A Lágrima Escarlate escrita por SorahKetsu


Capítulo 7
O que é certo


Notas iniciais do capítulo

Nunca gostei muito desse capítulo. FOi aqui que eu fraquejei e inventei uma Sorah vítima, uma Sorah feita do que fizeram a ela. Gostaria que não confundissem, Sorah não é uma pessoa boa. E acho que já estão com tanto ódio dela que a desejam morta, certo? É, essa sim é a Sorah.



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- Acordem humanas estúpidas. Acham que os mayles esperam seus sonhos terminarem pra destruírem o mundo? Levantem logo, idiotas!

         Choveu a noite toda e um pouco mais. A terra sob elas agora virara lama e afundava cinco centímetros conforme andavam. À parte isso, suas vestes estavam secas e limpas.

         - Sabe, Sorah? Eu acho que tenho muito a aprender com você. E o principal de tudo isso são as novas formas de xingamento…

         Sorah revirou os olhos e suspirou contendo a raiva.

         - Vamos embora logo, humanas…-Sabrina ficou esperando Sorah xingá-la de outro nome, mas esta apenas repetiu: humanas.

         A pior parte de andar naquela lama toda era retirar os pés depois de tê-los afundado. Era algo realmente repulsivo ficar imaginando que tipo de criaturas viviam embaixo daquela terra e vinham junto de seus pés ao retirá-los.

         Sorah caminhava na frente como sempre. Mas estava confusa. Olhava para os lados, para cima e para baixo. Ouvia um som contínuo de água corrente mas não sabia definir de onde vinha. E isso era realmente estranho para um ser com a audição como a dela.

         Os fatos decorrentes foram rápidos demais para que alguma delas notasse. Tudo poderia ter sido resumido a uma queda, um grito, um susto. Mirian já estava afundando quando reparou. E Sabrina já havia caido quando se assustou com o grito de Mirian, e se virou para ajudá-la. No fim, Sorah era a única que não havia sido engolida pela lama e parado em algum lugar em baixo dela.

         Assustada, ia caindo para trás, mas teve tempo de se recompor. Respirou fundo e procurou uma lógica naquilo tudo. Como alguém podia ser engolido de uma hora pra outra pela terra?

         Ajoelhou-se e forçou o lugar onde as meninas tinham caído. Parecia firme. Tentou sentir algum cheiro mas a lama e a chuva lavaram qualquer rastro. Encostou o rosto no chão pra tentar ouvir o local onde elas estavam.

         As coisas começaram a fazer sentido.

         Agora, era tudo uma questão de escolha. Poderia salvá-las ou deixá-las definhar e morrer sozinhas, finalmente se livrando delas, sem poder ser acusada de nada. Seria perfeito.

         A princípio, a última escolha foi lógica. Deu as costas e ia andando. Até que parou e pensou um pouco. Faltava algo. Sentiu uma raiva muito grande. Não tinha certeza do que exatamente, mas deu um soco numa árvore para aliviá-la. A árvore caiu pesadamente contra o chão, mas a raiva não diminuiu.

 

         “Não fosse seu treinamento, agora, o que estaria sentindo seria tristeza e não raiva.”

         As palavras de Dart vieram-lhe à mente. Por que pensava nisso agora?

         Encostou-se num tronco e baixou os olhos. Sua cabeça estava confusa, atordoada. Uma situação como aquela não deveria deixá-la naquele estado.

         Lembrou-se de sua mãe e de seu pai. Era muito nova quando os perdeu.

         Outra recordação lhe veio à mente. Depois desta tragédia, um humano aceitou treiná-los. Foi como um novo pai para Sorah. Aprendeu a amá-lo como tal. No entanto, para conseguir viver por tanto tempo quanto um lifing, tentou absorvê-los depois de quarenta anos de convivência. E conceguiu fazê-lo com seu irmão, matando-o. Sorah fugiu dali pensando ser uma humana e ainda não entendendo por que não envelhecia como seu “pai”.

         Muitas outras recordações lhe atormentaram sem que ela soubesse exatamente o motivo. Levou a mão à cabeça e escorregou até sentar-se no chão. Lembrou-se também de suas vítimas, ou talvez, vítimas de sua raiva. Lembrava bem de cada rosto, cada feição de agonia, cada grito de piedade. Procurava, talvez, o grito e o rosto de seus pais em cada um deles?

         Além de tudo isso, sua vida e seu comportamento foram construídos por muitos outros fatos devastadores, que nem mesmo ela deseja a alguém. E que lhe vem a mente neste instante, em que essas humanas dependem dela, e só dela, pra sobreviverem.

          Os olhos fechados com toda força que podia foram novamente abertos. Palavras saíram involuntariamente. Em meio a sua respiração acelerada, murmurou:

         - Eu não quero mais ficar sozinha.

         Levantou-se e correu temendo ser tarde demais. Sabia que perto dali, havia um rio. Sabia também, que naquele ponto, ele formava uma cachoeira. O louco que atravessasse a cortina d’água, se não fosse jogado contra as pedras e morresse, entraria numa rede de túneis com irrigação de água e peixes. O local perfeito para lifings que temem a luz, viverem. E havia uma enorme colônia deles vivendo em pelo menos, setenta metros de túneis. É claro que todo lifing, originalmente, se alimenta de carne humana. Viver num regime de somente peixes não é aceitável a eles. Além do que, são poucos os peixes que sobrevivem ali sem luz solar. Portanto, quando a água aumenta dentro da caverna, eles sabem que lá fora, está chovendo. E raspam o teto para formar uma armadilha ao humano desatento. Com a terra em forma de lama, por mais grossa que seja a camada, um corpo grande o suficiente para alimentar um lifing cairá nela. Sorah é leve demais para cair. Mas Mirian e Sabrina não. Quando os lifings forem checar as armadilhas, elas serão devoradas.

         Assim que se viu de frente com a cachoeira, procurou um modo de passar por ela.

         Pegou um pedaço de galho e atirou contra a cortina. Ele se chocou contra as pedras e virou migalhas. O mesmo aconteceria com Sorah se tentasse passar e com tudo que entrasse debaixo dela.

 

         “As espadas são feitas dos melhores metais que já encontrei, senhorita.”

 

         Desembainhou a espada que comprou de Kloth.”Vamos ver o quanto ela é boa, Kloth”. A arremessou com uma força que a muito tempo não precisava usar. A espada resistiu e passou pela cortina, sendo fincada nas pedras. As águas foram divididas, cortadas pela espada, e a cortina se abriu, dando passagem para a entrada da caverna.

         Correu pra dentro, onde a temperatura caiu subitamente. A visão era inútil, tamanha a escuridão. Mirian e Sabrina estavam em sérios problemas. Não podiam sentir o cheiro nem a presença de um lifing.

         Caminhava devagar, guiada pela parede úmida e as águas que corria até os joelhos. Provavelmente, durante a chuva, elas chegavam até seu pescoço.

         Socou a água para ouvir o eco que fazia. Pelo som, o teto estava à uns dez metros de altura, o que lhe deu uma sensação de exposição, como se estivesse desprotegida. Além de lhe fazer pensar no tamanho dos lifing que vivem ali.

         Farejava o ar constantemente. E algumas vezes, o cheiro de fezes era insuportável. E outras, se assustava com o odor de lifing, ameaçando aparecer-lhe de repente.

         Não sabia em que direção ir, portanto, sempre que podia, virava à esquerda. E procurava desesperadamente cheiro de humanos, porém, tudo que encontrava era o forte e conhecido odor de cadáveres.

         A sensação dentro das galerias se tornou horrível, quando, às vezes, os cheiros sumiam, a água baixava seu nível até que caminhasse por terra úmida e seu corpo esteja em contato apenas com o ar rarefeito a sua volta e nada mais. Sentia-se parte do nada, do espaço. E chegava ao ponto de duvidar da própria existência. Queria gritar para comprová-la. Mas sabia que seria a isca perfeita para uma colônia inteira de lifings famintos.

         - Socorro!

         Uma voz atormentava sua cabeça. Vinha de uma de suas lembranças. Fechou os olhos e teve dúvida se estavam realmente fechados tamanha a escuridão em que se encontrava.

         - Socorro!

         A voz se repetiu. Agora mais forte. Pertencia a uma de suas vítimas.

         A falta de oxigênio a deixou tonta. Nada mais fazia sentido. Tudo girava ao seu redor. Aquela lembrança insistia em martelar-lhe.

         - Socorro!

         Era outra voz. Diferente das primeiras. Voz de uma criança em agonia. Era sua voz.

         Começou a socar a própria cabeça “Saiam daí! Saiam da minha mente!”

         Mas elas continuavam.

         - Socorro!

         Matara humanos por que eles mataram seus entes. Era tudo que sabia. Era sua única razão para existir. Mas tudo isso se tornou um circulo vicioso. Ela mata, eles matam, ela se vinga.

         Sentia raiva de cada uma de suas vítimas. As matava com a maior crueldade possível.

 

         “Transformar a tristeza em ódio. Para não sofrer, mas sim, fazer o outro sofrer.”

 

         Pela primeira vez em sua vida de matança, pensou realmente se quis matar cada uma das vítimas. E se sentia raiva, mas na verdade tudo aquilo não passava de tristeza?

         Era hora de definir o que é justo.

 

         - Socorro!

         Abriu os olhos. Conhecia essa voz. Era Sabrina gritando por socorro. Estavam perto. Mas um cheiro de lifings invadiu suas narinas. Eles estavam checando as armadilhas. Agora, era apenas uma corrida, e a chegada eram as humanas indefesas, perdidas no meio da escuridão.

         Correu sem medo algum de chocar-se contra as paredes. Ia saltando sempre que podia, pois a água nos joelhos diminuíam gradativamente sua velocidade.

         Viu um pequeno ponto brilhante no teto. Era uma das armadilhas entreabertas, fazendo uma pequena iluminação. O feixe que se formava chegava até a água do fundo e iluminava duas pequenas criaturas.

         - Sabrina, Mirian, saiam daí!

         Olhos amarelos chegavam cada vez mais perto das humanas. Vinham do outro lado daquele túnel.

         - Saiam daí! – gritou novamente.

         Sabrina estava desacordada. Mirian não conseguia carregá-la sozinha. A temperatura ambiente era baixa demais para a guardiã do fogo suportar mais que algumas horas. Assim, outra corrida se iniciou.

         Sorah correu até elas e pôs Sabrina nos ombros. Mandou que Mirian corresse seguiu em frente. Os lifings atrás delas perceberam o roubo das humanas e grunhiram tão alto quanto puderam.

         Mirian forçou as mãos contra os ouvidos para não ficar surda. Sorah, que estava com as mãos ocupadas, não pode fazer o mesmo. Apenas continuou correndo. E era só isso que importava agora. Continuar correndo.

         - Como vamos saber pra onde ir?

         Sorah não respondeu. Talvez nem mesmo ela soubesse. Estavam sem a visão, a única coisa que precisavam naquele momento.

         Sabrina despertou gradualmente na mesma velocidade que a temperatura ia aumentando. Assustada com os grunhidos e com o fato de estar sendo carregada, se debateu e foi derrubada na água.

         - Onde estamos? – gritou ela para tentar impor sua voz em meio a gritaria naquela caverna.

         -  Sabrina, não pergunte nada, apenas faça um pouco de fogo, anda! – Disse Mirian.

Sabrina obedeceu o quanto antes, e, com a palma das mãos, formou uma chama suficiente para iluminar o caminho.

         Logo, privilegiados com a visão, chegaram a cachoeira, onde a espada havia sido partida em quatro partes ao ser jogada contra as pedras. Não havia mais como sair.

         - Essa é comigo. – comentou Mirian.

         A pequena humana controlou perfeitamente as águas da cachoeira, apenas com as mãos. Mas foi apenas o tempo de passarem, pois ela logo caiu desmaiada, esgotada por usar mais força do que podia.

         - Mirian, acorda! Mirian!

         - Mirian está bem. – disse Sorah, jogando-se ao chão úmido da margem do rio. – é sempre assim quando se começa a usar poderes novos.

         Sabrina suava frio. Nunca esteve tão perto da morte quanto dentro daquela gruta. E se não fosse pela terrível lifing, agora, estaria certamente morta.

         - Obrigado. Você já me salvou três vezes. – disse a humana tímida.

         - Sabrina, você vai passar a treinar de agora em diante. - dizia isso parando para respirar de vez em quando. - Não vou estar sempre lá pra te proteger.

         - Essa é a… primeira vez que você diz meu nome!

         - É. E vê se não acostuma.

         - O que vamos fazer agora?

         - Não sei. Quer dar um tempo? O melhor mesmo é esperar um pouco. Mirian deve acordar só de manhã e tem muita lama pela floresta, além de muitas outras armadilhas. Teremos que esperar o chão estar seguro.

         - Eu não entendi por que você não caiu e nós sim.

         - Devido a vida fácil de vocês, sinto lhes dizer, mas estão gordas.

         Sorah podia chamar-lhe de qualquer coisa, menos de gorda. Fazia o maior sacrifício pra não passar do peso ideal, evitava comer doces, carne vermelha, pedir lanche na cantina, chegava a passar fome, só pra uma criatura anêmica chamá-la de gorda? Tudo bem, Sorah não era anêmica. Mas não podia pesar muito menos que ela. Quer dizer, Sorah era uns vinte ou trinta centímetros mais alta, assim, mesmo sendo mais magra, não podia pesar muito menos! Certo… podia… mas isso não é motivo pra chamá-la de gorda!

         - Hei, escuta aqui, se você acha que estou acima do meu peso…

         - Eu não acho, humana, você está. Eu não sei quais são os padrões no seu mundinho, mas aqui, para ser uma guerreira, deve-se ser leve, ágil e forte. Você não é nem leve, nem ágil muito menos forte. E é pra isso que eu vou treiná-las. Quem sabe não poderão se tornar guerreiras em alguns vários anos?

         - Você se acha demais.

         - E você está começando a passar dos limites comigo. Se quiser mesmo saber, demorou dez anos pra que eu aprendesse uma de minhas técnicas.

         - E qual é?

         - Em dez anos você aprende.

         Sabrina bufou de raiva. Sorah deu uma curta risadinha de deboche.

         - Hei, e o Dart? Você nunca me disse pra onde ele foi.

         - Ele tem assuntos mais importantes. É rei de um terço do território lifing desde que seu pai morreu.

         - Minha nossa! Rei? Eu conheci um rei?

         - Não se alegre tanto, idiota. Eu também mando em um terço do território. Apesar de que odeio aquelas terras.

         - Por quê? Você é rainha! Não deveria lutar!

         Os olhos de Sabrina brilhavam com o simples fato de imaginar-se sentada num trono de ouro puro, rodeada de súditos a abanando com folhas de palmeira.

         - Como assim uma rainha não deve lutar? Os governantes lideram as tropas nas guerras, humana! Se tem alguém que luta e dá a vida pelos habitantes do território, esse alguém é o rei ou a rainha! E agradeço por ser assim.

         - Estranho… no meu mundo, os governantes acomodam seus traseiros em cadeiras almofadadas, mandam outras pessoas chamarem outras pessoas, que vão liderar outras pessoas, pra lutarem por ele…

         - Como os humanos do seu mundo são…

         - Folgados? Chatos? Aproveitadores? Ladrões?

         - Eu ia dizer covardes, mas isso aí está bom também.

         - Então quer dizer que o Dart está lutando na guerra?

         - Não estamos em período de batalha. No momento ele deve estar sendo cortejado por algumas lifings da corte, que tentam fazê-lo se apaixonar – Sorah disse esta última palavra cantarolando deboche – por elas. Pobres criaturas... É mais fácil que Dart as mate.

         - Ele já gosta de alguém? – Sabrina tinha o interesse de perguntar isso desde o início da conversa – quer dizer, pra ele não querer mais ninguém?

         - Não.

         Sorah deitou-se na areia apoiando a cabeça nas mãos, de olhos fechados.

Sabrina sentiu-se feliz por aquilo. Estava, de certa forma, atraída por ele. Mesmo sendo de raças diferentes, e ele tendo cabelos azuis. Se havia algo que pudesse convencê-la a ficar naquele mundo estranho, esse alguém é Dart. No entanto, Sorah já havia lhe dito que o belo lifing jamais lhe daria atenção. Mas sempre pensou que aquela não passava de uma cena de ciúmes.

         - Você continua interessada no Dart, não é? Humanos… -debochou Sorah - Pois saiba que não vou permitir que se aproxime dele, ouviu? Você não o merece.

        

E esta também parecia uma cena de ciúmes.

 

- O que ouve entre vocês dois de verdade?

Sorah não deu muita importância à pergunta. A respondeu ainda deitada e despreocupada.

- Eu o conheço a quarenta anos. Só isso. Eu sei como cada fio de cabelo dele é.

- Você mudou muito de uns tempos pra cá…

- Que quer dizer?

- Bem, você não tem me mandado calar a boca, até me chamou de Sabrina, me salvou de novo…

- É. E não vai se acostumando, humana nojenta. Aproveita que estou de bom humor.

Sorah virou-se de lado, dando um fim na conversa.

- Eu nunca vou te entender, Sorah.

- O que disse?

- Nada não.

- Aproveite bem o descanso. Ele será curto.

Sabrina suspirou de cansaço. Deitou-se ao lado de Mirian e procurou dormir.

No entanto, uma sensação estranha a atinge. Ela se levanta assustada e olha para os lados. Havia algo errado com a lágrima.

Desesperada, enfia a mão no bolso e tira a pequena pedra vermelha quebrada. Estava brilhando como sempre.

Respirou aliviada. À parte isso, a sensação permanecia incomodando-a. Definitivamente havia algo errado com a lágrima. Mas não era com a parte que estava com ela.

 


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