Olhos Estreitos escrita por ericalopes


Capítulo 9
09. Perto Demais




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- Quer se matar? Faça isso sozinho! Ninguém aqui quer morrer, então se você quiser, faça isso longe de nós! .

Dog e Daryl pareciam estar brigando, o que se confirmou quando um soco foi desferido. Provavelmente por Daryl.

- Ok ok, parem com isso! – Rick havia chegado para apartar a briga.

- Negro maldito! – Daryl não disse baixo o suficiente para que ninguém escutasse, embora tenha parecido que o tivesse tentado.

Eu apertei meus olhos por um instante desejando profundamente estar sonhando.

- Eu não pedi para ela ir atrás de mim! Ela foi porque quis, não me culpe pelas ações da sua irmãzinha caçula ok?.

Meu coração fervia como água num caldeirão. Não eram exatamente as palavras que me feriam mas o modo como elas eram ditas. Com raiva, rancor. Daryl parecia ter total conhecimento de como aquilo machucava e por isso mesmo dizia.

- Ele é louco. Eu disse a você. – Glenn estava em pé ao meu lado, eu deduzi assim que ele se abaixou para me deitar novamente. Eu nem havia percebido que estava sentada ouvindo tudo.

- Que droga há de errado com você? Não ouviu o que eu disse? – Dog estava em pé a minha frente, e extremamente furioso.

- Eu sei – argumentei indefesa. Sabia exatamente do que falava.

- Desculpe, mas isso... isso não é só sobre você, isso é sobre nós Lara. Você colocou a todos em perigo. E eu sinto muito, eu admiro que você seja uma pessoa tão boa, mas isso não é mais questão de bondade, é sobrevivência.

Dog embora falasse alto, tinha no rosto uma expressão angustiada, um medo contido entre as palavras como quem tenta amenizar a situação. Ele estava certo, ele realmente estava. Mas a luta entre o racional e o emocional dentro de mim era grande e embaraçosa. Em meio a tantos gritos e rostos sérios, eu tomei a proporção da minha atitude. Eu realmente poderia ter matado a todos nós naquela noite.

- Me desculpe. – as palavras não saíram com total sinceridade. Eu devia mesmo me desculpar, mas não me arrependia. Ou será que sim? Daryl acabara de ofender Dog de novo, e embora este já parecesse acostumado, eu não estava e haveria de estar.

- Não faça isso de novo. Existem regras a serem seguidas. Você pôs todos nós em perigo. – Rick, diferente de Dog não gritava, falava baixo do jeito que meu amigo se esforçava para fazer. Mas ao contrário dele, eu não encontrei nenhum vestígio de que ele estivesse tentando amenizar a situação. Ele fez-me parecer totalmente culpada e não queria que eu não me sentisse assim.

- Quão humano você é de deixar um dos seus para trás? Daryl deve ter te salvado inúmeras vezes e você o abandona na primeira oportunidade. Quão humano você é Rick? – as palavras saltaram violentamente da minha boca, como se estivessem presas ali há muito tempo, quando na verdade acabavam de se formar.

Rick baixou o olhar por alguns segundos e depois os levantou novamente, estreitou as íris azuis e me encarou,

- Regras. Ou você as segue ou então sai do grupo. – depois de determinar suas ordens Rick saiu do trailer sem dizer mais nada. Glenn e Dog me olharam preocupados. Meu sangue fervia e eu fuzilava as costas de Rick com mil tiros por segundo. Depois daquilo a imagem celestial que ele tinha havia sumido da minha mente, e no lugar, entrara um grande ditador inescrupuloso.

- Poderiam me ajudar a descer? Preciso distrair a cabeça. – antes mesmo que eu terminasse a frase Dog e Glenn me apoiavam nos ombros. A dor era aguda, minhas pernas ainda falhavam.

Estávamos parados em uma rodovia ampla. Sem árvores ao redor o que nos dava uma pequena segurança.

- Vai anoitecer. Precisamos achar um lugar rápido. – disse Glenn olhando os outros. Olhei ao redor afim de identificar o lugar, uma extensão enorme de vegetação miúda e duas estradas a frente.

- Se eu estou certa, existe uma ponte ao longo dessa estrada. Podemos montar uma barricada dos dois lados e ficamos no meio dela. Nenhum zumbi vai invadir. – não era uma tentativa de reconciliação mas foi o que soou a Rick e Shane. Os dois me olharam e consentiram levemente com a cabeça.

- Têm certeza disso? – perguntou Shane.

- Eu disse “acho”. – Shane e Rick discutiram um pouco mas resolveram tentar. O sol já se escondia quando entramos nos carros e nos dirigimos a ponte. Eu estava certa. Lá estava ela, “Musk Bridge”. A ponte que levava o povoado da Rechid ao Mississipi. Caminho quase secreto.

- Se alguns andantes estiverem por lá. Eu tenho certeza que saberei quem eram. – Andrea e Silvya haviam trocado de lugar com Glenn e Dog antes de sairmos da estrada. Eles estavam no primeiro carro prontos para atirar quando chegássemos.

- Era um caminho meio secreto. Poucas pessoas conheciam. Era um modo de entregar as flores mais rápido. Poupava-nos cerca de 20 minutos. – lá fora a vegetação não estava tão degradada. As árvores eram grandes e verdes. Exceto por alguns pedaços de pano pendurados o que me fazia lembrar que embora tudo ainda parecesse extremamente bonito, o mundo havia acabado.

- Eu penso que é melhor assim. – disse Andrea observando a paisagem. – Mãe, Pai, mortos. Dói muito saber que eu não estava lá, que eu não disse meu último Adeus. Mas penso o quanto deveria ser pior se eu estivesse lá, se eu não pudesse ajudar. Se eu tivesse que fugir enquanto eles estivessem sendo devorados.

Eu me encaixa perfeitamente bem na descrição de Andrea. O que ela temia que acontecesse com ela havia acontecido comigo. Eu não pude salvar minha irmã, nem meu pai, nem ninguém. Foi como se uma corda fosse amarrada ao meu pescoço e cada palavra de Andrea fosse me sufocando. Silvya viu a carga de lágrimas se formar em meu rosto e segurou em minha mãe.

- Eu vi meus pais morrendo. – ela disse com a voz embargada. – Não é nossa culpa.

Poderiam escrever livros sobre como não se sentir culpada, mas já estava feito. Eu havia me decretado culpada e nada mudaria isso.

Andrea ficara deveras embaraçada. Olhava a mim e Silvya desesperada tentando esboçar algum comentário, mas graças a Deus não conseguiu fazê-lo. Talvez teria piorado a situação.

- Não faça nada absurdo. Não queira violar as regras. Se você pensar em fazer algo e seu coração te ponderar. Não faça! Não desobedeça ao Rick e nem a você mesma. – Silvya disse assim, depois de uns breves minutos. Pareceu estar tomando coragem.

- Como uma ditadura? – disse ironicamente.

- Exatamente uma ditadura. – afirmou Andrea.

A noite se aproximou rápido. Tão rápido quantos as frágeis barricadas montadas pelo grupo. Eu havia sido obrigada a ficar dentro do trailer observando-os trabalhar e me sentindo um peso inútil.

Olhei madeiras tampando as entradas e o medo bateu. Aquilo não seguraria uma horda de 10, imaginem então se um batalhão como o do último acampamento se aproximasse de nós.

- Durmam no trailer hoje? – convidei Glenn e Dog para que ficassem comigo. Imaginando centenas deles invadindo a ponte.

Eles consentiram com a cabeça, mas Glenn ofereceu além do aceno um belo sorriso. Já disse o quanto aquele sorriso era lindo? A calma e vontade de sorrir de volta.

Carl e Georgine estão montando a pequena muralha ao redor da fogueira. Carl pareceu-me extremamente preocupado. Mas não era sua face que estampava a preocupação. Era nos olhos. Olhos não atentos ao que fazia e sim a algum ponto infinito. Como eu ficava toda vez que estava pensando.

Eu estava sentada na escada do trailer. Petterson fumava um cigarro no banco do motorista. Shane, Rick, Ruy, Glenn e Dog se aproximaram.

- Vamos a Portland amanha pela manhã. Acho que como nova integrante do grupo você têm o direito de saber o que faremos daqui em diante. – Shane parecia extremamente desconfortável ao falar comigo, como se aquilo fosse uma obrigação.

- Ok – respondi.

- A algumas semanas atrás recebemos um chamado de Portland. Um amigo, Romero. Encontrou uma unidade da CCD por lá. Disse que é segura, existem mais de 50 sobreviventes lá. E o mais importante é que eles recém chamadas diárias de outros CCD’s pelo mundo todo. Vamos pra lá, é nossa chance. Talvez e muito provavelmente a nossa única chance. Precisamos arriscar. Portland era super povoada. Eu mal posso imaginar as centenas de Walkers que devem estar lá. Mas precisamos arriscar. Precisamos ir.

- É um campo minado – calculei a quantidade de pessoas que havia visto em minha última viagem a Portland. As ruas eram lotadas. Até mesmo as mais isoladas. Mas ao mesmo tempo que imaginava isso, também imaginava a segurança de um CCD com mais de 50 pessoas. O que naquele momento era quase um país.

Eles ficaram quietos. Não que precisassem da minha aprovação para partirem. Mas só ficaram silenciosos me observando.

Me impedi de calcular mortes. De imaginar cenas trágicas. Sacudi a cabeça ao ver Georgine sendo devorada. AS lágrimas não chegaram ao rosto. Cortei-as dizendo.

- Precisamos ir. É totalmente arriscado e suicida. Mas precisamos ir de qualquer maneira. – afirmei.

Eles saíram de suas posturas rígidas e se entreolharam aparentemente aliviados.

- Antes de partirmos precisaremos de mais armas e munições. Ruy olhou no mapa, existe uma pequena delegacia aqui por perto.  – Perto ali, seriam cerca de uma hora ou duas. A delegacia ficava muito, muito longe de onde estávamos.

- Vão ter mais sorte nos bares aqui atrás. A delegacia fica mais próxima da cidade, já devem ter passado por lá. – eu tinha certeza que já haviam varrido a delegacia aquela altura. Os bares eram isolados e os rostos que os visitavam antes de tudo aquilo eram sempre os mesmos. Sempre a mesma quantidade de pessoas. E contando com essa pouca quantidade, eu tinha certeza também que as armas ainda estavam lá.

Com um bocado de medo, ensinei a Rick e Shane o caminho para os armazéns e bares. Também dei a eles a coordenada da casa do Sr. Rubbort, ele colecionava armas da Segunda Guerra.

- Obrigado. – disse Rick. Eu apenas forcei um sorriso e caminhei para perto da fogueira.

Carl com os braços cruzados as pernas e olhos atentos as chamas. Não movia um músculo.

- Você está me assustando – disse o acordando dos seus pensamentos. Ele pôs as mãos no asfalto e observou o céu.

- Tô cansado disso. Você acha que quanto mais tempo passa aqui fora, mais certeza têm de que vai sobreviver, mas não é assim. A cada dia você sabe que está cada vez mais perto de morrer. – o pensamento de Carl fazia muito sentido. Cada dia exposto aquele sol ou aquela lua diminuía um dia ou uma semana em nossas vidas. Você saboreava o gosto da vida por algum tempo mas ele não era mais tão doce.

- Ele vai voltar. Ele sempre volta. – Hanna sentou ao meu lado me dando um sorriso curto.

- Gostaria de ir. – disse num meio tom para que só ela ouvisse.

- Todas gostaríamos. – ela confessou. Hanha embora fosse quieta não parecia encovardada.

- Eu só notei que havia amadurecido com 19 anos. Eu lia muitos livros, ligava a TV no noticiário, ouvia meus pais e não discutia com eles. Nem sequer ficava brava. Não saia muito, não fazia questão de fazer confusões por isso. Me valorizava mais, aprendi a conversar toda vez que via ou achava algo errado. Foram grandes mudanças, e eu sorri quando percebi isso. Que eu havia me tornado alguém melhor. Foram 8 ou 10 anos até que isso acontecesse. E olhe agora, eu sou completamente diferente e isso aconteceu em menos de uma semana. Eu quis mandar Rick ao inferno, quis pegar minhas coisas e sair andando mas eu não fiz.

Hanna me ouvia atentamente. Me senti extremamente confortável ao lado dela, falando tudo que eu gostaria de falar.

- Você não mudou. Isso é apenas seu modo de defesa atuando. Ainda existe a Lara ai. A Lara que salvou Daryl. Você não mudou, é apenas uma personalidade a mais. – fazia muito sentido, mas ser outra pessoa fazia ainda muito mais. Todavia eu quisesse que aquilo fosse apenas um outro eu que ligava e desligava automaticamente, a hipótese mais real é que eu estava me transformando e me perdendo.

Hanna pegou minhas mãos e apertou-a entre as suas. Não me contive e a abracei forte, o máximo que a dor do ferimento me permitiu.

- Tome as suas atitudes, não ouça muito o que as pessoas falam. Tire suas próprias conclusões. – foi o que ela me aconselhou por último. Eu acenei positivamente com a cabeça.
Eu não queria virar um cachorrinho do Sr. Grimmes.

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Quando acordei senti o gosto da carne sem sal e semi crua do veado que fora jantado no dia anterior. Uma ânsia de vomitar passou pela minha garganta. Glenn e Dog não estavam mais no trailer. Instintivamente me levantei e olhei pela janela. Os homens se preparavam para partir.
Daryl contava suas flechas ao lado de sua moto. Fechei meus olhos e me repudiei. “Não olhe!”, me repreendi.

Me aproximei deles com os olhos embaçados e a cabeça atordoada. Olhei as barricadas e diferente do que eu havia imaginado, elas pareciam ter funcionado perfeitamente bem.

- Oi. – sorriu Glenn ardentemente. Impossível não oferecer o mesmo sorriso.

- Bom dia. – disse com a voz embargada em sono.

Armamento pesado. Mochilas com munições. Tacos de Beiseboll e espetos de churrascaria.

- Nossa. – eu disse observando. Os rapazes se olharam e sorriram.

- Voltaremos antes que percebam. – disse Rick colocando uma mochila nas costas e caminhando para o carro acompanhado de Shane e Dog.

- Fique bem durona. Não faça muitas coisas rebeldes. – ironizou o grandão.

- Acho que vou pixar o trailer. – ironizei de volta.

O último a sair foi Glenn. Ele segurou minhas mãos por alguns segundos e depois me puxou contra ele me abraçando. Retribuiu o gesto imediatamente, me encaixando em seus braços e sentindo o calor de seu corpo. Glenn demorou a me soltar e me abraçava cada vez mais forte.

- Vou esperar você, está bem? Se cuida. Faça o que tiver de fazer, mas por favor, volte vivo. E eu digo vivo-vivo e não vivo-morto. – Glenn não sorriu um sorriso farto. Continuou a me apertar e buscar o fundo dos meus olhos. Parecia demasiadamente preocupado e nervoso, embora eu tivesse plena certeza de que não estava.

- Fica dentro do trailer ok? Eu vou voltar o mais rápido possível. – ele afirmou assim que encontrou meu olhar. – Você é muito importante pra mim.

A voz de Glenn saiu falhando, quase muda. Assim que terminou de falar ele abaixou os olhos imediatamente e respirou fundo. Soltou meu corpo lentamente e pegou suas armas.

Eu não queria admitir o que aquilo pareceu. “Importante” para Glenn tinha algo a mais que eu me negava a acreditar. Eu conhecia aquele tom de voz, aquela voz falha, porque era mais ou menos assim que eu me sentiria se estivesse querendo lutar contra o meu coração.
Mas não, pareceu-me convencida demais a possibilidade Glenn estar apaixonado por mim. Mas não saia da minha cabeça mais.
E foi assim durante toda a tarde.


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Notas finais do capítulo

Lara tomando decisões corretas? Lara longe de Daryl? Glenn xonado?
OhGod!