Tema: The Walking Dead

Shipp: Rick Grimes & Michonne

Quando Tudo Acabar

Rick POV

Trinta e três, trinta e quatro, trinta e cinco, trinta e seis, trinta e sete...

Um silêncio interrompeu minha contagem, apagando o som que tinha sido meu companheiro durante toda a madrugada. Teria alguém acordado e fechado a torneira? Por ter sido um barulho incomodo, talvez? É o que qualquer de nós faria; se apegar a qualquer ruído no meio da noite para conseguir desligar as imagens de tudo que aconteceu. Tentar desesperadamente desligar a mente.

Mas não era possível.

Por isso eu me apego à contagem de pingos d’água vindo da torneira mal fechada do banheiro.

Os primeiros raios de sol machucavam meus olhos, mas nem por isso eu conseguia fechá-los. Poderiam colocar uma lanterna sobre minha visão que não a faria cansar. Sentia meus olhos lacrimejando, escorrendo lágrimas e ardendo as pálpebras. Talvez eu tenha apenas perdido a habilidade de dormir normalmente, desligar tudo e apenas me entregar ao mundo dos sonhos. Isso acabou, junto com todas aquelas pessoas que agora eram apenas errantes sem consciência.

Senti minha unha partir e então percebi que estava, inconscientemente, arranhando a madeira da janela.

Droga.

Coloquei os dedos na boca, tentando tirar uns pedaços da unha com os dentes, mas fui interrompido por sons de passos no assoalho. Alguém estava no corredor vindo até meu quarto. Meu coração não conseguia mais parar de acelerar em ocasiões assim, meu corpo já estava acostumado em permanecer em estado de alerta constante, sempre pronto para uma luta, um ataque, uma fuga. Não existia mais horário de trabalho, não existia mais voltar pra casa e descansar. Agora, tudo era apenas isso. Estar em alerta para não morrer.

– Rick? – Tirei a mão da arma quando reconheci a voz de Michonne vindo da porta.

– Entre. – Levantei-me do chão e sentei na cama, mas não daria para enganar que eu não passei a noite ali.

A porta rangeu e Michonne apareceu atrás dela, seu cabelo solto, uma camisa branca e uma calça jeans inteira – isso era uma novidade para todos nós – e seus rosto denunciando que tinha feito a mesma coisa que eu.

– Se existisse uma competição para ver quem dorme menos, seríamos o grande duelo final. – Ela fechou a porta e sentou-se ao meu lado, seu olhar apontado para frente.

– Aposto nisso. – Um sorriso brotou em meus lábios, um momento raro. – Qual o problema dessa noite?

– Eu diria que todas as anteriores. – Ela suspirou pesadamente – Trinta e sete?

Não consegui evitar e virei meu rosto para encará-la. Ela fez o mesmo, um sorriso irônico em seus lábios.

– Achei que era o único totalmente entregue à insanidade.

– Bem, se você chama isso de insanidade, então espere até ver como a Sasha mantém a calma.

– Perder alguém nesses tempos é o verdadeiro fim.

– E conhecer é uma verdadeira esperança. – Ela sorriu gentilmente, dessa vez.

Ficamos por alguns instantes nos encarando. Pensei em como deixei minhas emoções se perderem desse jeito, como não explorei o que era realmente importante. Não era apenas ser tomado pela loucura de matar e sobreviver; não era só isso que eu devia ter.

– Nesses tempos, algo assim é o que nos faz ver além da sobrevivência.

– Acha que é um momento errado para isso? – O rosto dela se envolveu em preocupação – Só existe morte lá fora. Fomos destruídos, corrompidos de uma maneira que não há volta. Poderia ter espaço para isso, Rick?

– Pelo quê mais vale a pena lutar, Michonne? Tudo que conhecemos se foi, e tudo que resta somos nós. Pessoas. É o que sempre lutamos para proteger.

– Eu tive medo de deixar essa esperança morrer. Eu quis, por um momento, deixar isso morrer com o resto.

– Eu deixei. – Ela me olhava com atenção – Eu deixei o mundo me matar por um tempo.

– E o que o trouxe de volta?

– Carl. Judith. – Parei por um instante – E você. Eu não estaria aqui sem você, talvez nenhum de nós. Eu vi a esperança em você, em como você lutava e lutava, mesmo quando a derrota era certa. É isso que não podemos perder.

– Você foi o único que depositei minha total confiança, Rick. Eu protejo e confio em todos nós, mas você é especial. De um jeito que não deveria ser.

– Talvez deveria.

E então, coloquei uma mão em seu rosto e a puxei para um encontro com meus lábios. Não estava sendo racional, não pensava no que tinha ou não quer ser feito; só deixei que, por um momento nesse inferno, fosse uma pessoa normal. Um homem temendo o coração, e não apenas a morte.

O choque e a adrenalina em meu corpo agiram como se despertasse todo meu ser. Meu toque na pele dela era como se carregasse o que faltava dentro de mim.

Levei minhas mãos para sua cintura, aproximando-a mais; queria sentir cada momento daquele instante. Cada segundo era tão precioso quanto sobreviver.

Senti meus pelos se arrepiarem quando as mãos de Michonne percorreram minhas costas, deixando um traço quente por onde seus dedos passaram.

– Pai! Pai! – Carl chamava no andar de baixo, quebrando o silêncio de forma violenta. Mas, mesmo assim, nos separamos com calma, sentindo a falta um do outro antes de se soltar.

– Talvez possamos continuar quando tudo isso acabar. – Disse Michonne.

– Seremos uma família. – Falei me levantando e indo até a porta – Quando tudo isso acabar.