Quatro Elementos: O Confronto escrita por Amanda Ferreira


Capítulo 21
Segredo


Notas iniciais do capítulo

Olá gente! Perdão pelos erros horríveis que vocês vão ver com certeza, mas estou sem word e tá meio difícil de arrumar tudinho. O capítulo de hoje não ficou tão bom quanto eu esperava, mas prometo melhorar no próximo.
Tai a foto da Claire que foi pedida, espero que tenha ficado boa. #Claire #musa
Obrigadão e boa leitura!! kissius



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Minhas pálpebras pareciam pesadas demais. Forcei ate conseguir abri-las. A claridade entrava pela porta entreaberta e pela janela com cortinas brancas quase transparentes.

Coloquei a mão na testa percebendo que estava suando. Virei de lado e analisei o ambiente novo. A parede era revestida com um tom amadeirado, pintura a óleo, eu diria. O quarto era um retângulo pequeno. No canto perto da janela tinha um guarda-roupas de madeira escura, ao lado dele uma cômoda do mesmo material. Perto da porta uma cadeira com uma bolsa preta em cima, ao que me parecia ser a minha. A cama onde eu estava ficava também no canto do lado oposto do guarda-roupas.

Me sentei vendo as cortinas baterem deixando o ar de terra entrar. Remexi no cabelo e de relance vi algo estampado no meu braço esquerdo. Virei o pulso e quase suspirei de alivio. La estava a marca, a mesma marca que me identificava como uma dominadora. Os traços circulares e em curvas como se fossem ondas.

Pousei a outra mão em cima da marca notando que estava mais quente que o resto do meu corpo. Coloquei os pés no chão e andei pelo quarto ate chegar na janela. Abri as cortinas vendo um sol preguiçoso no céu azul. A paisagem era... apenas arvores.

Balancei a cabeça e olhei para o lado dando de cara com o meu reflexo num espelho de parede que ficava aos pés da cama. Me aproximei prestando atenção nos meus traços. Meus cabelos pareciam bonitos, minha pele, ate o meu rosto parecia ter vida de novo. Aproximei mais olhando meus olhos castanhos brilharem e rapidamente como se piscassem passar para um verde-água. Dei um pulo para trás e me fitei no reflexo vendo os olhos normais de novo.

Coloquei a franja atrás da orelha e fui ate a porta pegando a maçaneta e puxando devagar fazendo um ruído incomodo. Pisquei algumas vezes com a claridade ainda maior no lado de fora. Era um pequeno corredor com o chão de madeira. Ali perto da porta tinha uma escada que levava ao andar de baixo. Andei com cuidado e desci as escadas que dos dois lados tinha corrimões de metal.

O andar de baixo não era muito diferente do de cima. O chão de madeira e paredes iguais. Parecia ser a sala de estar: uma janela grande sem cortinas, um tapete vermelho-escuro que cobria boa parte. Um sofá marrom-claro ficava de frente para uma pequena mesa com uma TV de plasma em cima.

Ao lado oeste da sala tinha uma porta também de madeira com detalhes em metal. Era maior do que as outras e provavelmente era a saída. Mas também no lado oeste, na parte perto da escada tinha outra porta. Ao lado leste tinha a cozinha, que de onde eu estava dava para ver apenas uma porta de vidro e uma coluna de pedra deixando a mostra alguns armários de parede.

Em baixo da escada no lado leste tinha outra porta fechada. Pude ouvir o som do chuveiro ligado lá dentro e o vapor saindo debaixo da porta. Andei pela sala e ali perto da porta da cozinha tinha um pequeno armário com um vaso de vidro em cima. Estava cheio de água e tinha algumas rosas vermelhas dentro. Fiquei de frente para o vaso e estendi as mãos. Remexi os dedos pequenos e suspirei esperando algo acontecer.

Nada a principio, mas logo depois senti alguma coisa fluir dentro do peito e subir ate a ponta do dedos. A água dentro do vaso tremeu e se levantou timidamente fazendo movimentos lentos conforme os meus dedos.

Senti um sorriso se formar nos meus lábios e um alivio percorrer meus músculos. Tinha voltado, eu estava bem de novo e...

Deixei as mãos caírem junto com a água, molhando o chão de madeira assim que a porta em baixo da escada se abriu. Engoli em seco e ele pareceu se assustar assim que me viu também.

– Oi! – falou dando um sorriso meio que aliviado.

– Oi! – sussurrei olhando para o chão molhado na minha frente.

– Como está se sentindo?

Ergui os olhos o analisando. Os cabelos escuros estavam molhados quase pingando. Estava com uma calça jeans e uma toalha branca pendura no ombro nu. A sua pele clara parecia bonita e macia me deixando com vontade de ir toca-lo. Os músculos transpareciam dos seus braços e do abdômen. Tive que olhar para o chão de novo quando mirei no seu rosto.

– Bia? – ouvi seus passos se aproximando.

– Estou bem. – o encarei. Ele agora me fitava com seus olhos grandes e verdes. – Estou ótima.

Deixei um sorriso escapar e vi ele dar um sorrisinho me olhando de maneira carinhosa. Mordi o lábio receosa e me aproximei levantando os olhos para vê-lo. Estendi a mão e deslizei pelo seu rosto. Passei pelos olhos, as bochechas, o nariz afilado e pequeno, a boca desenhada perfeitamente, o queixo com uma dobrinha dando aquele ar de anjo no seu rosto.

Levantei na ponta dos pés e segurei seu rosto com as mãos. Me aproximei mais fechando os olhos, deixando o seu perfume doce de menta invadir o meu corpo. Ele se aproximou juntando os nossos lábios devagar, me causando um arrepio.

Suspirei frustrada. Passei os braços no seu pescoço o puxando para mim. Mordi seu lábio inferior, para depois passar a língua pelos seus lábios. Entrelacei os dedos no seu cabelo molhado e senti sua mão apertar minha cintura.

Estremeci quando sua língua se movimentou lentamente analisando minha boca. Tirei uma das mãos do seu pescoço e deslizei pelas suas costas, sentindo seus músculos se contraírem com o meu toque. O toque áspero da sua calça jeans ficou ao meu alcance. Deslizei a ponta dos dedos para dentro dela, mas fui impedida.

Ele segurou meu pulso e se afastou para me olhar. Ergueu uma sobrancelha e puxou a minha mão para frente a segurando. Dei um sorriso malicioso.

– Tem certeza de que está bem?

Assenti puxando minha mão da dele para enlaçar seu pescoço de novo.

– Nós dois sabemos o que queremos. – falei baixo passando a mão esquerda no seu rosto. – Eu só... só não quero mais medo.

Ele me olhava confuso.

– Do que tem medo? – falou devagar.

Balancei a cabeça e o puxei num abraço. Fechei os olhos tentando apagar as memorias.“ É hora de seguir em frente!” _ pensei.

– Tem medo de que B? – ele voltou a perguntar.

– Podemos conversar depois? – olhei seu rosto preocupado. – Quero fazer umas perguntas e... te contar uma coisa.

– Tudo bem. – ele assentiu passando a ponta dos dedos no meu rosto. – Pego uma toalha pra você. – falou assim que viu meu olhar no banheiro.

Sorri sentindo um frio percorrer meu corpo assim que ele se afastou indo para o lado oeste da sala ate a porta que estava fechada. Voltou alguns segundos depois com mais uma toalha branca nas mãos e me entregou dando um sorriso angelical.

– Obrigado! – cheguei perto dele de novo e levantei mais uma vez na ponta dos pés para beijar sua bochecha quente.

Lhe dei as costas e entrei no banheiro pequeno e branco. Um banho talvez possa me ajudar a clarear as ideias.

***

Claire

Mais um osso se quebrando e um rugido. Me encolhi colocando os braços para trás segurando na pilastra da escada. Dei mais uma olhada no Jonny a alguns metros de mim. Ele estava focado na cena a sua frente.

Mais um rugido, um mais alto dessa vez. As suas costas se curvaram para cima e finalmente vi a forma do lobo aparecer. Hoje: noite de lua cheia. Amanha: noite de natal.

– Aí Vicente! – o Rick gritou do lado escuro da floresta chamando a atenção do lobo negro e enorme. – Que tal brincarmos de caça ao tesouro?

Vi os dentes brilhantes do lobo aparecer e mais um rugido de raiva. O Rick se moveu e logo consegui ver seu rosto. Assim que a chama vermelha das suas mãos se iluminou.

– Vamos fazer assim. – ele falou de novo. – Segue a chama brilhante e mostra onde está a lapide.

Me endireitei dando alguns passos. O Vicente deu um uivo-rugido assim que o Rick entrou na mata levando com ele o fogo cintilante. Um segundo depois o Jonny sumiu do seu lugar, também entrando na floresta. O Vicente mostrou os dentes mais uma vez olhando para trás para me encarar e logo seguir o Rick no escuro.

Suspirei aliviada e estiquei o corpo pegando impulso para uma longa corrida. Passei pelas arvores escuras. O vento a minha volta era favorável, e caso alguma coisa venha me at...

Senti minha calça rasgar em algum lugar assim que meu próprio corpo atingiu alguma pedra ou algo assim. Coloquei a mão na cabeça e uma das mãos no chão para me levantar. Antes que fizesse força para cima, bati de novo no chão sentindo um peso sobre o meu corpo.

Virei a cabeça encontrado um par de olhos castanho-dourados me encarando, mas também presas a centímetros do meu rosto. Pude ver também os pelos marrom-chocolate balançando com o vento.

Apesar do claramente lobo em cima de mim ser assustador, eu não estava com medo. Ele pareceu acalmar sua respiração e apenas me encarava. Os olhos perfurando os meus de uma maneira tão intensa que cheguei a considerar algum tipo de hipnose.

Só me dei conta de que o lobo aos poucos foi mudando de forma quando seus olhos mudaram também, assumindo um tom azulado, meio cinzento. A pele era da mesma cor da minha: pálida. Mesmo no escuro eu pude notar que seu cabelo era claro caindo um pouco nos olhos.

Ele continuou a me encarar com os olhos alarmados, como se tivesse levando um choque. E por algum motivo idiota, meus olhos também não conseguiam se desviar e o meu coração disparou martelando no meu peito. Ele respirou fundo fechando os olhos por um instante para voltar a me encarar. Pude sentir um aroma fluir da sua pele, um perfume fraco e bom de eucalipto. Ele soltou devagar as mãos que pressionavam os meus pulsos, onde antes estavam as enormes patas de lobo. O lugar onde suas mãos me soltaram de repente se aqueceu e meu corpo estremeceu.

Respirei lentamente me sentindo meio tonta. Mexi os dedos e antes de ser hipnotizada pelo seu olhar mais uma vez, estendi-as ate seu peito nu trazendo a tona todo o ar que rodopiava a nossa volta. Seu corpo imediatamente saiu de cima de mim sendo arrastado para trás, ate bater na árvore curvada ali perto.

Me sentei no chão de folhas e levei as mãos no coração ainda sentindo-o disparado. Meu corpo estava mais quente que o normal e não entendo essa sensação de...

Levantei os olhos vendo o garoto se levantar esfregando a testa e tirando o cabelo dos olhos. Estava com uma calça de moletom e sem a camisa. A claridade da lua cheia cintilava sua pele e os músculos a mostra.

Forcei meu corpo a ficar de pé e lá estávamos nós, nos encarando de novo. Não sei porque, mas o olhar de um estranho era... fascinante.

– Você. – ele deu um passo na minha direção. – É...

Uma chama vermelha interrompeu sua fala o atirado para o lado. Arregalei os olhos sentindo meu coração reclamar. Dei um passo involuntário e fui puxada de volta sendo virada bruscamente.

– Tudo bem? – o Rick segurava meus ombros me olhando. – Que cara é essa? Ele te machucou?

Neguei com a cabeça e desviei meus olhos do Rick e comecei a procurar na escuridão, ate ver os olhos brilharem e um som baixo.

– O Vicente não está sozinho. Ele tem um bando e parece que finalmente encontraram o lugar onde ele estava sendo escondido, ou seja: casa da Kate. – o Rick olhou rapidamente o lobo marrom sair da escuridão. – Precisamos pegar a lapide antes deles e mesmo que o Vicente fuja.

O rugido atrás de nós fez o Rick me olhar com pressa. Mais um lobo estava ali agora, era mais claro.

– Não deixa nada acontecer com a Lucy. – falou. – Promete?

Assenti rapidamente me livrando dos seus braços e indo ate a saída da florestas. Parei me virando para olhar o lobo marrom ainda me encarando. Suspirei frustrada comigo mesma e voltei a correr de volta a casa.

Só precisei girar uma vez para acertar um lobo cinza que me seguia. Avistei a casa da Kate e tentei correr mais rápido. Entrei porta adentro e vi a Lucy agachada debaixo da mesa.

– Cade a Kate? – perguntei me abaixando para vê-la melhor.

– Tá lá! – apontou para a sala.

– Lu. – segurei sua mão. – Não sai de perto de mim.

Ela assentiu e eu a puxei pela mão. Chegando a sala pude ver a Kate disputando força com o enorme lobisomem que o Vicente se transformava. O Jonny estava do outro lado com um lobo branco em cima dele.

– Ok! – suspirei.

Soltei a mão da Lucy para erguer as minhas sentindo o poder flutuar a minha volta. Fechei os olhos por uma fração de segundo e com certeza eles mudaram, assim que a marca no meu braço esquerdo pulsou. Abri as mãos que estavam fechadas e arregalei os olhos. Meus pés saíram do chão, assim como tudo a minha volta.

Joguei toda a lufada de ar para a frente. Vi tanto a Kate quanto os outros irem para trás batendo com toda força na parede. O Jonny se levantou mais rápido e passou pela sala pegando o lobo que antes estava em cima dele. Ele o segurou por trás e num golpe só torceu o seu pescoço.

Vi o Vicente me olhar com seus olhos azuis e estranhos, depois para a porta. Ele olhou para a lâmpada e uivou. Um uivo alto que indicava liderança e força. Em seguida, sem fazer mais nada correu como um raio passando pela janela aberta.

– Ele vai fugir. – a Kate falou indo em direção a janela.

– Não vale a pena Kate! – o Jonny segurou o braço dela.

Desci os meus pés para o chão e segui o sangue que sujava o piso.

– Morderam você? – perguntei olhando a mão ensanguentada do Jonny.

– Chega uma hora, minha cara. – ele soltou a Kate e andou ate a escada se sentando ali, parecendo cansado demais. – Que não somos fortes o bastante.

– Vai te matar. – ouvi a Kate sussurrar.

– Todo imortal um dia vive demais. – ele deu de ombros. – Só uma questão de horas.

Olhei a Kate cruzar os braços sobre o peito e ficar imóvel ali. Me virei e a Lucy estava com uma expressão vaga no rostinho. Andei ate ela e abaixei na sua frente.

– Desculpe por isso Lucy. – falei estendendo a mão para segurar a sua. – Você não precisava ver isso.

– Tá tudo bem Claire. – ela falou apertando minha mão. – Eu bebo sangue. Isso também não é normal.

Suspirei aliviada e a abracei passando a mão pelo seu cabelo comprido. Avistei a figura entrando pela porta da cozinha.

– Esse bando inteiro me deu dor de cabeça. – o Rick falou passando por mim e dando uma piscada. – E a nossa amiga ajuda nisso ai sanguessuga. – apontou para o Jonny enquanto a Liz entrava pela cozinha também.

– Tai seus inúteis! – ela passou por mim e jogou o que me parecia ser a tal lapide no sofá.

– Finalmente você fez algo certo. – o Jonny falou dando uma risadinha.

A Liz o encarou por um segundo e depois se virou fechando a cara. O Jonny revirou os olhos e pude ver rapidamente a Kate bufar.

A Lucy correu ate o Rick e parou na sua frente, puxou o seu braço direito e ele fez uma careta.

– Quem fez isso? – ela perguntou analisando uma mancha vermelha no pulso do dele. Me aproximei para ver melhor.

– Não é nada. – ele falou tentando esconder.

– Foi mordido também? – perguntei incrédula.

– Foi só um arranhão. – falou. – Está tudo bem.

– Não vai ficar daqui algumas horas. – o Jonny resmungou.

– Eu posso ajudar. - ouvi a Lucy sussurrar mais para ela do que para nós.

– O que Lu? - o Rick meio que se inclinou tentando ver o rosto da garotinha.

Ela não respondeu, apenas puxou mais o braço do Rick e colocou sua mão em cima do arranhão. Fechou os olhos e deu um suspiro baixo.

– Lucy, o que está fazendo? - o Rick perguntava olhando para ela.

Ela continuou de olhos fechados e pude ver o Rick se contorcer e logo depois a Lucy soltou o seu braço e se afastou com um sorriso um tanto satisfeito no rostinho pálido. Segui o seu olhar ate o pulso do Rick. O local onde estava o machucado tinha sumido deixando apenas uma pequena cicatriz na pele translucida dele.

Me aproximei da Lucy ao mesmo que o Rick e eu nos entreolhamos.

– O que você acabou de fazer? - perguntei a olhando meio chocada.

– Ela o curou. - a Liz respondeu pela garota. - Mais um bom efeito de ser a âncora de um autoconfiante.

– Autoconfiante? - o Rick ergueu uma sobrancelha para a Liz.

– É isso que vampirinha ai é. Uma mutante que deposita confiança em alguém. Você é uma âncora para ela. - a loira explicou. - Ela deposita tanta confiança, que chega ao dom da cura, mas apenas ao seu escolhido, que no caso é o senhor Henrique.

Olhei meio bobada para a Lucy que nos encarava com um meio sorriso.

– Isso foi incrível Lucy. - falei dando um sorriso maravilhada para ela.

– Foi sim. - o Rick pegou as mãos dela e sorriu. - Você é incrível.

***

Felipe

Foi como um domino, caiu um e vão todos juntos. O que eu tinha acabado de arrumar na mesinha de quarto, os enfeites que já tinham ali. Resmunguei por dentro e me virei a tempo de ver a porta se abrindo.

– Desculpa Lipe. - ela falou de cabeça baixa.

– Tudo bem. - cocei a cabeça. - Eu que estava concentrado demais. Pode entrar.

Ela que estava escondida só com a cabeça para o quarto, se moveu e ficou parada na soleira. Posso sentir seu constrangimento daqui. Ela estava enrolada na toalha branca que eu tinha lhe entregado antes de ir para o banho. As duas mãos agarradas segurando a toalha fortemente no peito para que não caísse. Os cabelos estavam molhados caindo livres, deixando alguns pingos no chão de madeira.

Não pude evitar subir e descer o meu olhar algumas vezes pelo seu corpo e a felicidade da toalha ser curta demais, apesar da Bia não ser tão alta.

– Eu... - ela começou. - Trouxeram minhas roupas?

Assenti me levantando do chão e indo ate a cama para puxar debaixo dela uma bolsa preta que a Kate tinha arrumado para a Bia.

– Eu sem querer abri sua mala lá em cima, porque pensei que era a minha. - ela balançou a cabeça. - Desculpa.

– Sem problemas. - sorri estendendo a bolsa para ela.

– Obrigado, mas... posso me trocar aqui e depois eu levo lá pra cima?

– Claro, claro. - voltei deixando a bolsa na cama. - Fica a vontade.

Ela entrou no quarto passando lentamente por mim, deixando seu perfume para trás. O cheiro estonteante de flores com brisa do mar.

Suspirei tentando esvaziar a minha mente de: "estamos sozinhos numa casa"; " ela de toalha"; "como eu queria arrancar a toalha e...

– Felipe?

Me virei rapidamente limpando a garganta. Ela me fitava parada no meio do quarto.

– O que?

Ela olhou para o chão, depois para a porta atrás de mim e voltou a me fitar.

– Claro! - dei um riso baixo. - Já estou saindo, eu só estava... deixa pra lá.

Abri a porta e sai o mais rápido possível a fechando com mais força do que o necessário. Encostei nela mesma, deslizando ate sentar no chão frio. Escorei meus braços nos joelhos e levei as mãos na cabeça maltratando meus cabelos ainda molhados.

"Eu posso fazer isso!".

– Relaxa Felipe. - sussurrei para mim mesmo. - É só não pensar. O mundo está desabando lá fora.

Dei um tapa na testa e fechei os olhos. O som do quarto invadiu meus ouvidos. Seus passos leves, a toalha sendo colocada gentilmente na cama, a bolsa sendo aberta, algo sendo tirado de dentro dela, um suspiro, algum dos enfeites cair, outro feixe se abrindo... se fechando, alguns pingos no chão...

Tum tam tum

Dei um pulo do lugar sendo despertado das minhas imaginações. Engoli em seco e andei receoso ate a porta grande de madeira. Suspirei algumas vezes antes de abrir só um pouco para ver quem era.

– Olá! - falou a voz do lado de fora. Passei a mão no rosto e abri a porta dando um sorriso.

– Oi!

– Desculpe incomodar, mas o meu marido me disse que tinha alguém na casa e eu pensei que era a dona. Uma jovem adorável, nós costumávamos conversar aqui. - uma senhora falava empolgada me olhando.

Devia ter no máximo 1m e 60. A pele parda, o rosto redondo, o corpo robusto, cabelos castanhos-escuros e brilhantes, assim como os olhos apertados e pequenos. Ela estava com um vestido florido deixando seu corpo ainda mais avolumado, sapatilhas e os cabelos presos num coque bem feito. Nas mãos segurava uma vasilha de plástico branca com um pano xadrez de vermelho e branco por cima.

Ela tagarelava sem parar dando um sorriso atrás do outro.

– Compraram a casa? Ou só alugaram? - perguntou finalmente esperado minha resposta.

– Nenhum dos dois, na verdade. - me esforcei para parecer educado, que não é o meu forte. - Só vamos passar um tempo. Somos amigos da dona.

Não sei se estou falando mais do que devia, mas a senhora na minha frente abrindo um sorriso iluminado, não me parecia ameaçadora.

– Ah! Que ótimo! - sorriu. - Estão de férias? Você e sua namorada?

– Sim. - sorri.

– É sempre bom passar um tempo longe da confusão que é a cidade. - ela revirou os olhos dramaticamente e depois sorriu. - Aqui é um ótimo lugar. eu e minha família nos mudamos a algum tempo, logo depois de...

Seu rosto se enrugou numa máscara de tristeza. Ela então suspirou e deu um sorriso amarelo.

– Perdemos um filho. - falou por fim.

– Eu sinto muito. - era isso que as pessoas falariam, não é? Mesmo sem saber como.

– Tudo bem meu jovem. - o seu sorriso voltou. - Já faz muito tempo.

Assenti vendo ela tirar o pano de cima da vasilha e estender para mim. O cheiro que saia de dentro era deliciosamente bom. Com certeza um molho ótimo.

– Trouxe de boas vindas. Somos vizinhos diferentes e sozinhos. Então estamos muito felizes que vocês vão ficar por aqui.

– Nossa! - finalmente sorri de verdade. Nunca tinha visto isso antes. - Muito obrigado mesmo, não precisava se incomodar.

– Sejam bem-vindos!

– Obrigado! - peguei a vasilha vendo que era algum tipo de torta salgada. - A senhora é muito gentil, de verdade. Senhora...

– Que falta de educação a minha. - ela balançou a cabeça. - Nem me apresentei. Senhora Luiza. Me chame de Dona Luiza.

– É um prazer. - segurei com uma mão a vasilha e a outra estendi para cumprimenta-la. - Felipe.

– É um prazer Felipe! - ela me parecia sincera. - Bom... dê um olá para sua namorada por mim e mais uma vez: sejam bem-vindos!

– Muito obrigado. - dei um sorriso sincero e vi o seu rosto se iluminar.

– Depois conversamos mais. Minha filha está chegando. - ela falou se afastando de mim e acenando. - Ate mais!

Acenei de volta e fiquei olhando ela se afastar rumo a uma casinha perto de alguma árvore com frutas.

Sorri surpreso e entrei fechando a porta. Passei pela pequena sala de estar e entrei na cozinha deixando a "torta de boas vindas" na mesa.

– Pensei que eramos os únicos por aqui.

Me virei dando de ombros e sorrindo. Ela sorriu de volta colocando o cabelo atrás da orelha.

– Parece que não. - falei apontando para a torta. - Só nos certificarmos de que não está envenenada.

– Hmmm! - ela se aproximou olhando para a torta. - Parece boa.

– Ótima! - desci os olhos analisando seu short jeans, a camiseta branca e chinelos.

– Que foi? ela olhou a própria roupa quando viu o meu olhar. - Eu sei. A Kate que arrumou a bolsa, não foi?

Assenti descendo o olhar mais uma vez.

– Ela acha que vou passar as ferias de verão e me manda só esse tipo de roupa. - apontou para o short.

Não pude deixar de rir da expressão dela.

– Bom... - respirei fundo. - Melhor do que eu ter arrumado.

Vi suas bochechas ficarem vermelhas de imediato e ela arregalar os olhos.

– Seria vergonhoso. - falou dando um sorriso, mostrando os dentes brancos e alinhados.

Revirei os olhos esticando a mão para deslizar pelo seu rosto. Senti o choque correr de onde meus dedos estavam ate todo o meu corpo. Dei dois passos para mais perto, cheguei o rosto mais e mais próximo do seu. Ela piscou algumas vezes rapidamente, depois soltou a respiração fazendo seu halito frio atingir o meu rosto.

– A nossa conversa pode ser agora? - ela se encolheu para que eu não me aproximasse mais.

Soltei um longo suspiro e me afastei mordendo o lábio inferior.

– Pode. claro!

Ela deu um sorriso tímido que acho que nunca a vi fazer antes. Se afastou de mim indo ate a pequena sala de estar e se sentou delicadamente no sofá, bateu no espaço vazio do seu lado e foi para lá que me dirigi.

Ela cruzou as pernas se sentando de frente para mim.

– Nem sei por onde começar...

– Olha. - a interrompi levantando minha mão no ar. - Quero que saiba que estou muito feliz por finalmente estarmos conversando, quer dizer... a gente tem andado tão distante. eu nunca sei o que falar nem fazer, porque você não me diz o que está pensando, o que quer.

– Me desculpa por isso Felipe. - suspirou. - Eu realmente me perdi. E tudo isso porque aceitei um feitiço, confiei na Liz e...

Ela me encarou se remexendo no sofá para se aproximar mais.

– Lipe. - mantive a cabeça abaixada. Tudo o que ela fez foi para me trazer de volta, para que eu não morresse. Tudo o que está acontecendo com ela, é culpa minha. - Por favor, não pense que a culpa é sua. Eu sei que está pensando isso.

– E não é? - dei um sorriso irônico.

– Não. Eu jamais vou me arrepender do que fiz. Nunca. - ela estendeu a mão para levantar meu rosto. - Não fiz por mim, nem mesmo por você. Fiz por nós. Porque queria mais uma chance pra nós dois.

– Bia...

– Queria ficar com você, mas de verdade. Inteiramente. E não, eu não me arrependo e não importa o que aconteceu ou o que vai acontecer. A unica coisa que importa é que você está aqui. - ela se afastou para segurar a minha mão. - O que eu mais quero é ter você, quero... - ela se interrompeu abaixando a cabeça e tirando sua mão da minha.

– O que? Pode me contar o que quiser B. - peguei a sua mão de volta.

– Quero ser inteiramente sua. - senti um arrepio percorrer meu corpo com suas palavras. - Mas pra isso eu tenho que te dizer tudo. Abertamente.

***

Bia

Suspirei deixando as memorias invadirem minha mente. Se quero que o Felipe confie em mim e... não desista, preciso contar tudo. Exatamente tudo.

– Bia. - senti a sua mão acariciar a minha e levantei os olhos para vê-lo. - Eu jamais vou desistir de você. - ele se limitou a dar um sorriso. - Eu te amo. Assim, do jeito que você é.

Não pude impedir o sorriso se formar nos meus lábios. É claro que ouvir isso me deixa mais segura, mas pra quem amamos, segredos devem ser revelados.

– Você também quer, não é?

Vi a confusão se formar nos seus olhos. E ele mexer a cabeça como "o que?".

– Eu sempre... desisto quando... eu não tenho coragem. - as palavras não vinham. - Eu nunca falei com ninguém sobre isso. Ninguém mesmo.

– Bianca. - ele se endireitou no sofá. - Não estou entendendo.

– Quando a Melaine me deixou na clinica, eu pensei que nunca mais fosse sair dali. Pouco me importava sair também. Pra mim não ia fazer sentindo tentar ter uma vida aqui fora. - ignorei sua expressão confusa. - Quem eu tinha aqui afinal? Pra que sair? Eu só era mais um mostro sem um destino com final feliz ou algo do tipo.

Foram meses vazios, sem sentindo, sem vida. - suspirei para recuperar o fôlego. - Eu enxergava tudo em preto e branco. Nada mais importava. Quanto mais os dias passavam, mais eu tinha certeza de que ia ficar ali. - dei um sorriso amarelo me lembrando do passado. - Ate... ate ele aparecer.

No primeiro dia foi só mais um que ia e vinha para ver se eu não estava tramando uma fuga. - dei uma risadinha irônica. - Então eu vi que ele era o único que me olhava diferente. Sem medo, sem raiva, sem nojo.

Fiquei em silencio por um longo minuto e o Felipe esperou paciente a minha volta. Pisquei duas vezes e olhei para ele. Acho que ele entendeu que eu queria contar algo "importante" para mim.

– A primeira vez. - continuei. - Eu pensei que era a minha salvação. - balancei a cabeça. - Não era. Eu não entendi bem, ate me dar conta de que era errado, de que doía, muito. No começo fisicamente, mas depois foi dentro, na alma. - fechei os olhos tentando afastar a dor. - Pode parecer idiotisse, mas eu tinha doze anos. E foi assim durantes varias vezes na semana, no mês, no ano. Sendo obrigada a fazer algo que eu nem sabia realmente o que significava.

Todas as vezes que a porta se abria eu me encolhia. Não podia fazer nada: gritar, bater, muito menos usar o meu dom, porque isso era anulado o tempo todo. Ele simplesmente vinha, ficava satisfeito e me deixava ali. Como um objeto, apenas um objeto de prazer.

– Bia. - o Felipe apertou minha mão e só ai me dei conta das lágrimas querendo descer. Respirei fundo as trancando.

– Eu fui pegando cada dia, cada dor, cada palavra e guardando pra mim. Quatorze é a minha idade preferida. - sorri. - Quando eu finalmente vi que podia fazer alguma coisa... e fiz. Fiz ele sentir cada mínima dor, cada mínimo detalhe que eu senti. E foi a primeira vez que eu tive prazer de verdade.

Suspirei aliviada, me sentindo mais leve por ter dito tudo em voz alta. Observei o Felipe para ver se ele tinha entendido e qual seria sua reação. Ele simplesmente soltou a minha mão e me puxou inesperadamente para um abraço quente e aconchegante.

– Eu sinto tanto. - ele sussurrou. - Mesmo.

– Não sinta. - me afrouxei do seu abraço. - Já passou.

– Bianca, ele abusou de você durante mais de um ano. Isso... isso é monstruoso.

Dei de ombros apertando as mãos nos olhos para as lágrimas não saírem.

– Eu só quero te pedir um tempo quanto a isso. Eu sei que já passou, mas eu não consigo simplesmente ignorar isso. - ele esticou a mão para limpar uma lágrima que me escapou. - Só um tempo para que eu esqueça.

Vi ele dar seu sorriso de anjo se aproximar mais de mim acariciando o meu rosto com a mão. Minha visão embaçou quando ele ficou perto demais me perfurando com seu olhar. Sua respiração batendo na minha e finalmente seus lábios nos meus. Delicadamente, terno. Nossas bocas em sincronia e as batidas dos nossos corações.

– Eu nunca - ele segurou meu rosto entre as mãos me fazendo encara-lo. - Vou te forçar a nada. Quando quiser, quando puder, quando realmente estiver pronta pra mim, eu vou estar aqui. Te esperando.

Tentei sorrir em meio as lágrimas que agora desciam grossas sem permissão.

– Obrigado por confiar em mim. - ele entrelaçou nossas mãos e me olhou nos olhos. - Tudo no seu tempo.


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Notas finais do capítulo

Até o próximo! Bye



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