto da terra que chegou a sentar-se por baixo de um grande terraço que projetava uma sombra fresca e segura sobre as águas tranquilas. Ali, a sombra prateada do luar, ele apareceu.

Primeiro ela ouviu a voz, depois ele se aproximou do grande terraço, ficando acima dela. Ela soube que era ele no instante que se aproximou, com apenas o chão separando-os. O coração de Aria batia descontrolado no peito, como se tentasse chamar o príncipe para ela outra vez. Fazia tanto tempo desde que o salvara, que mal podia acreditar que finalmente o encontrara outra vez. Mas então ele virou e foi para longe dela outra vez.

Durante muitos dias ela se aproximava e o via, escondida dos olhares curiosos dos seres humanos. Ouvia-o passar pertinho dela, às vezes ele viajava de navio e ela o acompanhava. Ouvia também os pescadores falarem sobre o príncipe, e ficava feliz em saber que tinha salvado-lhe a vida, mesmo que ele nem soubesse que ela existia e talvez nunca saberia.

Com o passar dos dias, Aria apaixonava-se mais pelos homens e sua cultura, ficava desejosa de subir até eles e observar os navios, as montanhas, os campos verdejantes e as grandes cidades. Ficava tão curiosa que interrogava a avó, que conhecia muito bem o mundo além do mar.

– Vovó, e se os homens não morrerem afogados, eles viverão eternamente?

A velha respondia:

– Não minha querida. Eles morrem, sim. Sua existência é até mais breve que a nossa. Nós, os seres do mar, vivemos 200, 300 anos. Enquanto eles não passam dos 100. Mas nós, depois que morremos, viramos espumas do mar, cuidando daqueles que vivem depois de nós. Os humanos são mortais, depois que morrem suas almas sobem aos céus e seu corpo voltam a terra, e tudo acaba ali. Não são como nós, minha pequena. Enquanto nós cuidamos do mar, eles vivem presos a terra, e até seus corpos voltam ao pó.

Aria sentiu um aperto no peito. A distância entre ela e o príncipe era imensa, muito mais do que conseguiu imaginar.

– Mas nós não podemos conseguir uma alma mortal, vovó? Como eu gostaria de poder dançar como eles! Eu trocaria todos os meus anos de vida por um dia como humana.

– Não diga tolices, Aria! Nós somos muito mais privilegiados do que os seres da terra.

– Mas de que me vale uma alma imortal se não sou feliz? Um dia virarei espuma e nunca mais poderei sentir o calor do sol, o cheiro das flores ou o som dos passarinhos. Não há meio de conseguir uma alma mortal?

– Há sim, minha neta, mas é quase impossível. Somente a magia poderia fazer tal feito, mas o preço seria alto demais. Mas ouvi dizer que se um homem apaixonar-se por você, a alma dele se uniria a tua e somente quando seus corpos fossem um, que tua alma imortal daria lugar a mortal em troca da felicidade humana. Mas algo assim não pode acontecer, ainda mais para uma das filhas do rei! Sua cauda é sua identidade, por isso cada um de nós tem uma cauda diferente, com tamanhos e cores distintas, e essa tua cauda seria inútil na terra. Seria preciso perdê-las e ganhar pernas.

Com um suspiro longo, Aria olhou para sua cauda e alisou-a com a mão.

– Sorria, minha pequena. Aproveite seus trezentos anos de vida, dançando, cantando e se divertindo. Afinal é uma longa existência e não precisamos descansar. Não sentimos fadiga como os homens. Aproveite que hoje é dia de festa na corte, e cante para que todo o mar contemple tua bela voz!

Nenhum homem na terra poderia imaginar a beleza e grandeza de uma festa no mar. O salão onde todos se reuniam era feito de cristal, e havia milhares de conchas enormes, dispostas de cada lado, iluminando a sala com uma luz azulada que trespassava as paredes de corais e clareava todo o mar em torno do castelo. Inúmeros peixes, de todas as cores e tamanhos, com suas escamas cintilantes, se aproximavam dali.

No meio do salão as princesas cantavam e dançavam ao som de sua própria voz, rodeadas por golfinhos, tubarões e todos os tipos de animais marinhos que se possa imaginar. Mas era a voz da pequena Aria, que se destacava em meio à multidão. Foi tão aplaudida que seu coração se encheu de alegria, tanto que houve momentos em que ela se esquecera das maravilhas da terra, mas esses momentos duravam pouco.

Cansada de tanto barulho, Aria se afastou. Nadou para fora do castelo, sentia o coração pesado e não conseguia deixar de lado o rosto do príncipe e muito menos a sua vontade de possuir uma alma imortal. Sentiu-se distante de todos ali, como se ninguém pudesse compreendê-la. Abandonou o riso e o canto e sentou-se no jardim.

Onde ele estaria? Perguntava-se ela. O que estaria a fazer?

Por que ela teve de amar justo alguém que não poderia ter? Aria não soube responder, mas ao sentir o vazio terrível no peito, deu-se conta de que seria capaz de fazer qualquer coisa por ele. Decidida, ela aproveitou enquanto as irmãs dançavam no castelo, e foi procurar a única criatura capaz de ajudá-la: A bruxa do mar.

Desde nova ela ouvia os boatos sobre a terrível mulher que morava nas profundezas do oceano. Aria sentia o corpo tremer ao se aproximar dela. Sempre tivera horror de um dia conhecer a bruxa, mas seu coração sabia que não havia outra saída, só ela poderia ajudá-la agora.

Quanto mais se aproximava, mais assustada ficava. Não havia flores, nem plantas ou peixes próximo a caverna que a bruxa morava. O chão era de areia cinzenta e árida, ao longe pequenos redemoinhos giravam furiosos, engolindo tudo o que lhe chegasse ao alcance. Aria nadou com agilidade entre eles. Sabia que a menor aproximação poderia fazê-la ser sugada e seria seu fim. Logo depois uma floresta escura se erguia, formada de algas escuras e pólipos estranhos, que se moviam com vida. Seus ramos eram como braços longos e pegajosos, terminado em ventosas como as de um polvo. Os braços lembravam-na serpentes sem cabeça, que se moviam em direção a ela, tentando alcançar sua cauda e seu corpo. Aria sentia uma vontade enorme de desistir, mal conseguia enxergar direito em meio as algas, mas não desistiu. Aquela era sua única chance. Força, Aria. Repetia para si mesma. Você precisa continuar. A menina nadou com toda a força que tinha, segurava os longos cabelos com força, para que os pólipos não a agarrassem, notou que alguns apertavam com os braços longos e fortes, como num abraço mortal, algumas coisas. Eram pedaços de barcos, remos, caixas e corpos de animais e humanos, que se despedaçavam como se fossem conchas secas. Aria notou assustada o corpo de uma filha do mar, assim como ela, preso sem vida no abraço mortal daquelas criaturas asquerosas.

Chegou então em um grande salão da caverna, onde grandes enguias elétricas rolavam no chão, mostrando o ventre amarelado. Em um dos lados havia uma abertura e de lá vinha um som estranho. Aria se aproximou.

– Olá! – Seu coração deu um salto no peito ao ouvir sua voz ecoando pelas paredes da caverna.

Então uma figura aproximou-se dela, Aria sentiu os olhos se arregalarem.

Era uma filha do mar, com sua cauda púrpura e cabelos cor de ébano. Era bonita, tão bonita quanto a mais bela de suas irmãs. Tinha um olhar distante e muito triste, e olhava curiosa para a pequena Aria.

– Quem é você? – perguntou a outra.

– Sou Aria, vim atrás da bruxa do mar. – as mãos tremiam tanto que ela precisou escondê-las atrás das costas.

– Por que sempre me chamam de bruxa? Eu tenho cara de bruxa para você?

– N-não. – murmurou ela. A bruxa suspirou.

– Que queres de mim, Aria, filha do rei do mar?

Ela olhou confusa, seria esta a bruxa que sempre temi desde minha infância?

– E-eu preciso de sua ajuda, quero um par de pernas e uma alma imortal. – sentiu-se feliz ao notar que sua voz não parecia tão assustada quando realmente estava. Aria notou que os olhos da bruxa se estreitaram um pouco.

– Não acha que é muito tola por querer arriscar tanto em troca do amor de um homem, criança?

Aria fitou sem silêncio. Sabia que era tola, mas no momento isso não importava.

– Como sabe quem sou e o que quero se nunca me viu antes?

– Sou uma feiticeira, sei de muitas coisas.

– Sempre disseram-me que era uma bruxa terrível, feia e cruel. – A mulher sorriu, e Aria notou o que tinha falado, assustou-se.

– Oh não! Eu pareço feia? – Ela negou com a cabeça. – Pois então, eu não sou bruxa, sou uma feiticeira.

– Que diferença faz?

– Ahn, toda diferença, criança. Eu nasci com a magia dentro de mim. Infelizmente a magia não dá nada sem cobrar algo em troca, e preço por usá-la é a solidão com a qual convivo há tantos séculos.

– Desculpe feiticeira, eu não sabia. Não queria ofendê-la, perdoe-me por ser tão rude. – um sentimento de afeto encheu o coração de Aria. Ela sempre fora muito gentil com as pessoas, e amável. Saber que todo seu povo julgava aquela mulher de forma errônea a machucava,

– Oh, chame-me de Zarir e não se preocupe comigo, sou muito mais velha que você, criança. Agora, falemos sobre você...

Zarir se aproximou de Aria, puxou-a pelo braço e sentaram-se em uma enorme pedra.

– Desejas que o homem que salvaste, o príncipe, se apaixone por ti. E que possa viver na superfície ao lado dele e dos seres da superfície, não é? – ela concordou com a cabeça – Não achas que é tolice abandonar tua cauda e tua família, e trocar tua imortalidade por algo tão passageiro?

– Eu o amo.

A feiticeira suspirou. Sabia, em seu âmago, que nada do que dissesse a pequena princesa mudaria sua vontade. Pudera ela enfiar na cabeça da jovem o perigo que estava se metendo.

– Eu posso ajudá-la, mas preste atenção: Vou entregar-te um elixir que poderás levar para a terra antes do nascer do sol. Senta-te na paria e bebe-o todo, entendeu? Tua cauda encurtará e se transformará em pernas. Mas a magia cobra um preço caro em troca do seu uso, irás sofrer tanto que será como se estivessem cortando-a ao meio com uma espada. Muitos irão admirar tua beleza e graça ao andar, mas cada passo teu será como se pisasse em brasa. Está disposta a isso?

Com a voz muito trêmula, a princesa disse:

– Sim.

– Mas isso não é tudo. Uma vez transformada em humana, não poderá mais voltar a tua forma antiga. Nunca mais poderá ver o castelo do teu pai, ou as belezas do teu reino. E para que a magia se concretize, precisas que o príncipe se apaixone e case contigo. Tens 3 meses, até o começo do verão, se não você se transformará em espuma do mar, entendeu?

– Sim.

– Agora, para fazer o elixir eu terei de usar tua voz.

– Minha voz?

– Sim, terá de ficar sem ela, para sempre – os olhos de Aria se arregalaram e ela gemeu:

– Até isso? Mas se eu ficar sem minha voz, que me restará?

– Tua beleza, teu andar gracioso, tua olhar, tua coragem. Mas infelizmente eu preciso da tua voz. Está disposta a isso?

Aria suspirou.

– Estou disposta a tudo.

Zarir então começou a cantar, e Aria sentiu uma dor terrível na garganta, como se tivesse engolido ferro derretido. Ela sentiu-se sufocada e em pânico, segurava a garganta com as mãos, como se tentasse arrancar a dor. Tentou gritar, mas estava muda. Aria abriu os olhos, e só então se deu conta de que os tinha fechado. Viu que ao redor da feiticeira havia uma mancha vermelha, como se fosse uma nuvem flutuando no céu. Então Zarir colocou a mancha estranha dentro de um vidrinho e misturou-o com algumas substâncias estranhas, que Aria não conhecia.

– Aqui está. Quando voltares, eu mandarei os pólipos se afastarem de ti. – Zarir abraçou-a com força – Torço que tenha êxito na tua jornada, princesa. Nunca ninguém demonstrou zelo por mim, fostes a única e eu nunca me esquecerei disto. Agora vá!

Aria nadou em direção ao castelo de seu pai, notou todas as luzes do salão estavam apagadas. Sem dúvida todos já deveriam estar dormindo tranquilos. Ela não se atreveu a entrar, tão pouco iria dar-se ao luxo de se despedir de todos. Não poderia simplesmente dizer-lhes que partiria para sempre e que nunca mais poderia voltar, estava deixando-os. Sabia que se fosse assim, que se ao menos olhasse para eles, não teria mais forças para continuar. Sentiu um vazio terrível e desejou poder abraçar sua avó e seu pai. Queria também poder dizer as suas irmãs o quanto as amava, mas agora era impossível, tarde demais. Ela deslizou pelo jardim e colheu uma flor que tinha plantado junto com suas irmãs, olhou para o castelo mais uma vez e virou as costas. Afastou-se de casa e soube que jamais voltaria.


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Notas finais do capítulo

Gostou? comente. É sempre bom incentivar quem escreve. u.u
Beijo no queixo.
— Cora.



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