Não Me Julgue. - HIATUS escrita por Eu-Pamy


Capítulo 4
Capítulo 3




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– Pode... repetir?

Sentiu as pernas tremerem pela primeira vez em anos, o ar ficar pesado e os pensamentos lentos. Seu primeiro pensamento não foi bem um pensamento e sim uma lembrança antiga, do tempo que ainda falava errado e acreditava em coisas como fada-dos-dentes.

Ele não sabia o que estava acontecendo, era novo demais para entender, mas por alguma razão sentiu seu pequeno mundinho tremer quando seu pai o chamou até a sala dizendo que precisavam conversar. Percebeu que os olhos do pai estavam vermelhos e inchados, como quando ele tem que trabalhar dois turnos e não consegue dormir, mas dentro de si o pequeno Jarrell sabia que não era esse o verdadeiro motivo.

Assustado, entrou na sala sem dizer nada. Tinha seis anos na época, mas a lembrança era intensa como se tivesse acontecido ontem. Lembrava-se do pai olha-lo no fundo dos olhos, tentando encontrar as palavras, palavras estas que ele nunca encontrou. Só foi se dar conta do que tinha acontecido quando viu suas tias chorarem descontroladamente usando ambas um vestido preto e três dias depois manhoso pedir pela mãe e ouvir o pai dizer que ela não voltaria.

Nunca entendeu muito bem como a morte funcionava. Ouviu a vida toda pessoas dizerem sobre um tal plano astral, porém achava tão improvável algo assim existir que acabava deixando o assunto de lado, preferindo esquece-lo a encara-lo de frente, como quase tudo em sua vida. Mas agora era diferente. Não era mais uma criança inocente, era um homem cheio de vivencias que muito tinha a ensinar. Ainda assim, sentiu-se tão necessitado de um abraço que quase esqueceu a idade que tinha.

– Recebemos uma ligação do hospital, disseram que seu pai teve um enfarte, um vizinho o encontrou caído na cozinha.

Jarrell nunca se lembrou exatamente do que aconteceu depois que o coronel te deu a notícia.

Tudo o que sabia era que precisava voltar. Fez as malas em segundos, pediu a um amigo que o levasse de carro até o aeroporto e então comprou a última passagem para a cidade vizinha a sua.

Seu voo saiu antes do entardecer e ele só foi chegar de madrugada. Não haviam muitos taxis vagos, mas por sorte encontrou um. Quarenta minutos depois finalmente viu a placa que dizia: "Bem-vindos a Pittsburgh".

Seu coração foi acelerando à medida que o carro adentrava a pacata cidade.

Estarrecido, Jarrell percebeu que não havia nada de diferente. Sete anos haviam se passados e a cidade continuava igualzinha, exatamente como nas suas lembranças. Até o cheiro de cidade rural estava impregnado em tudo. Cheiro de mato, de interior. Maldito interior.

Via pela janela do taxi as mesmas casas, os mesmos comércios e as mesmas placas determinando as ruas da sua infância. Como se nenhum dia tivesse passado.

Tudo muito diferente da cidade grande, tudo muito pobre, modesto e caipira.

Caipira...

Sentiu-se regredir no tempo. Seus gloriosos sete anos haviam sido apagados, perdendo toda a importância. Ele não era mais um soldado, era só mais um caipira.

Durante anos prometeu que nunca mais botaria os pés nesse fim de mundo e até então tinha conseguido cumprir. Até então. Mas parece que o destino é egoísta demais, inoportuno demais.

Pagou ao taxista e saiu, sua pequena mala quase sendo esquecida no banco do passageiro. Depois de recuperar o pertence caminhou para dentro do antigo hospital, que lembrava ser o maior da cidade. Conferiu o endereço do hospital no papel que seu coronel havia lhe dado antes que saísse do regimento e em seguida foi para a recepção.

Eram quase seis da manhã e a atendente ainda parecia estar atordoada, exausta de trabalhar provavelmente a noite toda. Atendeu alguns pacientes da maneira mais rápida possível e quando chegou a vez de Jarrell não disfarçou o espanto ao ver a sua farda, não era comum ver soldados naquela época do ano. Sem jeito tentou ser educada e pediu para que ele esperasse confortavelmente sentado em um cadeira, em seguida saindo e voltando minutos depois acompanhada de um médico.

Ele tentou parecer o mais confiante que pôde.

– Seu pai teve sorte. Muita, muita sorte. Na idade que ele se encontra não são todos que conseguem sobreviver a um enfarto. É claro que tantos anos trabalhando em uma delegacia devem ter ajudado. Não é fácil derrubar um homem que já viu e que já ouviu tantas coisas. Ele é forte, vai ficar bem.

Pelo modo como falava entendeu que o médico era amigo ou conhecido do seu pai. Tentou se lembrar se também o conhecia, mas seu rosto não era familiar, nem o nome escrito em seu crachá.

– Quanto tempo vai demorar para ele receber alta?

– Vamos mantê-lo em observação por alguns dias. Pelo menos até o final de semana garanto que daqui ele não sairá.
– Tanto tempo assim?

– Precisamos fazer alguns exames, ter certeza que ele ficará bem. As pessoas não enfartam assim sem motivo, é melhor descobrirmos o que ele tem agora do que esperar que volte a acontecer.

Assentiu.

– Eu posso vê-lo?

Preocupado, o médico tentou explicar.

– Ele está dormindo agora, não sei se é uma boa ideia. Não queremos deixa-lo ansioso.

– Eu só quero vê-lo, não vou acorda-lo.

Ele hesitou.

– Bom, não estamos em horário de visitas, mas acho que posso abrir uma pequena exceção, se você concordar, é claro, de ser rápido.

– Obrigado.

O médico o levou até um dos quartos, onde seu pai dormia profundamente.

Aquela era uma das pessoas mais importantes da sua vida e em sete anos podia contar nos dedos as vezes que mandara uma carta ou que ligara para ele. E nunca, nunca o visitara.

Houve um momento de culpa e outro de estranheza. Olhou para o rosto do pai e se deu conta de como o tempo o estava consumindo. Lembrava-se dele como um homem forte, determinado, de saúde impecável e muito duro na queda, mas agora era capaz de sentir quase pena dele. Seu rosto estava velho e seu corpo muito magro. Suas mãos sempre tão seguras, rápidas e precisas pareciam delicadas e sua pele fraca e transparente.

Era esquisito vê-lo dessa forma, não podia negar o desconforto. Imaginou-o sozinho em sua antiga casa, desprotegido e a mercê de qualquer invasor que o queira fazer mal. Tão diferente do homem que o criara...

Chegou mais perto e observou como as rugas desenhavam todo seu rosto, como o cabelo parecia mais claro e ralo e as veias em seu pulso delicadas.

Por um momento perguntou-se se aquele era mesmo seu pai e não soube responder.

Um nó se formou em sua garganta. De repente sentiu raiva do tempo, da vida. Queria gritar, socar as paredes e atirar para o céu afim de atingir algum anjo distraído. Queria devolver a vitalidade ao corpo daquele homem. Mas o que mais queria era sair dali.

Sem pensar duas vezes deixou o quarto e em questão de minutos já estava dentro de outro taxi. Deu o endereço ao taxista e ficou em silêncio. Pensou em ir para algum hotel, mas a ideia o desagradou logo de cara.

A casa do pai não ficava longe do hospital e em dez minutos ele já tinha chegado.

Ficou parado na frente da casa durante uns cinco minutos, imaginando como iria entrar. Eram sete horas e por mais que muitas pessoas já estivessem acordadas para ir trabalhar, não achou apropriado bater na porta dos vizinhos para saber se eles tinham a chave, até porque isso era pouco provável.

Porém, foi só depois que desistiu da ideia de entrar pela janela que percebeu uma coisa esquisita: A luz do primeiro cômodo estava ligada e a porta parecia destrancada.

Vendo que o portão também estava aberto ele entrou. Deixou a mala no jardim e caminhou até a entrada da casa. Escutou um barulho de algo sendo arrastado e com cuidado abriu a porta. Viu a forma de um homem no centro da sua antiga cozinha. Ele estava de costas e usava preto.

Jarrell Tentou ver o que ele estava fazendo ali e com dificuldade o viu colocar algumas roupas em uma sacola. Levou a mão ao bolso da calça e pegou a sua navalha de estimação, escondendo-a entre os dedos. Entrou sem fazer barulho e se aproximou do indivíduo suspeito.

Como não havia sido notado resolveu chamar a atenção do estranho.

– Acho que essas roupas não vão servir em você.

O outro se virou surpreso e por alguns instantes tudo que Jarrell conseguiu ver foram intensos olhos verdes o fitarem com profunda curiosidade.

– Marc?

E então ele acordou. Acordou da mentira que estava vivendo nos últimos sete anos sobre quem ele realmente era. Sobre quem ele realmente é.







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