A Elfa Escarlate escrita por Koda Kill


Capítulo 2
A latinha de cerveja e o carro prateado.


Notas iniciais do capítulo

Mais um capitulo. Espero que gostem. Beijocas.



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Com todas aquelas emoções borbulhando dentro de mim a única coisa que realmente tinha me acalmado um pouco havia sido os bons goles da bebida quente que eu tinha escondido embaixo do colchão. De alguma forma aquele gosto horrível rasgando minha garganta e esquentando meu peito tinha me confortado. Ou pelo menos me deixado um pouco anestesiada. O que também ajudava já que nós elfos sentíamos as coisas com uma intensidade irritantemente exagerada. Talvez tenha sido a briga mais cedo, a raiva ou os bons goles de álcool, mas por mais terrível que fosse a ideia lá estava eu me esgueirando furtivamente em direção ao alojamento dos professores.

Eu andava meio a esmo pelos corredores até que ouvi vozes. E parecia a voz de Hans. Tentei me aproximar com cuidado, mas uma porta se abriu e eu pulei para a primeira brecha que eu consegui achar para me esconder atrás dos arbustos. Hans então saiu do quarto com uma garota estranha agarrada ao seu braço. Eu sabia que era a voz dele.

— Não quero ir Hans! Não quero ser vista assim. – Sua aparência realmente não é das melhores. Parecia cansada demais, frágil demais, desesperada e completamente arrasada. Seu rosto estava inchado e vermelho, provavelmente de tanto chorar e sua beleza peculiar parecia estar escondida. Humanos... Tão exagerados. Essa falta de controle realmente me irritava. Qual é, era no máximo um exílio.

— Não se preocupe anjo, você continua linda. – Ele acariciou seu rosto e beijou sua testa me deixando completamente desconsertada. Aquela cena íntima definitivamente não era para olhos estranhos. Era tão suave e intenso ao mesmo tempo, meio difícil de entender. Além disso, sempre havia visto humanos apenas a distância. Era meio estranho ver um bem de perto. Hans também não parecia estar tão bem quanto ele tentava aparentar. Talvez se eu não o conhecesse acreditaria. A garota caiu em prantos novamente. Me controlei para não revirar os olhos.

— Eles não podem fazer isso Hans! – Ela parecia inconformada e totalmente fora de controle. Oh mulherzinha escandalosa. Não posso imaginar o que Hans viu nela. – Eles não podem impedir que você ame alguém. Não é justo! – Sua mão pousava cuidadosamente na barriga. Isso era meio estranho. Ela soluçava violentamente e parece que a ficha finalmente começava a cair enquanto eu os observava boquiaberta.

— Não... – Meu coração estava disparado. Tapei a minha boca tentando evitar que qualquer outro som saísse. Hans também chorava e tocava a barriga da garota com melancolia. Eu nunca sequer o havia visto triste e vê-lo chorar era inimaginável. Mas se ela estava grávida... Deuses isso explicava tudo.

— A lei é a lei Amanda. – Sua voz estava embargada, mas ele tentava continuar no controle. – Não há nada que possamos fazer.

— O que, o que nós vamos fazer Hans?

— Eles não vão descobrir, entendeu? Fique calma. Eles vão apenas apagar sua memória. Eles não querem interferir demais no mundo humano.

— Mas suas memórias são a única coisa que eu tenho agora. Por favor, não deixa que tirem isso de mim. – Ela implorava desesperada. Suas pernas fraquejaram e Hans teve que ajuda-la a recobrar as forças. Mordi os lábios e cerrei os punhos tentando controlar as lágrimas. Isso não estava andando nada bem.

— Está tudo bem anjo, vai ficar tudo bem. Volte para o quarto, você precisa se acalmar e descansar. Vou pegar nosso almoço e volto logo, eu prometo. – Mesmo relutante ela concordou e saiu andando sofregamente pelo corredor. Hans suspirou e limpou suas lágrimas, tentando recobrar sua postura. Quando ele recomeçou a andar esbarrei acidentalmente nele. Bem, certo ficou bem obvio que não foi nada por acaso. Mas eu tinha coisas mais importantes com o que me preocupar.

— Professor! – Falei esbaforida. Ele me encarou tristonho. – O que está acontecendo? O senhor vai ser transferido, é isso?

— Não Luna, sem transferências. – Ele massageou suas têmporas visivelmente esgotado.

— Mas professor! – Por algum motivo idiota meus olhos se encheram de lágrimas. Talvez tenha sido a proximidade daquela humana me contagiando com uma falta total de autocontrole. Ou o álcool, pode ter sido isso também. – Por que o senhor fez isso? Por que foi se apaixonar assim? Por que não evitou isso? É burrice!

— Luna... – Ele parecia cansado demais até mesmo para tentar se justificar.

— Você conhece a lei.

— Nem tudo pode ser evitado. – Ele me encarou com aquela mesma melancolia que eu havia visto ainda a pouco. Sua mente parecia estar distante dali. Eu não conseguia entender. Ele podia apenas evitar, é claro que era possível.

— Eu não entendo. – Cerrei os dentes tentando não parecer tão patética e impotente quanto eu me sentia.

— Tudo bem querida, vai ficar tudo bem. – Falou enquanto me dava alguns tapinhas nas costas. Mas nós dois sabíamos que aquilo não era verdade, então as palavras pareciam estranhamente vazias. – Volte para o seu quarto. Essa área é proibida para alunos, você sabe. – Eu precisava ser forte, precisava segurar a barra. Era o mínimo que eu poderia fazer.

— O senhor foi o melhor professor que eu já tive. – Ele deu seu primeiro sorriso sincero, mesmo que tristonho e me deixou ali plantada, indo em direção ao refeitório. Demorei alguns segundos para absorver tudo aquilo e conseguir me mexer. Eu andava tão rápido que estava praticamente correndo, tentando enxergar através das lágrimas.

Esbarrei repentinamente em um garoto. Um mago para ser mais precisa, constatei ao observa-lo enquanto ele me encarava com aqueles olhos amarelados cor de âmbar. Droga! Como se aquele dia não pudesse piorar. Nós encaramos em silêncio por alguns segundos. Apesar do meu olhar furioso ele me encarava despreocupado com uma curiosidade idiota e estranhamente perturbadora. Como se ele tivesse descoberto algo secreto. Eu não conseguia acreditar que ele estava me vendo chorar. Ninguém nunca me via chorar. Aquilo era praticamente imperdoável.

De qualquer forma ele não me deduraria, até porque se eu estava fazendo algo errado por estar ali, ele também estava. Apenas sai ofegante quebrando aquele momento perturbador. Não sei o que aquele idiota estava fazendo ali, mas eu certamente nunca mais queria vê-lo. E é bom que ele mantivesse o bico calado se não quisesse perder a língua.

A essa altura você certamente já percebeu que eu sou uma elfa. É provável que eu já tenha dito isso uma ou duas vezes. Pois é, surpresa! Este é o mundo real normalmente escondido dos humanos. Existem elfos, espadachins, vikings, fadas e tudo o mais. Esse é o meu mundo. Tendo que me esconder e até matar se necessário para defender meu povo. Mas aparentemente eu me escondo bem até demais, porque ninguém nunca presta atenção em mim. Ninguém com boas intenções, claro.

Sei que posso não ser a elfa mais bonita, mas ser completamente invisível é doloroso. Meus cabelos não são tão longos e de um loiro apagado, sem aquele glamour como a maioria das elfas. Também sou baixa, o oposto da maioria das elfas. Enfim, você entendeu o recado certo? Mas talvez as coisas simplesmente sejam assim. Talvez alguém tenha que pagar o pato de ser a ovelha negra e minha sorte desgraçada fez o resto por mim. De qualquer maneira aprendi desde cedo a me virar muito bem sozinha, e isso não mudaria agora.

Aos poucos eu sei que vou aprender a ser tão fria e insensível quanto deveria ser. Então nada nem ninguém poderá me atingir. Isso mesmo. Meu objetivo não é ser a mais linda, a mais magra ou a mais sedutora. Beleza? Pode esquecer. Eu quero ser uma guerreira. Quero ser temida e de preferencia, evitada. Uma comandante da guarda imperial, como minha mãe foi. Beleza não faria nada por mim no campo de batalha.

— Luna! – A voz que preencheu o quarto dessa vez era da minha animada colega de quarto. Animada até demais. Despi-me e entrei lentamente na banheira de água quente, sentindo meus músculos relaxarem aos poucos. – Vamos sair hoje? Descobri um lugar incrível!

— Vá você. – Respondi friamente, apesar de saber que eu iria de uma maneira ou de outra. Só estava esperando para saber qual seria a aventura da vez. Da última foi um desastre. Escapamos por um triz! E acredite era incrível do mesmo jeito que provavelmente será esse lugar. Ou seja, era melhor eu me preparar.

— Mas vai ser tão legal! Comprei uma roupa especial para você! – E lá vamos nós. Eu já tentei de tudo para dissuadi-la. Mas a questão é a seguinte: Não adianta! Essa poia simplesmente ignora qualquer forma de grosseria. Não importa o quão rude ou fria eu seja, ela apenas ignora o que eu estou dizendo e me leva para onde quiser. Mas o que eu não conto para ela é que eu meio que gosto disso.

— Deixe-me em paz criatura! – Gritei do banheiro contendo um risinho. Era bom fingir que estava tudo normal. Que tudo aquilo não passava de um pesadelo.

— Saia logo dai e venha experimentar! Tenho certeza que vai ficar incrível! – Ah, eu duvido. Mas é melhor não contraria-la. Pode não parecer pela fofura dela, mas da única vez que eu tentei contraria-la fiquei sem dormir por uma semana por causa dos pesadelos. Triste.

Sai lentamente do banho imaginando em que tipo de “aventura” ela iria nos meter dessa vez. Quando sai do banheiro com meus cabelos curtos ainda escorrendo pelas costas, encontrei um pedaço de pano fino, quase transparente e vermelho estendido na minha cama.

— Que merda de roupa é essa? – Pergunto pensando que tipo de piada era aquela. Com um dedo levanto o vestido pela alça e olhei incrédula para Ava.

Ela vestia um vestido branco de alcinha que realçava seu colo delicado. Ele era incrivelmente apertado na cintura fina da elfa e a saia armava levemente com um degrade cheio de brilhos.

— Isso é uma brincadeira, certo? Diga que é uma brincadeira...

— Ah, deixa de ser rabugenta Luna. Vista de uma vez. – Falou ela arrumando seu cabelo cuidadosamente de modo a esconder suas orelhas pontudas.

— Rabugenta? Ava você já olhou pra isso? Nem a minha cabeça passa aqui. E que raios de tecido pesado é esse? Ava...

— Ah cala a boca Luna, sua cabeça não é tão grande assim. Vista de uma vez antes que faça isso por você. – Me segurei para não rir. Mas nem irritada ela conseguia parecer irritada. Era um caso perdido.

— Pra onde vamos de qualquer jeito? –Pergunto enquanto luto para vestir aquele tecido tão apertado. No final das contas não entendi muito bem como se vestia aquilo e acabei com um braço preso e com sérios problemas de respiração. Isso aqui não é dos Deuses.

— Você vai ver. – Disse ela soltando um risinho irritantemente agudo enquanto eu revirava os olhos. Impotente, deixei que ela trançasse meus cabelos e maquiasse meu rosto, o que sinceramente foi uma total perda de tempo. Olhei para o meu reflexo plastificado. Oi linda! Tem um pouco de cara no seu reboco. Amarrei uma adaga ou duas nas minhas pernas e peguei meu arco evitando passar pelo espelho.

— Ok, mas que fique claro que eu estou indo apenas como sua guarda-costas.

— Nada disso, pode deixar esse arco aqui. Se quiser me proteger tudo bem. Conto com sua língua afiada. E além do mais eu posso contar uma mentirinha ou outra se nos pegarem e ninguém vai saber que você se divertiu. Você sabe que está precisando depois de todo esse drama de hoje. – Sorri contrariada com o canto da boca e a segui para fora do quarto pela janela. Pulamos uma depois da outra e aterrissamos na terra macia com um baque surdo.

Fugir não era realmente difícil por ali. A questão era voltar. Mas dependendo do dia e da sorte o policiamento era amigável e fácil de enganar ou persuadir. De qualquer maneira conseguimos escapar, ou melhor, a maior parte de nós. Um pedaço do meu couro ficou lá atrás preso num galho maldito. Após andar por longos minutos em total silencio a estradinha praticamente apagada e invisível que cortava floresta desembocou em uma larga estrada asfaltada cheia de poeira e mormaço.

— E agora o que?

— Agora a gente espera. – Respondeu ela se balançando calmamente.

— Como assim espera? – Perguntei confusa.

— Vamos pegar uma carona ora. Esperamos aqui até aparecer um carro pra levar a gente.

— Você não está pensando em fazer aquela coisa maluca dos filmes humanos não, certo? Aquele troço de botar a perna pra fora e fazer poses embaraçosas?

— Ah! Você adivinhou! – Disse ela dando pulinhos de felicidade. – Vai tenta você. – Disse me empurrando para o acostamento.

— Eu? Mais nem morta, eu não sei fazer essas coisas! E além do mais eu não vou me prestar a esse papel.

— Vai sim. – Disse ela gargalhando. – Anda, não vou parar de falar até você fazer. – Senti uma súbita vontade de sufoca-la durante o sono. Pena que ela não estava dormindo. Teria me poupado do que estava por vir. Coloquei a perna esquerda mais para frente, passando-a por uma brecha no vestido vermelho esperando que o contraste entre minha pele branca e o tecido escarlate provocasse o motorista, coloquei uma mão na cintura devidamente apertada e a outra para frente pedindo que parassem. Quando finalmente um carro despontou no horizonte inflei bastante o peito para valorizar o decote e... Recebi uma latinha de cerveja bem no meio da testa. Soltei um grito de dor.

— Seu troll! – Xinguei. – Merda! – Me afastei do acostamento com um olhar assassino enquanto massageava o local onde provavelmente iria nascer um lindo galo chamado Phill. – Sua vez.

Ava colocou o cabelo para trás destacando seus peitos bastante salientes e deslizou o vestido levemente para cima mostrando um pouco mais de suas pernas bem torneadas. Seu rostinho inocente espiava o horizonte. Esperamos alguns minutos ate que outro carro apareceu. Àquela hora eram provavelmente playboyzinhos da cidade mais afastada saindo com os amigos para outra cidade. Típico. A elfa inflou o peito e com os lábios entreabertos sorriu para a carroceria que deslizou pela pista ate parar. Parece tão fácil com ela.

Andamos lentamente ate alcançarmos o vidro da janela do carro prateado. O que será que nos aguardava do outro lado? Provavelmente um grupo de pirralhos metidos. O pior que poderia acontecer era que fossem aqueles velhos caminhoneiros tarados. Mas o que quer que fosse eu poderia nos proteger. Certo?

Hans


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Notas finais do capítulo

E ai o que acharam da minha elfa revoltadinha? Comentem ou ela vai vir matar vocês durante o sono .-.



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