Não Me Julgue. - HIATUS escrita por Eu-Pamy


Capítulo 5
Capítulo 4




Este capítulo também está disponível no +Fiction: plusfiction.com/book/376283/chapter/5

A primeira vez que vira aqueles olhos esverdeados foi aos oito anos de idade. Estava no seu quarto, arrumando a bagunça que era seu guarda-roupa, ou pelo menos fingindo que o arrumava para agradar ao pai, quando viu pela janela uma movimentação estranha vindo da casa da frente, onde antes morava a senhora Lurdes, uma velha gorda, de risada engraçada e cheia de gatos que às vezes pagava algumas moedas à Jarrell para que ele comprasse seus remédios do coração na farmácia. Ela era uma boa pessoa e gostava muito do pequeno garoto. Dizia sempre que ele era a cara da mãe e que também havia herdado o seu sorriso. Jarrell adorava escutar as histórias da velha senhora, principalmente as que envolviam o seu falecido marido, um ex-piloto de aviões que passará treze anos na cadeia depois de ser condenado por pilotar um jato sobre efeito de drogas.

Não importava a ocasião, Lurdes sempre conseguia faze-lo sorrir, como se essa fosse uma de suas obrigações. Foi da alegria e espontaneidade da querida amiga que Jarrell sentiu mais falta quando Lurdes morreu. Sua casa ficou abandonada durante meses, completamente intocada.

Jarrell lembrava-se da amiga queixar-se em várias ocasiões sobre seus cinco filhos ingratos que jamais a visitavam e imaginou que algum deles havia finalmente encontrado tempo para buscar as coisas de sua mãe.

Animado em conhecer um dos filhos daquela adorável senhora ele saiu correndo do quarto, descendo as escadas em velocidade recorde e passando direto pelo pai na cozinha.

Na rua um caminhão enorme estava estacionado na cada em frente a sua e vários carregadores pareciam muito ocupados levando móveis para dentro da casa.

Inquieto e muito curioso decidiu investigar. Correu para o gramado da cada da velha gorda e esperou até que nenhum carregador estivesse do lado de fora, com exceção do motorista que parecia muito distraído para perceber seus planos.

Com cuidado se aproximou da janela e tentou ver o que estava acontecendo. Haviam muitas pessoas na casa, mas todas pareciam estar trabalhando para o filho da senhora Lurdes.

Ainda mais curioso praticamente amaçou o próprio rosto contra o vidro da janela, não deixando qualquer detalhe escapar. A casa parecia diferente, das vezes que tinha estado ali jamais vira as paredes pintadas daquela cor e tampouco reconhecia aqueles móveis. Todavia dona Lurdes não tinha bom-gosto para decoração e acabava se descuidando, deixando a casa quase abandonada. Jarrell entendia que era porque ela era velha e muito doente e não tinha tempo para gastar com qualquer coisa que não fosse a sua saúde.

Estava se perguntando porque raios seus filhos haviam esperado ela morrer para finalmente reformar a casa dela quando uma voz o assustou.

- Ei moleque, o que pensa que está fazendo?

Se virou e deu de cara com o motorista do caminhão.

Não disse nada.

- O gato comeu sua língua foi? Sabia que é - esticou a mão para tocar o seu ombro, mas Jarrell se afastou - muita falta de educação não responder quando alguém te faz uma pergunta?

Continuou calado.

- Aqui não é lugar para alguém como você, seu merdinha. Nem idade tem e já anda rondando a casa das pessoas de bem! Olha, quero que você dê o fora daqui e se eu te ver de novo, vou...

- O que está havendo, James?

Jarrell olhou para a entrada da casa e viu uma moça de uns vinte e tantos anos encarar o motorista com ar de superioridade.

- Na-nada, senhora. - Gaguejou, ficando corado - É que eu encontrei esse malandrinho tentando entrar pela janela, pensei que pudesse ser um ladrão. - Tentou se explicar

A moça olhou para Jarrell e então sorriu com cortesia.

- Um ladrão, James? É só uma criança.

- Eles começam cada vez mais cedo, senhora.

- Certo. - Cruzou os braços - Meu marido está precisando dos seus serviços, deixa que eu cuidarei desse... malandrinho. - Sorriu doce, dando uma piscadela para o garoto.

Jarrell sentiu seu coração acelerar.

- Tem certeza, senhora?

- Tenho, James.

O motorista se retirou, mas não antes de lançar um olhar ameaçador à Jarrell.

Ela descruzou os braços e revirou os olhos quando James entrou. Jarrell sentiu vontade de rir, a dona era engraçada afinal.

- Homens... - Suspirou, depois melhorou a expressão e caminhou até o garoto - Qual seu nome, querido?

Mesmo sendo criança era quase impossível não se sentir encantado pela beleza daquela mulher. Ela era alta e ainda usava salto, era magra e tinha uma ótima postura, o que a deixava muito elegante. Sua roupa era justa e o decote em sua blusa fazia com que o seu colo chamasse muita atenção. Seus cabelos eram de um loiro escuro brilhante, pareciam ser lisos, mas como estavam presos em um coque não tinha como ter certeza. Seu rosto era sereno e ela usava pouca maquiagem. Porém, o que mais encantava não era seu cheiro de frutas frescas, nem o desenho da sua boca ou o seu jeito de sorrir, era sem dúvidas nenhuma as duas joias preciosas penduradas abaixo das sobrancelhas finas, seus olhos. O verde presente ali era tão intenso que Jarrell quase perdeu o ar. Não era igual a nada que ele já tivesse visto. Era escuro e chamava muito atenção e às vezes dava a impressão de que você jamais conseguiria parar de admirá-los.

Lindo como o caule verde de uma flor que nasce no asfalto de uma movimentada avenida. Lindo como o verde das penas de um passarinho em extinção. Lindo como o verde das florestas, o verde da vida, que alimenta, que da esperança e que é essencial para a sobrevivência de todos os seres vivos.

- Jarrell. - Falou baixinho, ainda entorpecido pela magia daquele olhar.

- Como?

- Jarrell.

- J - A- R - R- E- L -L. - Soletrou - Jarrell. - Ela sorriu - É um bonito nome.

Envergonhado, ele sorriu.

- Obrigado.

- Eu me chamo Katia, Katia Miller. É um prazer te conhecer Jarrell. - Ele assentiu - Espero que você não tenha ficado assustado com o James, é que às vezes ele é muito... inconveniente. Você entende? - Ele assentiu outra vez - Ótimo! Fico mais aliviada. Eu não queria que logo no primeiro dia morando aqui eu tenha deixado uma péssima primeira impressão.

- Você vai morar aqui? - Não conseguiu conter a pergunta.

- Eu e a minha família.

Mas essa é a casa da velha dos gatos!, pensou com seus botões.

- Aonde é que você mora? - Quis saber.

- Bem aqui na frente.

Ela fitou a casa que ele apontou e seus olhos brilharam.

- Eu não esperava encontrar crianças nesta vizinhança, me disseram que era um bairro muito procurado por aposentados! Que maravilhoso! Quem sabe você e meu filho não possam ser amigos? Quanto anos você tem?

- Oito.

- Ele também!

Ela parecia tão contente com essa notícia... Jarrell não entendia porquê. Contudo, nunca se deu bem com crianças da própria idade e duvidava que com o filho daquela dona bonita iria ser diferente. Certamente em menos de dois dias tudo que teria conseguido arrumar era um novo inimigo.

- Você quer conhece-lo? Acho que vocês dois podem ter muito em comum! Eu também posso preparar alguns docinhos. O que você acha?

Vai sonhando; foi seu único pensamento.

- Desculpe, mas eu tenho que voltar para casa, meu pai pode ficar preocupado. - Mentiu.

- Se você quiser eu falo com ele.

- Não, ele não deixaria. Além do que eu ainda tenho que fazer minhas tarefas.

- Tudo bem. Tempo para se conhecerem é que não vai faltar, não é mesmo?

- É...

- Quem sabe vocês não estudem até na mesma escola? Eu ainda tenho que fazer a matricula do Marc em uma. Você sabe me dizer o nome da sua?

- Eu não lembro. - Mentiu de novo.

- Tá ok. Depois eu passo na sua casa e pergunto para a sua mãe.

MÃE...

- Eu tenho que ir.

Saiu correndo.

Na cozinha foi direto onde seu pai estava trabalhando.

- Pai, você sabia que tem gente se mudando para a casa da dona dos gatos?

Ele não tirou os olhos do que estava fazendo, como de costume.

- Agora não, filho.

- Mas...

- Você já arrumou o seu quarto?

- Não...

- Então vá agora e me deixe trabalhar.

Sem opção subiu as escadas e foi para o quarto.

Ficou pouco mais de vinte minutos fingindo que arrumava o guarda-roupas quando sentiu calor e caminhou até a janela para abri-la.

Foi quando viu no telhado da casa da frente um garoto em pé, com os braços abertos. Seu primeiro pensamento foi que o garoto era suicida e que ia se jogar, mas então percebeu que ele parecia estar se divertindo. Sua boca se mexia como se ele estivesse falando com alguém, mas Jarrell não via ninguém.

Pensou em avisar o seu pai, mas por algum motivo não quis acabar com a brincadeira do garoto.

Forçou a vista tentando ver melhor as suas feições, porém tudo que conseguiu enxergar foi seu brilhante cabelo cor de fogo ser bagunçado pelo vento e a boca se mexendo quase que inconscientemente enquanto proferia as misteriosas palavras para alguém que somente ele via.

Ele deve ser maluco...

Jarrell sorriu, ainda mais interessado.

Como era mesmo o nome que a mãe dele disse que ele tinha?

Mordeu os lábios.

...Marc.


Não quer ver anúncios?

Com uma contribuição de R$29,90 você deixa de ver anúncios no Nyah e em seu sucessor, o +Fiction, durante 1 ano!

Seu apoio é fundamental. Torne-se um herói!




Hey! Que tal deixar um comentário na história?
Por não receberem novos comentários em suas histórias, muitos autores desanimam e param de postar. Não deixe a história "Não Me Julgue. - HIATUS" morrer!
Para comentar e incentivar o autor, cadastre-se ou entre em sua conta.