As Aventuras de Rin Casaco Marrom escrita por Sem Nome


Capítulo 12
Capítulo 12


Notas iniciais do capítulo

Capítulo 12 :D



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Capítulo 12

Aquele com o a pele de caçadores-de-sombras.

Rin acordou com frio, e logo entendeu o porquê. A janela estava escancarada, e o vento circulava livremente no aposento. Levantou-se cambaleante e a fechou. A cidade lá embaixo já havia acordado, os cidadãos andavam pelas ruas com pressa, atrasados para o trabalho ou outro compromisso.

Deve ter sido Len quem abriu a janela, pensou, mas, pelo palácio, como ele é calorento.

Entretanto, avistou uma coisa no chão que lhe fez mudar de ideia. Um elegante envelope preto, com um lacre em formato de caveira dourado. Sem remetente, e sem destinatário.

Ela tomou cuidado ao abri-lo. Usava as unhas, como se estivesse embebido de veneno. Largou o envelope no chão quando tirou uma página de jornal antiga de dentro dele. Pelo estado da folha, devia ter, no mínimo, uns 50 anos.

Os únicos sons que podiam ser ouvidos eram a respiração tranquila do rapaz adormecido, e a leitura murmurada de Rin, que lia e relia o artigo incontáveis vezes.

- Eles nem tentaram disfarçar! – disse, um tanto mais alto do que pretendia, acordando Len.

- Bom dia – ele limpou a areia nos olhos, voltando a deitar-se logo depois. Nunca havia dormido em algo tão macio, e queria fazer aquele momento durar o máximo possível.

A menina respondeu com um fraco “bom dia”. Não queria começar o dia tratando de assuntos sérios (não faz nada bem, te deixa mal humorado e estraga o resto do dia), mas não tinha outra escolha.

- Lembra-se de quando eu disse que tínhamos que salvar minha amiga na cadeia – começou, sentando-se na borda da cama dele –, e que não fazia a menor ideia de onde esse lugar se encontrava?

Ele concordou. Ela mencionara alguma coisa, sim.

- Bem, agora eu sei – entregou-lhe o pedaço velho de jornal.

Len sentou-se a contra gosto, mas não demonstrou sua insatisfação. Segurou o pedaço de papel com letrinhas pequenas. Cheirou-o, só para espirrar depois. Encarou as letras pequeninas por um bom tempo, para depois olhar para a menina, na esperança de que ela entendesse.

- Oh... – Rin tomou o pedaço amarelado de papel de volta, sem saber se deveria se desculpar ou simplesmente continuar calada – Depois, quem sabe, eu o possa ensinar. Mas vou logo avisando que não sou, nunca fui, a melhor professora do mundo.

Len deu um meio sorriso. Ele não morreria analfabeto, afinal. A menina limpou a garganta e tratou de resumir a notícia lida.

- Aqui fala sobre a inauguração da maior cadeia da Cidade da Tempestade – apontou para o início da reportagem – A Jaula dos Renegados, que foi construída na Ilha Imaginária. O lugar tem alojamento para umas centenas de guardas (muito embora eu desconfie que, a essa altura, já tenham construído mais) dois muros, o mais externo e o mais interno, alarmes e passagens subterrâneas.

Rin abriu o mapa novamente, a procura da ilha. Seus olhos apressados não percebiam o pequeno pedaço de terra rodeado de água, não muito longe de onde estavam, e ela teve que checar o mapa uma porção de vezes.

- Então nós vamos para lá salvar sua mãe? – ele espiou por cima do ombro da loura, tentando entender as imagens do mapa.

- Meiko não é minha mãe, bobo – Rin o informou, imaginando como seria sua vida se fosse filha da morena. Provavelmente suas viagens se resumiriam em degustar vinhos.

Ela calçou as botas e vestiu o casaco agora lavado e com cheiro de sabonete de hotel.

- Escute – ela quase ia esquecendo –, todos esses guardas não são, nem de longe, nosso maior problema. Quando chegarmos lá, essa cadeia vai estar recheada de... bem, eu não sei exatamente o que iremos encontrar, mas pode esperar qualquer coisa. Estamos indo diretamente para a armadilha de nossos inimigos.

- Se sabemos que é uma armadilha – Len também calçou suas botas –, por que estamos indo?

Porque se esperarmos mais tempo vão matar Meiko e roubar o não livro que, por um acaso, quer seu sangue.

- Não podemos perder tempo – disse, simplismente, abrindo a porta do quarto – porque o tempo é a única vantagem que temos agora.


. . .


Meiko segurava as barras da cela com tanta força que seus dedos estavam brancos. Escutava o som ensurdecedor do alarme, assim como gritos de guardas e outras prisioneiras não muito longe dali, e sabia exatamente o que estava acontecendo.

Desejou com todas as forças que estivesse enganada.

As outras presidiárias estavam escolhidas no canto das celas ou escondidas debaixo das cobertas rasgadas de suas camas. Um guarda, com uma mão tapando um belo de um corte no estômago passou, cambaleante, em frente à moça.

- Espere! – ela tentou se fazer ouvir no meio de tanta barulheira – me tire daqui! Eu posso ajudá-lo! Devolva minhas espadas, eu posso ajudá-lo!

Se o homem tinha intenção de libertá-la, Meiko nunca descobriu, pois antes que ele pudesse sequer aproximar-se dela, três criaturas brancas o derrubaram e cavaram suas costas, comendo a carne e os órgãos.

As outras mulheres, que antes faziam pose de fortes e destemidas, soltaram gritinhos e se encolheram ainda mais. Os monstros, depois de se banquetearem, seguiram o cheiro da morena no ar.

Ela xingou e se afastou das barras, procurando na cela qualquer coisa que pudesse machucar. Eles logo descobriram que eram fracos demais para quebrar a fechadura das barras, então emitiram gritinhos rápidos e finos do fundo da garganta. Parecia um chamado.

Meiko levantou a cadeira de madeira do chão, muito embora tivesse certeza de que isso não seria o suficiente para vencer quem quer que estivesse vindo.

Um dos monstros maiores invadiu seu campo de visão. O formato de sua cabeça era diferente do primeiro que conheceu, a arma que usava era um machado de guerra, com lâminas em ambos os lados, e vestia uma proteção de metal no peito, ombros e cabeça.

Com um chute, ele arrombou as grades. Meiko o atingiu com a cadeira, mas esta se despedaçou quando colidiu com a armadura da coisa. Ela nem viu direito o que aconteceu em seguida. Foi atirada para fora da cela. Seu rosto e cotovelos ralaram-se ao aterrissar. Ouviu os bichinhos menores comemorarem. Sentiu uma dor intensa nas costas, depois no pescoço, depois na cabeça.

Estava sendo pisoteada.

Por mais que tentasse se levantar, o pesado pé de seu inimigo a empurrava para baixo de novo. Os braços e pernas não estavam a salvo dos ataques, e ela sabia que eles não resistiriam muito tempo sem quebrar. Seu corpo quicava a cada novo golpe, o corte na cabeça se abrindo novamente ao colidir com o chão.

A criatura, quando ficou entediada de chutar as costas da moça, passou o pé por baixo de seu corpo, na barriga, e a virou, de modo que agora pudesse pisar no rosto e estômago.

Ele a golpeava, cada vez mais forte, e ria, juntamente com os menores. Riam dela, de como era fraca e indefesa sem suas perciosas espadas. De como não era capaz de lhes fazer nenhum mal desarmada. De como seus papéis se inverteram.

Meiko sentiu o sangue ferver, a raiva se misturando com a adrenalina, fazendo seu coração disparar.

Malditos.

Malditos!

Malditos!

- Malditos!

O monstro maior gritou e se afastou. Sua proteção de metal ardia em chamas. Chamas que surgiram sem explicação. Tentou tirar a armadura do corpo, mas o fogo já caminhava em sua pele havia muito tempo.

Ele berrou e rolou no chão. Mas de nada adiantou, porque aquelas eram chamas tão fortes que nem a chuva poderia apagar. Gritar e se debater apenas animava o fogo, apenas o deixava mais feliz. Só o que restou foi um esqueleto e um machado chamuscados.

Meiko, tentanto não se deixar levar pela dor, ergueu a pesada arma do chão. Apesar de estar enegrecida, dava para perceber que não era muito melhor cuidada que a espada enferrujada do antecessor do monstro, aquele que invadiu sua casa. mas teria que servir.

O ergueu em posição de luta, e limpou o sangue do canto da boca no ombro. Pelos deuses e pelo palácio, como ela havia subestimado a si mesma. Como havia subestimado a própria capacidade.

Observou as criaturinhas que empurravam umas as outras em sua direção, escolhendo quem iria se aproximar primeiro.

- E então – rosnou –, quem vai ser o próximo?


. . .


Rin observava as ondulações na água feita pelo casco da pequena embarcação. O vento que vinha do mar era mais forte que o da cidade, que tinha todas as suas construções para barrá-lo. A menina se encolhia no casaco.

Len, que levava seu papel de guarda-costas muito à sério, estava logo ao lado, também apoiado nas barras de metal um tanto enferrujadas que cercavam o barco. Seu cabelo agora estava preso em um rabo se cavalo, só para não ficar igual ao da menina.

Ele escutava tudo aos seu redor, pronto para atacar ao menor sinal de perigo. Suas mão, agarradas a barra de metal.

- Ora, relaxe um pouco – pediu Rin – Estou armada até os dentes, lembra?

Era verdade, pouco antes de se dirigirem ao distante porto da cidade, pararam em uma pequena loja de armas, e Rin, além de comprar uma capa de verdade para a ponta da lança, providenciou um pequeno machado, duas facas e um escudo.

Len seguiu o conselho da menina e deixou de concentrar-se tanto no olfato e audição. Mas não demorou muito para levantar a guarda novamente, o marinheiro dono da embarcação mal acabada havia acabado de sair de sua cabine, da qual nenhum dos dois tinha permissão de entrar.

Não é que o rapaz achasse que o homem fosse perigoso, mas ele tinha mal hálito e também fedia a cigarro, e isso o deixava enjoado e nervoso. Mas foi obrigado a deixar sua antipatia pelo lobo do mar de lado quando ficou claro que ele era o único disposto a levá-los para a Ilha Imaginária, e ainda por um bom preço.

“Sabem por que construíram essa cadeia nessa ilha, camaradas? Porque dizem por aí que qualquer barco que entra na neblina ao seu redor desaparece, assim, como fumaça”, era o que diziam.

E ambos já estavam perdendo as esperanças quando aquele velho, de barba branca rala, escutou a conversa e cuspiu no chão. “Asneiras, foram aqueles políciais daquela cidadezinha vizinha que espalham essas histórias de crianças para que tolos como vocês fiquem longe de seu trabalho. Como, seus cabeças de balde cheio de tripas, vocês acham que eles chegam até lá?”.

- Afinal, o que os dois turistas desavisados vão fazer naquela ilha esquecida pelos deuses? Vão tentar soltar algum prisioneiro ou não têm dinheiro para pagar umas férias decentes? – acendeu outro cigarro. A menina deu um praso de três anos para ele desenvolver câncer de pulmão, do tanto que fumava – Vamos, respondam! As gaivotas comeram suas linguas?

Rin continuou calada, aquele homem era imprevisível. Não havia como saber o que ele faria se descobrisse a verdade.

- Pela quantidade de armas que você está levando – continuou, soprando a fedorenta fumaça no ar –, diria que é a primeira opção. Vamos, não tenha medo de falar, minha boca é um túmulo. Já transportei foras-da-lei ao redor do mundo antes.

Ela trocou o peso de um pé para o outro, pensando se deveria ou não responder sinceramente, mas antes que pudesse abrir a boca, foi interrompida.

- Ah, não importa! – ele, impaciente, deu meia volta e foi mancando (mancava por natureza) na direção da cabine – Se não querem dizer, não faz diferença!

Rin suspirou, alivíada. Len agora prestava atenção nos passaros grandes que voavam perto de suas cabeças. Provavelmente haviam se atrasado na migração para lugares mais quentes, pois havia muito poucos deles à vista.

Mas sua visão foi tapada por uma espersa camada de névoa. Olhou para os lados, mas mal conseguia ver as próprias mãos. Na verdade, só teve certeza de que elas ainda estavam lá quando uma mãozinha menor segurou a sua com força.

- Me desculpem, vocês dois – o velho reapareceu do nada – mas é só até aqui que posso trazê-los sem que os guardas me vejam. Vão continuar o trajeto na água, mas ela não é muito funda, não se preocupem.

- Obrigada, eu acho – Rin lhe entregou uma castanha, e não entendeu porquê ele ficou tão contente, exibindo seus dentes amarelados em um sorriso.

Rin endireitou o braço esquerdo nas tiras do escudo e os dois pularam na água, acreditando na palavra do marinheiro, só para acabar com água fria na altura no queixo (no caso de Rin) e acima do peito (no caso de Len).

O barquinho foi ficando cada vez menor no horizonte, sumindo de vista instantes depois, e levando com ele o barulho do motor. Quando o mesmo não podia mais ser ouvido, o som de uma sirene preencheu o ar.

- Maldição – Rin xingou entre os dentes – Chegamos tarde demais.

A medida que andavam no chão submerso, a altura da água baixava e algumas rochas podiam ser vistas. Rin teve vontade de pular de volta no mar quando chegaram na costa da ilha, uma praia de cascalhos. Sentia tanto frio que seus dentes batiam, e o vento batendo na roupa molhada piorava ainda mais a situação.

Os outros marinheiros não estavam brincando quando falaram da névoa. O manto de fumaça cobria a ilha como um cobertor, tornando possível a visão apenas dos topos dos pinheiros.

- Vamos – a menina chamou Len – Temos que seguir essa sirene.

Ele também parecia estar incomodado pelo frio e relutante em se mover, mas não se queixou, e começou a caminhar ao lado de Rin. Adentraram na floresta de pinheiros. Se havia animais lá, todos correram, com medo do alarme da prisão.

Era uma ilha pequena, com uma prisão muito grande, de modo que não tiveram que andar muito para escutar o som conhecido de garras se arrastando na terra. Surgiram por entre as árvores sorrateiros como a névoa. Três monstros no total.

Rin estava em dúvida se aquilo era bom ou ruim. Ruim porque estavam prestes a serem atacados, e bom porque isso significava que estavam indo na direção certa.

- Você quer uma arma eprestada? – ela perguntou baixinho para o aliado, como se os monstros fossem atacá-los se ela falasse muito alto.

- Armas só são úteis para aqueles que não tem garras nem presas – Len respondeu – E eu tenho as duas.

Os três bichos sibilaram e pularam, como se fossem um. Len conseguiu agarrar dois deles pelo couro das costas, mas o último escapou e foi em direção à Rin, que segurava o machadinho.

Vamos, Rin, é como cortar lenha, incentivou a si mesma, faltava muito pouco para o monstro pular nela, Não tenha medo! Len não está com medo, e Meiko também não estaria! Vamos!

Então ela segurou a arma um pouco atrás da cabeça e, quando seu inimigo pulou, exibindo os dentes e garras monstruosos, a levou para frente com velocidade e força.

Era diferente de acertar um fantasma com a lança. Muito diferente. Sentiu, pelo cabo do machado, a pele e o crânio da criatura de partindo-se. O sangue escuro jorrou para todos os lados, e o gritinho fino só pôde ser ouvido pelos que estavam próximos.

Ela tremia, sem saber se era de frio ou de medo, mas aquilo não importava. Havia conseguido.

Rin estava tão concentrada na tarefa de tirar o machado daquela confusão de sangue, osso e cérebro que nem percebeu o rapaz ao seu lado, com o corpo morto dos outros dois adversários nas mãos, seus pescoços torcidos em ângulos estranhos.

Demorou um pouco para ela falar qualquer coisa, olhava para o machado ensanguentado e para criatura morta. Até que endireitou os ombros e limpou a lâmina da arma na pele do bicho.

- Não jogue os corpos fora – pediu – Vamos precisar deles.


. . .


Meiko chutou a carcaça de mais uma das criaturas. Já havia perdido a conta de quantas havia matado, e elas pareciam nunca acabar, a cada corredor que dobrava, havia mais cinco ou seis esperando.

Deixou-se deslizar na parede, até estar sentada no chão, ofegante. Era tolice fingir que não estava cansada. Que não estava com sede. Que não estava sentindo dor.

Ao seu redor, jazia os corpos de dezenas de guardas e prisioneiros. Aquelas coisas já deviam ter exterminado metade da cadeia. O que não era pouco.

A moça já havia vasculhado os bolsos dos uniformes de todos os guardas, mas não encontrara nenhum tipo de planta baixa do prédio, nem qualquer coisa que lhe dissesse onde eram guardados os pertences dos prisioneiros.

Não ia aguentar por muito mais tempo.

Escutou os passos de mais inimigos, se aproximando rapidamente.

Se levantou em um suspiro cansado.


. . .


Os muros, interno e externo, já haviam sido completamente arrombados, e centenas de caçadores-de-sombras circulavam livremente por dentro e por fora da prisão. Eram lembrados o tempo todo que estavam lá para trabalhar, não para brincar. Mas se divertiam do mesmo jeito, perseguindo e matando as pessoas lá dentro.

Mas ao mesmo tempo, farejavam o ar, em busca da menina, da moça das espadas e do não livro. Se não trabalhassem direito iriam ser mortos pelas pessoas do manto escuro. As pessoas do manto escuro eram assustadoras, até mais que eles próprios. Eram as coisas mais assustadoras que poderiam pensar. Depois dele, é claro.

Estavam tão entretidos com suas atividades, que não deram importância a dois caçadores-de-sombras que passavam por eles. Eram bem esquisitos, andavam com as costas curvadas, mas não apoiavam as patas da frente no chão. O andar era engraçado, só com as patas traseiras.

Mas o cheiro era o mesmo. E era o cheiro que importava. Alguma coisa deveria ter dado errado na hora de criá-los, só isso.

Entraram na prisão por uma das portas laterais, sem problemas.

Eram um deles, afinal.


. . .


O largo corredor por onde Len e Rin entraram estava sem ninguém. A menos que você considerasse os corpos sem vida uma pessoa.

A menina percebeu que todos eles estavam sem os órgãos, e pedaços de carne mais gordos também estavam faltando.

Pelo o menos eles não matam por matar.

Len cheirava o ar ao redor, e a menina pensou em como as coisas seriam mais fáceis se tivesse algo usado por Meiko (uma meia, por exemplo), assim ele poderia tentar achá-la seguindo o cheiro. Mas agora só o que podiam fazer era andar e tentar encontrá-la ao acaso.

A pele das criaturas era grudenta e fedorenta, mas não podiam tirá-las se não quisessem enfrentar milhares de adversários desnecessariamente.

Passavam por dezenas de monstros, tanto dos grandes quanto dos pequenos, mas nenhum levantava nem um dedo contra eles. Seu plano havia funcionado, era como se estivessem invisíveis.

Logo chegaram na área das cela masculinas, mas estavam todas abertas, com cadáveres dentro, e Rin tentava não vomitar com o cheiro horrível. Olhou de relance para Len e, mesmo com o rosto meio encoberto pela pele, pôde ver que ele estava muito pior que ela, com o rosto pálido e suado. Se, para Rin, o odor era desagradável, para Len era insuportável.

E, por um minuto, a menina refletiu no quanto ele deveria ter sofrido enquanto estava preso, sendo obrigado a cheirar o Gatilho da Furia em, certamente, doses muito maiores do que ela havia cheirado pouco tempo atrás.

Afastou aqueles pensamentos tristes da cabeça e continuou a caminhada. dobraram um corredor com guarda baixa, imaginando que estariam seguros contra qualquer ataque. Mas estavam enganados.

Um machado grande e enferrujado quase partiu o rapaz em dois, mas ele conseguiu desviar para trás. Entretanto, o que chocou a menina não foi o ataque, foi a pessoa que atacou.

Len a empurrou de leve, como se dissesse para ficar longe, e pulou na moça do machado, antes que ela pudesse erguê-lo novamente. Segurou suas pernas e a derrubou.

Todo o ar abandonou os pulmões de Meiko quando suas costas atingiram o chão. Seu inimigo não lhe deu tempo de se recuperar das dores no corpo, subiu em cima dela e ergueu a mão com garras. Ela se surpreendeu um pouco quando se deu conta de que ele não era mais um daqueles monstros hediondos. Era muito parecido com um humano.

Mas isso não mudava o fato de que ele queria matá-la. Quando suas garras chegaram bem perto de seu pescoço, Meiko segurou seu pulso, e o rapaz fez uma careta de dor.

O outro inimigo, que não estava atacando, gritava alguma coisa, mas ela não conseguia entender. Só o que escutava eram as batidas do próprio coração. Ele também não escutava, ou talvez apenas fingia não escutar. As garras já começavam a perfurar a pele do pescoço.

Mas o outro gritou de novo, dessa vez muito mais alto, tão alto que Meiko pensou que sua garganta rasgaria com o berro.

- Len, para!

Len recolheu as garras e olhou para trás, confuso. Ele não deveria atacar todos que os atacassem?

- Ela é do bem, Len – Rin falava com seu tom normal, agora – Ela é do bem.

Dito isso, ele levantou-se e limpou a sujeira dos joelhos. Meiko não sabia se encarava o rapaz que se chamava “Len”, ou se encarava Rin, quem achava que estava morta.

- Pelos deuses e pelo palácio, Rin – a morena ficou de pé, indo na direção da menina – Você não morreu.

- Por que você está tão surpresa? – Rin riu um pouco, deixando Meiko se apoiar nela. Ela não parecia bem – Eu sou um monstro destruidor, ninguém é capaz de me matar.

Len tomou o machado caído nas mãos, imaginando se deveria carregá-lo para a moça ou se deixava ali mesmo.

- Ah, quase ia esquecendo – a loura levou Meiko para perto do rapaz – Meiko Coração de Fogo, Lendário Senhor das Feras. Lendário Senhor das Feras, Meiko Coração de Fogo. Depois eu explico toda a história.

Antes que ela pudesse apertar a mão do rapaz, escutaram o barulho de mais monstros se aproximando de ambos os lados do corredor onde se encontravam. Rin endireitou o escudo no braço de Meiko, só para o caso de algo dar errado, e pediu que vestisse a terceira pele. Passaram pelos outros sem levantar suspeitas.

- Temos que achar nossas coisas – ela constatou o obvio – Mas onde será que elas estão?

Meiko os guiou até um dos poucos lugares que conhecia na prisão; o refeitório feminino. Queria sair logo dos corredores, onde, caso um dos monstros descobrisse a farsa, não haveria para onde correr.

Rin estava preocupada com a morena, ela estava coberta com marcas roxas, e o rosto estava branco como papel. Sem falar do sangue seco na boca e no nariz.

O refeitório era um quadrado bem grande, para onde vários corredores chegavam. Acima dele, outros andares cheios de celas. E acima de todos os andares o céu do final da manhã.

- Quando chove – disse Meiko, sentando-se um pouco – Eles levam todo mundo para comer no refeitório coberto, só que ele é muito menor, e as pessoas ficam se espremidas uma nas outras. Foi isso que me contaram.

Entretanto, Rin não prestou muita atenção no que a moça disse. Estava se concentrando em escutar outra coisa. Um som do qual ela estava mais do que familiarizada. Um som do qual ela crescera ouvindo.

- Meu acordeom! – exclamou. Onde o acordeom estava, o resto das coisas também estariam.

Len se pôs em alerta, pronto para ir onde quer que a menina fosse.

- Meiko, se você quiser ficar...

- Não – ela também se preparou – Eu não ficarei aqui sentada como uma donzela hipócrita enquanto vocês arriscam a vida.

A menina assentiu.

- Vem lá de cima.

Subiram as escadas de metal na lateral que levavam até o último andar. Tentaram fazer com que os passos não ecoassem nos degraus, mas era impossível. Ao chegar lá, encontraram a última pessoa que queriam ver.

A figura de capa, tocando o acordeom quase tão bem quanto Rin, mas errando algumas notas mais complicadas. As malas se encontravam aos seus pés, e as espadas de Meiko também.

- Eu queria ter tempo para aprender a tocar acordeom direito – alguma coisa distorcia e disfarçava sua voz, de modo que, se eles o encontrassem na rua, nunca desconfiariam que eram a mesma pessoa –, mas nunca consigo organizar minha agenda.

- Não precisa de muitas aulas – Rin o informou, como se falasse com um velho amigo – Falta muito pouco para ficar perfeito.

- Gostei bastante da sua ideia de vestir a pele dos meus bichinhos – ele parou de tocar – Você os enganou direitinho. Mas não a mim – falava com calma, calma até demais – Querem suas coisas de volta? Vão ter que pegar.

- Como vamos saber que o não livro está de fato aí? – Meiko controlava seu ódio.

- Querem arriscar?

Rin olhou para todos os lados, para o céu, para as celas e para o chão lá em baixo, e uma coisa lhe chamou atenção. Uma coisa muito importante. O piso cinza do refeitório, feito de sabe-se lá o que, tinha um quadrado pequenino mais escuro, bem na ponta esquerda. Mal dava para notar, se você estivesse naquele andar, mas lá de cima, se percebia a diferença, mesmo sendo sutil.

Ela lembrou do que o velho jornal dizia sobre as passagens subterrâneas. Podia muito bem estar enganada, terrívelmente enganada. Se estivesse, botaria a vida de todos eles em risco. Mas não tinha outra ideia

Sacou um dos facões.

- Olha, temos uma voluntária – a figura colocou o acordeom de volta na mala, também desembainhando as espadas – Só porque você está com essa faquinha ridícula, vou deixar que ataque primeiro.

- Já que insiste – Rin se preparou, só tinha uma chance – Mas antes, você precisa saber...

Antes de terminar de falar, a menina lançou a faca, que girou no ar e acertou a figura da capa no ombro direito. Ela, na verdade, estava mirando na testa, mas ainda servia.

O encapado largou as espadas retorcidas, agarrando o corte com um grito, foi tão certeiro que a faca ficou presa. Não esperava por um golpe daqueles, principalmente de um inseto como aquele. Pensava que ela cometeria a tolice de atacar corpo a corpo. Nem percebeu quando a menina correu para pegar as coisas.

Rin parou no inicio da escada, para dizer uma última coisa.

- ... Ninguém toca no meu acordeom sem minha permissão.

O encapado retirou a faca do ombro com visivéis dificuldades, abafando gritos de dor. Aquela coisa havia atingido um osso, sem dúvidas. Foi até a grade que impedia que as pessoas caíssem até o andar de baixo, com a mão no ombro, a máscara escondendo uma careta de dor.

Não havia sinal de seus inimigos.

Pelos deuses, estava batalhando com uma pirralha de 16 anos.

E estava perdendo.



. . .



O tunel subterrâneo foi bem projetado. As paredes eram de tijolos, e luzes automáticas se acendiam toda vez que alguém entrava. A passagem levava até uma caverna cheia de água, com vários barcos da polícia à disposição.

Sim, Rin estava certa sobre a entrada do túnel, afinal. E fez questão de esconder que em um momento teve dúvidas sobre isso. “Sim, eu planejei tudinho”.

Normalmente haveria guardas lá, mas todos estavam muito ocupados fugindo das criaturas para ficar de sentinela, então, em questão de minutos, o trio se encontrava em auto mar, a Ilha Imaginária se afastando aos poucos.

A única que sabia o básico sobre barcos era Meiko, e ainda assim a embarcação balançava e oscilava. Len observava as aves no céu, enquanto Meiko pilotava cansada, com Rin ao lado.

- Você já falou para ele que precisa de seu sangue? – questionou a morena, quando a história toda lhe foi contada.

- Ainda não – disse – Não sei como pedir.

Meiko percebeu o olhar que lhe era lançado.

- Nem pensar – tratou de negar antes que a menina pudesse falar mais alguma coisa – ele gosta mais de você.

Rin expeliu o ar, folheando o não livro distraídamente. Ninguém podia negar as palavras da morena. Andou sem pressa até onde Len estava.

- Escute, Len – chamou a atenção dele – Preciso de você para mais uma coisa.

- Faço qualquer coisa – ele repetiu o que disse logo quando se conheceram, e isso só aumentou a culpa da menina.

- Entenda, eu e Meiko estamos... completando uma espécie de caça ao tesouro – era o melhor jeito de explicar – e o próximo item é um pouco do seu sangue. Mas, por favor, não fique achando que eu fui legal com você só por causa disso, viu? Fui legal com você porque eu te acho legal, também.

Len não respondeu por um bom tempo, ficou apenas a encarando, e ela começou a pensar que ele não havia entendido. Porém, minutos depois, colocou o dedo na boca, no afiado canino, abrindo um buraquinho. Rin sorriu e abriu o não livro na página certa.

O sangue pingou, e as páginas se agitaram novamente. O rapaz se afastou abruptamente, pêgo de surpresa. A menina riu um pouco de sua reação, enquanto controlava com dificuldades o objeto. Quando o não livro voltou ao normal, ela disse que deveriam ler o próximo pedido perto de Meiko.



“Minha nossa, até que em fim.

Achava, até,

Que não iria conseguir.



Chega, chega de castelos.

E de calabouços imundos.

Agora o que eu quero,

É o tesouro mais precioso.

Dos sete mares profundos”



Meiko olhou para Rin, quando esta terminou de ler, cenho franzido, pensativa. Havia uma antiga história, mais antiga até que o próprio palácio, se duvidar... Será que...

Len estava confuso, mas não queria admitir. Seus olhos iam de um lado para o outro, indecisos.

- Eu quero ir – balbuciou, mas então percebeu que ninguém o havia escutado – Eu quero ir – repetiu, mais alto.

- Você não precisa, já cumpriu sua parte do acordo – uma parte de Rin queria que Len mudasse de ideia, ele não fazia ideia de onde estava se metendo. E a outra parte dela temia exatamente que isso acontecesse.

- Mas eu quero – insistiu – Eu quero aprender a ler

Rin lhe sorriu, mas o sorriso morreu quando lembrou de um pequeno detalhe.

- Meiko – murmurou, nervosa – E você? Acho que já quer ir para casa, não?

Meiko desviou o olhar. Via apenas as ondas um pouco a frente, voando alto com sua espuma gelada.

- Creio que não posso fazer isso – o navio balançou mais uma vez, devido à sua falta de habilidade, mas continuou falando – Eu prometi que iria acompanhá-la até que encontrasse um outro alguém para impedir que morresse. Ele, com certeza, não é esse alguém. Assim como você, não tem um pingo de bom-senso. É só um garoto. Até que encontrem um adulto responsável, eu não poderei deixar os dois sozinhos. Entendido?

Rin assentiu, e foi para fora da cabine do capitão com Len logo atrás.

- Ela não acha aquilo de você – informou-o – E também não acha aquilo de mim. Ou talvez até ache. É, certamente acha. Mas sabe o que isso significa? Meiko se importa conosco. Se não se importasse, nos deixaria sozinhos, e nenhum de nós tem um pingo de bom-senso, mesmo.


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Notas finais do capítulo

Eu estou com vontade de colocar o Kaito e a Miku nessa história logo. O que acham?