As Aventuras de Rin Casaco Marrom escrita por Sem Nome


Capítulo 21
Aquele em que Miku e Neru se tornam ração para gigantes.


Notas iniciais do capítulo

Oi, de novo! *troca o peso de um pé para o outro*
Desculpa a demora! Passei mais ou menos duas semanas viajando, e quando fiquei de férias, viajei.
Mas agora vou me dedicar completamente à fic :D



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Neru, pelo visto, não gostava de perder tempo. Assim que recebeu o grande prêmio, afastou-se da multidão, sem nem mesmo apertar a mão do rei e da rainha.

Era rápida e, mesmo andando, sumiu do campo de visão de Rin em segundos (ou talvez ela fosse muito baixa e, no meio de tanta gente, era fácil perder algo de vista, mas jamais admitiria).

As outras pessoas também pareciam confusas, sem saber se deveriam ou não seguí-la. O olhar da menina pousou em uma das flechas de Neru, e uma ideia lhe veio a mente. Foi até um dos alvos e, com cuidado para não tocar na ponta onde o arqueiro segura o dardo, arrancou a flecha.

Talvez fosse exigir demais dele, afinal o cheiro das pessoas ao redor poderiam mascarar o da arqueira, mas não custava tentar usar o faro de Len como localizador.

Ele já devia ter uma ideia do que teria que fazer a seguir, pois não se demorou em cheirar a ponta da flecha e depois fazer o mesmo com o ar ao redor.

– Vamos torcer para que o vento esteja do nosso lado – segurou a mão do rapaz assim que ele começou a andar para na direção de uma das ruas da cidade.

Como Rin já esperava, ele estava sentindo dificuldades em encontrar a trilha da arqueira, mas, por sorte, a cidade estava cheia de pessoas (devido ao torneio) e as casas eram praticamente grudadas umas nas outras, sendo praticamente impossível andar sem ser jogado em uma das paredes, deixando uma marca.

Passaram um bom tempo vagando pela cidade, perdendo uma trilha e encontrando outra, passando por ruelas, becos, lojas e bares, e sendo expulsos dos dois últimos por ser contra as normas cheirar as roupas que faziam espirrar dos humanos. Len estava começando a ficar frustrado, parecia que Neru lhe estava pregando uma peça, deixando sua marca em vários locais diferentes, só para deixá-lo confuso e irritado.

Até que uma brisa úmida trouxe consigo o cheiro da moça, dessa vez, bem mais forte do que as marcas nas paredes e chão. O odor vinha de mais uma ruela escura e cheio de coisas velhas e fedidas de humanos.

Len rosnou e deu passos duros até o pequeno beco.

– Tenha calma – pediu Rin – Precisamos dela respirando – o braço dele, aquele que estava imobilizado até dois dias atrás, não estava ainda em seu total potencial, mas ainda assim, Len poderia facilmente matar um homem com uma só mão. E não era todo dia que alguém conseguia tirar o rapaz de seu estado de despreocupação.

A dupla entrou a passos lentos na ruela. Havia vários lugares para se esconder, e Rin olhou para o rapaz esperançosa, como se perguntasse “você consegue achá-la?”. Mas tinha alguma coisa errada, o odor não parecia vir de baixo. Parecia vir de cima.

Len olhou para cima, para os telhados das casas que formavam o beco, alarmado. E lá estava ela, com seu graveto pontudo já posicionado para atirar. Ele teria colocado Rin em seu ombro para desviar do tiro, mas o graveto pontudo já estava próximo demais para escapar.

Entretanto, nenhum dos dois sentiu dor ou escutou o outro gritar. Rin abriu os olhos lentamente, quase que com medo de olhar para baixo e encontrar Len com uma flecha atravessada no peito ou na cabeça. Mas seu susto não foi menor quando viu a flecha cravada na parede, a alguns poucos centímetros de seu rosto.

Engoliu em seco e, com mãos trêmulas, retirou a arma da parede de tijolos.

– Esse foi só de aviso – Neru graciosa e ao mesmo tempo duramente desceu do telhado até onde se encontravam os dois – Agora quero saber por quê estão me seguindo.

– Não queremos seu mal, prome... – Rin olhou de relance para Len, e lembrou-se da irritação do rapaz – Eu não quero seu mal, prometo.

Neru, ao ouvir aquilo, deixou de se preocupar com a menina e dedicou toda sua vigilância a Len.

– E quanto a você? – questionou – Você quer meu mal?

– Ele só está com raiva porque você nos tapeou a tarde inteira – explicou a loura – Espalhando seu cheiro por toda parte.

– Você queria que eu simplesmente sentasse e esperasse duas pessoas que estão me seguindo chegassem até mim? – questionou, sem tirar os olhos de Len, que também não desviava o olhar. Rin prometeu que não queria seu mal, ela não prometeu nada disso, a nenhum dos dois.

– Tem razão, não é muito educado seguir pessoas – concordou a loura – Mas você venceu o torneio, e nós realmente precisamos de um bom arqueiro para nos acompanhar. Pago bem.

Por um segundo, o olhar de Neru se desviou para Rin, demonstrando um pouco de interesse.

– Quão bem?

Rin tirou de um dos bolsos o pequeno pedaço de esmeralda, que estava guardando para a hora certa. Não havia melhor hora que aquela.

– É falsa – acusou a moça.

– Não é, não – garantiu – perguntei à um especialista.

– Quem daria algo assim para um simples serviço de arqueiro? – por um momento Neru olhou diretamente para Rin, sobrancelhas arqueadas, mas Len deu um passo a frente, e a moça voltou para sua posição inicial (apontando uma flecha na direção dele).

– Você não entende. É para a Floresta dos Gigantes que estamos indo.

Neru, dessa vez, baixou completamente a guarda, e aproximou-se de Rin o suficiente para que a menina sentisse seu hálito no rosto enquanto ela falava.

– Por que quer ir para lá, pequena? – pronunciou cada sílaba com muito cuidado, como se estivesse falando com uma pessoa com problemas de audição – É um lugar malígno.

Neru, agora vista de perto, tinha um queixo fino e rosto duro, aparentando ter chegado à idade adulta há pouquíssimo tempo. Não deveria ser muito mais nova que Meiko, nem mais velha que Miku. Mas havia algo em Neru... desconcertante. Não eram os olhos dourados, nem a expressão rígida. E Rin não sabia dizer o que era, por mais que tentasse encontrar a razão.

A menina engoliu em seco e desviou o olhar, pela primeira vez na vida, completamente sem saber o que dizer, sem ter coragem de olhar nos olhos de alguém. Len deve ter percebido seu desconforto, pois emitiu um síbilo descontente e a puxou para si.

Rin afundou a cabeça no peito do rapaz, sentindo-se como um patinho desajeitado que acaba de encarar uma águia. Aquilo foi assustador. Alguma coisa lá no fundo da sua alma se contorceu e choramingou sob aquele olhar. Neru em nenhum momento tentou tirá-la do abraço de Len, esperou que ela saísse de lá por vontade própria, mas ela o fez em pouco tempo. Porque se esconder com medo não é um bom jeito de convencer as pessoas a ajudarem você.

– Então? – ela acomodou o arco nas costas, segura de que não precisava temer os estranhos – Já inventou uma mentira convincente?

– Não – Rin cruzou os braços, inconscientemente, tentando se proteger – Então terá que se contentar com um pagamento sem explicações.

– Eu ainda não aceitei – lembrou Neru.

– Mas quer aceitar?

– Posso ver a esmeralda? – estendeu a mão aberta – Prometo que devolvo se recusar a oferta.

Rin entregou a pedrinha preciosa à moça. Ela colocou o objeto contra o sol, cenho franzido.

– O que exatamente terei que fazer?

– Matar mosquitos gigantes e nos proteger. Principalmente nos proteger.

– Vocês são quantos?

– Cinco.

Neru passou a mão pelos cabelos e suspirou, colocando a esmeralda no bolso.

– Muito bem – cedeu – Aceito o trabalho.

. . .

A chuvinha fina, muito comum nas Terras dos Ursos, continuou pelo resto do dia. Estavam em um trêm, muito provavelmente o mesmo que os trouxera para a cidade. A Floresta dos Gigantes era longe, mas seria possível alugar alguma besta que os levasse até lá em um local próximo.

Já era tarde da noite e, mesmo que já tivessem se afastado bastante do ponto de saída, a paisagem não se alterou muito, de modo que Rin teve a sensação de estar olhando para uma tela pintada, em vez de uma janela.

Os outros quatro dormiam, e Neru, para dar mais conforto ao grupo, escolheu sentar-se um banco afastado dos demais.

– Imagino se ela também está dormindo – murmurou a menina – Imagino se ela precisa dormir – parecia improvável que alguém no mundo não necessitasse de seu descanço noturno (ou diurno, no caso de alguns animais), mas Neru parecia tão atenta à tudo, que a loura se perguntava como ela relaxava a ponto de cair no sono sem ser perturbada por algo o tempo todo.

Len espreguiçou-se o melhor que pôde no acento apertado. Bocejou, uma visão assustadora, se você fosse um veado ou um cervo. Ou um inimigo, principalmente.

– Como vai o braço? – quis saber.

Len sorriu cansadamente e esticou o braço, em seguida balançando-o para cima e para baixo, mostrando que estava tudo bem. Rin devolveu o sorriso, pôs o polegar na ponta do nariz do rapaz, e o deslizou até a testa, para depois voltar para a ponta e repetir a ação diversas vezes.

Len fechou os olhos, ainda sorrindo, e se encolheu, preparando-se para dormir novamente. Rin voltou a escutar o roncar do fundo do peito do louro, aquele que ouviu no Maravilhoso Reino das Crianças. Usando também indicador, passou a fazer carinho nas sobrancelhas de Len. E assim ficou por um bom tempo, ordenando entre o nariz e as sobrancelhas.

Era um velho truque de relaxamento que aprendeu com uma massagista, de alguma cidade que não recordava bem. Um ajudava na respiração, e o outro alíviava dores de cabeça e enxaqueca, mas servia para ordenar pensamentos também.

– Você também sentiu? – questionou, vários minutos mais tarde.

– Hum? – o roncar foi interrompido, mas ele ainda estava grogue de sono – Senti o quê?

– Alguma coisa estranha em Neru – explicou –, alguma errada.

A cabeça de Len pendeu para o lado, e ele negou lentamente, como se vasculhasse na memória algo como o que Rin falou. A menina suspirou, não foi sua melhor ideia fazer perguntas complicadas à alguém que estava entre os sonhos e a realidade.

Não demorou para que ela também dormisse.

. . .

Rin nunca havia montado em um elefante antes. Não era mais confortável que um cavalo, mas aguentava maiores distâncias e era mais veloz que um humano.

Eles eram facilmente alugados na Aldeia do Marfim. Acho que uma explicação para o nome do lugar não é necessária. Por mais que considerasse a retirada do marfim uma prática cruel, e a última coisa que queria no mundo era apoiar a economia do lugar, foi obrigada a contratar o estranho serviço de deslocamento.

O grupo era de nove elefantes, cada um com cerca de três pessoas nas costas, mais o condutor. Achavam que todos estavam viajando para uma cidade próxima, maior e mais rica. Entretanto, o grupo pretendia sair às escondidas no meio da noite, e ir em direção à Floresta dos Gigantes. A viagem era longa, e a menina esperava que não mandassem nenhuma equipe de resgate ou algo do gênero.

Um dos condutores carregava consigo um canoa fina e longa, “para o caso de ocorrer alguma inundação”. Mas, percebeu Rin, mesmo que isso acontecesse, a coisa não tinha, em hipótese alguma, capacidade para suportar todos os presentes. Ou seja, era só um modo de enganar as pessoas, dizendo que haviam pensado em tudo.

Miku disse que poderia roubar o barco, para que pudessem navegar pelos rios, até seu verdadeiro destino.

A viagem foi silenciosa na maior parte do tempo, apenas no final Miku tentou manter uma conversa com Rin, mas as duas logo se calaram. A única coisa que escutava eram as passadas pesadas dos animais que afundavam na lama molhada.

Havia milhares de poças de água pelo chão, em consequência das chuvas diárias no lugar. Em certa época do ano, o chão ficava completamente encharcado, e os peixes saíam dos rios para se reproduzir. Depois, no verão, tinham que voltar, e os que não fossem rápidos o suficiente acabavam presos na terra e mortos sem ar ou comidos por um predador qualquer.

A loura considerava esse um péssimo jeito de morrer, até para um peixe.

O sol estava se pondo, e logo seria hora de armarem acampamento. A paísagem eram árvores altíssimas de folhas largas e cipós. Era possível escutar o som de milhares e milhares de animais, grandes e pequenos. Estava quente e abafado, e Rin foi obrigada a tirar o casaco assim como nos desertos gelados (de dia).

Len sempre achava estranho quando a menina ficava só de vestido. Parecia ainda menor e ainda mais frágil. Imaginava se ela não usava a peça de roupa o tempo todo para dar a impressão de que era grande, e que os braços não eram tão fininhos. Ele faria isso se tivesse seu tamanho.

– Muito bem, desçam com cuidado! – a voz de um dos condutores quebrou o silêncio natural da floresta – É aqui que passaremos a noite!

O rapaz foi o primeiro a saltar, há muito tempo querendo esticar as pernas. O lugar cheirava a animais, terra e folhas. Odores fortes, presentes. E ele estava adorando tudo aquilo. Tirou as botas e afundou os pés na terra úmida. Agachou-se para prestar atenção nas formiguinhas que, apesar de tão pequeninas, não demontravam o menor dele, algumas até se arriscando a morder seus dedos. Vários macacos, no entanto, pulavam de galho em galho, afastando-se de Len o mais rápido possível.

Ele riu da irônia. Depois indagou se macacos teriam gosto bom.

Rin, vendo que o rapaz estava se divertindo com tudo ao redor, decidiu deixá-lo em paz por enquanto. As outras pessoas armavam barracas grandes e cheias de aparatos contra insetos ou lagartos que eventualmente poderiam invadir o local de descanso, mas a menina apenas trouxe um saco de dormir antigo. Não pretendia ficar muito mais tempo lá.

– Posso colocar meu saco de dormir perto do seu? – Rin quase pulou de susto quando Neru falou.

Limpou a garganta e, sem olhar nos olhos da moça, balançou a cabeça em afirmativa.

– Ouça, não estou possuída por demônios, nem algo do tipo – ela desdobrou o fino tecido e colocou-o no chão, ao lado de Rin.

– Eu sei – ainda se recusava a olhar Neru nos olhos. Matou um mosquito que tentava sugar seu sangue.

– Tome, sei que isso não é o suficiente para ganhar sua confiança – Neru entregou-lhe uma barra de chocolate – É com mel. Você não comeu nada o dia todo – também matou um inseto com a mão. Estavam por toda parte.

Rin aceitou o doce de bom grado.

– O caminho é longo até a Floresta dos Gigantes – a moça mais velha estava claramente tentando convercer a outra a esquecer aquela ideia absurda – Você sabe disso, não sabe, pequena?

– Sim, eu sei – deu mais uma mordida generosa no chocolate – Cinco dias remando daqui.

Nesse momento, Len se aproximou, cheio de marcas vermelhas nos pés. Picadas de formigas. A menina lhe ofereceu uma garrafa de água para que aliviasse as bolhas, e depois olhou para Neru como se perguntasse “posso dar um pouco para ele?” e ela deu de ombros, “é seu, faça o que quiser com ele”.

Ela partiu o que restou do doce em dois e ofereceu uma metade ao rapaz. Len cheirou a comida primeiro, para depois colocar na boca. Neru riu baixinho quando ele encarou tanto o último pedaço de Rin que a loura acabou cedendo e lhe entregando o chocolate.

Ela tem um coração enorme, pensou, dá para ver que é uma menina incrível, que logo se tornará uma mulher incrível. Mais incrível do que eu jamais serei.

Deitou-se, era melhor dormir um pouco antes de iniciar a longa jornada. Antes de fechar os olhos fez questão de usar um pouco de repelente, para afastar aqueles insetinhos irritantes, tão comuns naquele clima quente e abafado.

Repelente não seria o suficiente para mantes os grandes mosquitos longe.

. . .

– Espero mesmo que aqueles guias não saiam para nos procurar – Miku passou as costas da mão na testa, limpando o suor do rosto.

– Eles não se importam nem um pouco com a segurança dos passageiros – salientou Rin – Só querem o pagamento. Já havíamos pago, portanto não há motivo para nos procurar.

Já haviam avançado um longo caminho em quatro dias de viagem. Como havia apenas dois remos, eles se revezavam e dividiam o trabalho. O rio estava raso naquela época do ano, e uma insistente vegetação pintava a água de verde-musgo, atrapalhando na hora de remar e muitas vezes os obrigando a pôr os pés no rio. Sem muitas árvores ao redor, no entanto, não houve chuva.

Rin deu uma olhada em seu fiel mapa pela milhonésima vez naquele dia, só para ter certeza de que estava na trilha certa.

– Ouçam – Neru usou o indicador para fazer um desenho na água, afastando as folhinhas verdes, criando linhas – Sei que estão preocupados com os gigantes e com os mosquitos – esfregou a mão em um tecido qualquer no barco –, mas é bom alertá-los também das cobras que existem lá.

– Cobras? – a esverdeada engoliu em seco.

– Enormes – garantiu.

– E que outras criaturas devemos temer? – Meiko ergueu uma sobrancelha.

– A floresta. Devemos temer a floresta.

Rin, na verdade, não ficou surpresa com a informação. Já esperava perigos a mais naquela missão. Uma floresta normal já era ameaçadora, imagine uma onde você tem o tamanho de um inseto.

Por um longo tempo, ninguém falou nada, e só o que se escutava era o som dos remos na água. Era de manhã, quase tarde, e o sol iluminava cada canto daquela terra.

– Será que ninguém pode trocar comigo? – Kaito gemeu, parando de remar – Passei a noite toda remando.

– Eu posso – disse Rin, mesmo sabendo que ele estava exagerando. Com cuidado levantou-se de seu lugar apertado (na verdade, todos os lugares eram apertados, mesmo havendo apenas seis pessoas na canoa). Um vento forte soprou, despenteando os cabelos de todos.

– Rin, olhe para frente! – Meiko gritou.

Mas nem houve tempo para isso. Antes que a menina pudesse fazer qualquer coisa, alguém, ou alguma coisa, foi ao seu encontro, fazendo-a tombar para trás, com sabe-se lá o que por cima, cobrindo-a como um manto.

O barco balançou um bocado por causa da queda, e todos seguraram as bordas, temendo que a frágil embarcação virasse ou afundasse.

Ela xingou, sem saber ao certo o que lhe havia atacado. Pôs a mão no cabo da espada, mas foi então que, contra o sol, viu inúmeras veias características de folhas, folhas de árvores.

– Chegamos – informou Neru.

Rin rastejou com os cotovelos até sair de baixo da folha gigante. Observou com admiração e medo as marcas de mordidas de formigas e larvas na folha. Enormes. Como se fosse apenas uma ampliação de uma folhinha comum.

Apesar de não ser muito maior que ela própria, era suficiente para fazer um calafrio subir pela espinha de Rin. Sentiu alguém puxando a manga do casaco. Não precisou olhar para saber que era Len. Apenas ele chamava sua atenção daquele modo.

E quando olhou para frente, soube o que o rapaz queria que visse. Lá ao longe, havia uma árvore que, àquela distância não parecia muito diferente das outras, com suas raízes afundadas na água, já acostumadas ao molhado. Mas, se fosse uma árvore comum, não poderia ser vista daquele ponto. Não com aquele tamanho.

– Acho que sei de onde veio a folha – balbuciou Rin.

– Ainda podem mudar de ideia – lembrou a aqueira.

– Não – a loura riu nervosamente enquanto tratava de tirar o manto verde do barco. Sabia que não era a que o não livro queria – Creio que não vamos.

– Nesse caso – suspirou, colocando várias flechas na aljava.

A menina manteve a promessa de continuar remando. Meiko a ajudava com o outro remo. Tentavam manter um ritmo acelerado, mesmo que a paísagem pedisse um passo mais lento. Tudo ali parecia lento.

Len cheirou o ar, sentindo algo diferente. E, de fato, eventualmente podia ser visto uma espécie de tronco colossal boiando no rio, indicando que estava mais fundo agora.

– Não tem cheiro de madeira – a cabeça dele pendeu para o lado, cenho franzido.

Quando a árvore morta gigante chegou perto o suficiente, Len esticou o braço, os dedos quase roçando no tronco rugoso, atendendo os pedidos de sua natureza curiosa. Era grande, como tudo ao redor, e ele tinha que olhar para cima para ver tudo.

Pelos deuses! Não faça isso, seu tolo! – Neru praticamente se jogou nele, puxando-o para longe da borda.

Len gruniu e tentou se desvencilhar da moça.

– O que?! – perguntou Miku, escondendo-se atrás do irmão – O que foi?!

– Vejam – a arqueira praticamente sussurrou. Lá no final da árvore, onde o tronco era mais fino, uma fenda foi aberta lentamente, exibindo dentes pontudos e triangulares. Olhos amarelos se abriram, e o crocodilo usou a calda para se afastar da canoa, sem interesse. As ondas consideravelmente grandes que formaram-se empurraram o barco para mais longe – Sorte nossa que somos pequenos. Crocodilos preferem presas maiores – olhou para Len –, mas ainda assim, não é bom tocar neles.

Len se encolheu, rosto pegando fogo, decidido a não tocar em mais nada. Mas ainda assim, depois de alguns minutos murmurou um “Rin, o que são crocodilos?”.

A árvore (de verdade) já estava longe, mas em compensação outras apareceram. Muitas outras. Em determinado momento, já não se podia usar o barco para avançar, e o rio foi substituído por terra úmida.

A loura soltou a respiração, certa de que, no final do dia, estariam todos com dor no pescoço.

– Me sinto um inseto – Meiko olhou ao redor – Vamos logo com isso.

Kaito acelerou o passo para alcançar a morena lá na frente.

– Quero que veja uma coisa – estava praticamente pulando de alegria, como uma criança – Mostrei primeiro para Miku, mas quero que seja a segunda a ver.

Ele esticou o braço esquerdo e fechou os olhos. Meiko observou o braço do azulado aos poucos ser envolvido por uma fina camada de gelo. Depois por uma mais grossa. E mais grossa. Até que todo o braço e mão esquerda estivessem envolvidos em uma armadura transparente.

Ele, quando ficou satisfeito com o resultado, socou o ar algumas vezes, para demonstrar que sua mobilidade não fora afetada.

– Incrível, não? – ele perguntou, um sorriso enorme no rosto.

– Sim, incrível – Meiko riu da expressão dele, decidindo que era melhor deixar a pergunta “mas por quanto tempo você consegue manter isso?” para depois.

– Já posso brigar com Len?

– Não exagere.

Meiko nunca descobriu o que ele falaria a seguir, porque antes que Kaito pudesse responder, uma figura escura, quase do tamanho de um homem, caiu de um galho alto, bem na frente dele, fazendo o chão tremer.

– Pelos deuses! – engasgou.

– Esse foi o primeiro! – Neru anunciou.

E só então Meiko percebeu uma flecha atravessada na cabeça do mosquito, seus grandes olhos ainda abertos, perninhas escuras ainda se debatendo, asas ainda tentando tirá-lo de lá. A morena fez uma careta e não se contentou em apenas uma flecha e fatiou a criatura com uma de suas espadas. Só para garantir.

Ninguém disse nada além de um assustado “obrigado” para a arqueira, e continuaram caminhando, Rin desacelerou o passo para olhar uma última vez para o inseto gigante. A agulha que usava para sugar sangue parecia mais um arpão agora. Imaginou que a criatura, se não estivesse lá caída e fatiada, chegaria até a sua cintura.

– Eu li que mosquitos na verdade tem cerca de seis agulhas – comentou Rin, baixinho – Quatro para segurar, uma para sugar sangue, e outra para jogar saliva na vítima.

– Sim, eu sei – respondeu Neru, também usando um tom baixo de voz – Só queria evitar falar isso agora.

Rin se ocupou observando as folhas verdes lá em cima das árvores, e como elas ocultavam a luz do sol, tornando o solo um lugar escuro e ameaçador. Cipôs grosso (pelo o menos para eles) pendiam dos galhos, alguns chegando ao chão.

– Podemos ser pequenos – avisou a arqueira, guiando o grupo para longe de uma cobra que se parecia com um cipô – Mas ainda temos cheiro carne.

A menina escutou um forte barulho, que se asemelhava bastante ao de um motor funcionando, mas como estava muito longe, decidiu ignorar. Estava mais concentrada em chegar logo até o centro daquele inferno verde, onde estariam as árvores mais velhas e, consequentemente, maiores.

Entretanto, não demorou para o som ficar mais alto. E quando Rin deu-se conta, já nem podia escutar o que os outros diziam. Olhou para o alto, e gelou ao ver mais um deles avançando em sua direção. Preparou o escudo, mas não precisou usá-lo. Assim como o outro, aquele acabou com uma flecha na cabeça. Mas dessa vez a arqueira também tratou de acertá-lo por toda a extenção do abdômen.

Rin engoliu em seco, se afastando do cadáver. E uma coisa aprendeu em poucos minutos naquele lugar, você não passa muito tempo sem se meter em problemas. Logo depois a loura já pôde ver um exercito de formigas vermelhas se aproximando.

– Vamos logo – Miku implorou – não quero ter que ficar perto daquelas presas.

Len foi o primeiro a conceder seu desejo. Se formigas normais não têm medo, aquelas não seriam menos corajosas. Decidiram que era melhor se esconder debaixo das folhas secas no chão que ficar a marcê de insetos. Neru usou um buraco de uma delas como janela, caso precisasse atirar.

– Precisamos de um plano melhor – constatou Meiko – Existe algum modo de disfarçar cheiros?

– Existe um – Rin coçou a cabeça –, mas tenho certeza de que não vão querer. Podemos nos cobrir de lixo ou urina.

– Acho que podemos deixar essa para uma outra hora – Miku fez uma careta – Podemos andar cobertos com uma folha. Pode não ser eficiente contra mosquitos, mas pelo o menos não precisamos nos preocupar com gigantes.

– Ah... – Neru franziu o cenho, olhando para os lados – Sobre isso...

– O que?

– Vocês já ouviram falar que carne e sangue humano são... agradáveis para o paladar de muitas outras criaturas e... – limpou a garganta – algumas delas memorizaram nosso cheiro?

– Ah, que notícia maravilhosa! – Kaito ironizou e apontou para Len – Então só ele vai sobreviver!

– Eu perguntei se queriam voltar – Neru voltou a observar o mundo lá fora pelo buraco – Mas sempre podem se cobrir com urina.

Len passou os olhos pela cabana improvisada e, quando constatou que ninguém olhava, pôs a própria jaqueta nos ombros de Rin, que olhou confusa para trás. Ele apontou para o nariz, recebendo um balançar positivo de cabeça como resposta. Ela havia entendido.

Esperava que os outros não entendessem o que fez exatamente. Não porque não se importava, mas sim porque odiaria ter que dividir o resto das roupas. Entretanto, se a situação realmente piorasse, estava pronto para pensar no caso com mais carinho.

– Ah... – murmurou Miku – Estão sentindo o chão tremer?

Neru se debruçou na janelinha improvisada e seus olhos se arregalaram.

– Corram! Agora!

Rin não fez questão de olhar lá para fora, já tinha uma clara ideia do que era a ameaça dessa vez. Agora sua mente vasculhava ideias de como poderiam escapar com vida. Correr não era a melhor opção, muito menos ficar parado.

Neru a tirou de seus pensamentos, puxando-a pelo braço. O som dos passos do gigante ficava cada vez mais intenso, e logo tiveram que tapar os ouvidos. Corriam de folha em folha, buscando sua proteção.

Se sobreviver, pensou a menina, nunca mais mato uma formiga.

De repente, a folha que os escondia foi arrancada da terra. Mesmo que o sol estivesse fraco, Rin pôde ver o rosto grosseiro de um homem enorme, com longos cabelos pretos mal penteados e sujos. Os olhos eram pequenos e redondos, como os de um rato, mas Rin não soube precisar a cor. A pele era um tanto cinzenta, e não vestia nada.

Apesar de acreditar que correr não adiantaria de nada, o fez de qualquer modo. Como esperava, o gigante não precisou dar nem um passo largo para alcançá-los. Ele levou uma grande quantidade de ar para os pulmões, e curvou-se, mão aberta.

Se ele queria tomar Meiko na mão, fracassou terrivelmente, quando ela usou uma de suas espadas em chamas para abrir o que seria um corte mortal se aplicado em alguém de tamanho normal. Mas, infelizmente, para ele não passou de um arranhão no dedo.

O gigante soltou um grunido confuso quando uma das flechas de Neru afundou em sua perna. Arrancou a agulhina e a deixou de lado. A arqueira arrependeu-se de seu ataque assim que percebeu que agora a atenção do monstro estava voltada para ela.

Xingou e correu, em busca de algum lugar pequeno para se esconder. Viu um enorme pé vindo em sua direção. Tentou defender-se com flechas, mas, mesmo as que acertavam o alvo, não eram o suficiente. Foi obrigada a pular para não ser esmagada. A aterrissagem, porém, não foi bem-feita, e Neru caiu no chão.

E isso deu tempo mais que suficiente para o monstro levantá-la do chão com o indicador e o polegar segurando sua blusa preta. Para sua surpresa, Miku se encontrava na mesma situação e, surpreendentemente, se mostrava mais difícil de segurar do que a própria Neru.

Miku olhou para baixo, mas um calafrio percorreu seu corpo, e foi obrigada a voltar o olhar para o gigante. Não, não tinha medo de altura. Mas pensar que aquela coisa podia soltá-la a qualquer momento não era muito animador.

Ainda podia escutar Kaito berrando lá em baixo, desesperado, e sentiu a garganta apertar. Alguns segundos depois, estavam cara a cara com o gigante. Os dentes eram amarelados e cariados, e o hálito lembrava a esverdeada do dia que o esgoto vazou na sua cidade.

Ele, mais uma vez, cheirou as duas e, satisfeito, pôs as duas em uma mão só. Abriu bem a boca e levou o lanche na direção desta. Miku gritou e se segurou em um dos dedos. Neru engoliu em seco e preparou um flecha.

Não vai adiantar, Miku agarrou-se ainda mais firme no dedo sujo, vamos morrer!


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Notas finais do capítulo

Eu amo a Miku e a Neru, por incrível que pareça.
Pelo o visto, agora tem que colocar título no cap...



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