Olhos Estreitos escrita por ericalopes


Capítulo 10
10. Muito mais perto




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- Quer ver uma coisa? – Lucy se aproximara sorrateira de onde eu estava a lavar as poucas louças que haviam.

- O quê? – inocente ou não, Lucy havia me deixado um pouco assustada desde a primeira aparição. Lucy era esguia e extremamente branca. Braços finos e dedos finos, pontudos. Além daquela expressão sempre esquisita e atenta, olhos estreitos e cara amarrada.

- O brinquedinho do meu irmão.

Dei um pequeno pulo quando Lucy disse isso. Ela fez soar com uma duplicidade de sentido que me assustou.

- Como é que é menina? – perguntei atônita.

- A metralhadora do meu irmão – disse como se fosse a coisa mais óbvia do mundo.

Eu passei os olhos pelo trailer e entendi o convite. Olhei para a garota que exibia um sorriso malicioso para mim. Respirei fundo.

- É, vamos. – Não estava muito curiosa mas acompanhei a aparente frágil menina até o “brinquedinho do seu irmão”.

- Você gosta de armas? Eu amo armas. – ela andava apressada e colocava muitas enfâse nas palavras.

- Não gosto, mas sei usar. Só prefiro minha alma. – respondi sem ânimo.

- Alma é um nome engraçado para uma arma. Dá pra fazer inúmeras frases engraçadas com isso. – Lucy gargalhou um pouco e me olhou em seguida.

- Eu já matei um monte com a metralhadora do Jonn. Você deveria ter visto. – seus olhos arregalados explodiam sobre mim. Senti um aperto no coração, Lucy era bizarra. Estreitei meus olhos sobre ela admirando a estranheza da garota.

Jonnas me ajudou a subir até sua “cabine de vigia”. Espaço estreito onde o Dog certamente não caberia. Nos esprememos um pouco ali.
Olhei pela luneta, a visão era perfeita. Nunca havia observado em uma além da minha. Era ampla e extremamente nitída.

- Caramba! Muito legal! – afirmei impressionada.

- Na hora do vamos ver eu nem a uso. Você atira pra todos os lados e tá tudo certo. – rimos juntos enquanto eu continuava a procurar alvos pela lupa.

- Prefiro minha alma. Silenciosa e certeira. Não que a sua não seja. – depois do incidente com Daryl eu fazia questão de explicar minhas opiniões e de não fazê-las parecer uma crítica.

- Eu acho muito bonita. É quase uma arte atirar com isso. Não levo jeito, sempre erro. Daryl me explica detalhadamente mas eu acho que é impossível pra mim. Além de ser muito pesada.

- Daryl explica coisas? Wow, isso sim é uma coisa impossível!

- Daryl não é como ele se mostra ser. Nós sabemos disso. Ele é um cara legal, muito. Depois que ele perdeu Merle só ficou mais difícil lidar com ele. Mas não é impossível. Com o tempo você pega o jeito. – Jonnas pareceu sincero em sua opinião. E eu tinha em mim quase a mesma visão sobre Daryl, apenas um cara difícil, de manuseio sútil.

- Quem era Merle? – perguntei sem entender.

- O irmão dele. O único que ele tinha. Depois dele, acabou. É só ele e ele. Ele têm a nós mas Daryl é muito sozinho. – imaginei Daryl e seu irmão e compreendi um pouco da sua personalidade, atitudes e outras coisas.

- Difícil. – disse.

- É. – Jonnas concordou. Lucy estava mexendo em algumas coisas no porta-malas do carro de Ruy.

- Eu vou contar pra ele. – ameaçou um dos gêmeos. Jonnas e eu nos viramos pra olhar o que acontecia.

- Têm certeza? – sussurrou Lucy tirando um pequeno revólver de uma das malas.

- Lucy!!! – gritou Jonnas.

- Larga isso. – ele ordenou. Brenda se aproximou do carro e puxou a filha pelo braço e saiu a repreendendo.

- O que foi isso? – eu perguntei com algumas dúvidas na cabeça. Jonnas se retirou da cabine e desceu do trailer.

- Ela é muito teimosa e curiosa, só isso. – ele parecia extremamente decepcionado e nervoso. E eu um tanto quanto assustada. Jonnas fechou a porta do porta-malas e o trancou.

- É verdade? Sobre ela ter matado muitos? – questionei não me importando com o estado do garoto.

- O suficiente. – respondeu com o olhar magoado e dando um soco na janela do carro que quase a quebrou. Nesse momento tive certeza de que Lucy não parecia bizarra, ela era bizarra e os motivos pareciam muito sérios. Eu sabia que havia algo ali, mas não sabia o quê.

As horas se passavam embora eu não tivesse certeza de quais eram. As sombras aumentavam indicando a passagem do tempo.
Apenas duas imagens se formavam em minha cabeça: Glenn morrendo  e o acampamento sendo invadido. A primeira era mais frequente que a segunda.
Peguei minha alma e fui para uma das entradas da ponte. Não exatamente na intenção de proteger, mas sim de me distrair.
Eu começava a ficar confusa, e confusão era a última coisa que eu precisava naquele momento. Caminhei a passos lentos acompanhada de algumas milhões de dúvidas. Aquele “importante” significava o que eu estava pensando? E será que eu estava sentindo o mesmo caso ele sentisse. Eu sabia que não. Infelizmente não, e de modo egoísta talvez felizmente sim.

Sofrer por antecipação é uma especialidade minha. Das perguntas sobre Daryl eu tentava me desvencilhar e não, eu não conseguia. Porque você se preocupa tanto? Porque esta chutando pedras lembrando daquele walker atrás dele? Porque está imaginando mais algum atrás dele agora? Você gostaria de estar lá, não é? Gostaria de estar perto dele. Droga, maldito altruísmo sem sentido. Maldita ligação sem explicação.
Malditas frases que fazem sentido nos momentos errados. “Os opostos se atraem” e se matam.

O tempo que passei ali, chutando pedras e mirando no nada fez o sol desaparecer em pouco tempo.

- Não precisava passar tanto tempo lá. Podemos revezar. – Petterson acabara de se levantar e sua aureola estava cercada do cheiro do cigarro.

- Tá tudo bem. Ajuda o tempo a passar mais rápido, farei mais vezes. – afirmei.

Hanna, Silvya e seus gêmeos estavam ajeitando as barracas. Coloquei minha alma em cima de um carro e me direcionei a elas. Hanna me olhou com um olhar idêntico ao meu. Ambas estávamos preocupadas.

- Têm um caminhão de lágrimas nos meus olhos que eu estou tentando não soltar a horas. – confessei a ela que balançou a cabeça positivamente.

- É horrível. Todas as vezes que eles saem, é horrível. Eu me obrigo a acreditar que eles vão voltar mas a dúvida insiste. Depois que anoitece eu começo a tremer. – confessou de volta. Eu a abracei muito forte, dessa vez o machucado me permitiu aperta-la ainda mais.

- Eles estarão de volta daqui a pouco. Tenho certeza. – disse Andrea. Eu enxuguei as lágrimas e ofereci um sorriso torto ela. Passei as mãos pelo cabelo e respirei fundo. “Eles já estão a caminho”. Foi o que repeti inúmeras vezes até que uma luz amarela incendiou a rodovia.

- São eles!!! – gritaram todos em coro. Um sorriso enorme tomou toda minha face.

Ruy, as crianças e eu corremos para abrir uma das barricadas. Meu peito explodia em felicidade, até que notei que um dos bancos estava vazio. Deixei a madeira em minhas mãos cair e o coração pausar num batimento forte.

O carro parou. Todos viram o mesmo que eu e ficaram em silêncio. Me aproximei do carro abrindo a porta e procurando por Glenn.

Fui tomada por um abraço forte e desesperado que quase me levou ao chão. Glenn estava vivo para conforto do meu coração. Não segurei as lágrimas. Deixei-as cair sobre seus ombros enquanto me agarrava a sua camisa com toda as forças. Precisava senti-lo. Precisava ter a certeza de que estava ali.

Glenn não dizia nada. Só me apertava cada vez mais. A angústia ainda era grande, passei 5 ou 6 horas na incerteza de que ele voltaria.

- Glenn. – interrompeu Rick. – Ajude-nos aqui. – Ruy estava agarrado a sua esposa, assim como Carl estava ao pai. Dog me observava sorrindo. Me soltei de Glenn e fui correndo para os braços dele que me pegaram com extrema facilidade.

- Filha da puta! Isso é terrível! – Rick e Shane abriam o porta malas e tiravam Daryl de dentro dele. Ninguém entendia a cena e os gritos de dor logo foram explicados. Daryl estava com o braço quebrado, completamente deslocado e pendendo para um dos lados. Cena terrível.
 

Petterson correu imediatamente para perto dele pronto para colocar seus conhecimentos em prática. Daryl gritava e se contorcia. Shane tampou sua boca imediatamente. Jonnas deixou de observar o momento e foi para seu posto pronto para matar qualquer andante atraído pelos gritos de Daryl.

Daryl foi levado ao trailer.

- Não dá pra fazer nada. – foi esse o decreto do Dr. Petterson. Em meio a inúmeras explicações ele disse que não podia mexer no braço de Daryl durante as próximas 8 horas. Daryl perderia sangue, e ele só poderia concertar aquilo com uma cirurgia.

- Eu não vou ficar assim! Deve haver um jeito. – Daryl segura o braço caído e seu rosto franzia completamente. Estava vermelho e suando.

- Você vão ter que esperar. – Petterson saiu do trailer sem nem terminar a frase. Eu observei a cena e não pude controlar o sentimento de pena e raiva que se apossaram de mim. Rick e Shane desceram do veículo e foram atrás do Senhor tentando argumentar.

- Ele teve que pular de uma janela. – Dog se aproximou jogando as armas para dentro do carro que eu estava encostada.

- Isso deve ser horrível. – Daryl se contorcia na cama e eu observava tudo pela janela.

- Aqui se faz, aqui se paga.

- Ele já quebrou seu braço? – perguntei.

- Não, o irmão dele sim. – respondeu um Dog que parecia estar mergulhando em lembranças.

- Sou a pessoa mais feliz por vocês terem voltado. – disse na intenção imediata de interromper os pensamentos ruins dele.

- Acha que eu deixaria minha irmã caçula sozinha? – disse sorrindo. – Alguém precisava apagar a tinta do trailer.

- Eu não fiz. Não tive criatividade pra desenhar um cachorro parecido com você. – Dog me olhou ironicamente bravo e eu cai na gargalhada.

- Brincadeira irmão. – ele sorriu me chamando de idiota.

Glenn se aproximou por trás de nós e eu só percebi pelo olhar de Dog. Assim que meu irmão nos deixou a sós, ele chegou mais perto. Buscou palavras por alguns segundos.

- Ok, eu posso começar? – perguntei subtraindo um pouco do trabalho que estava tendo. Ele acenou que sim com a cabeça.

- Sobre hoje de manhã. Sobre ser importante pra você. Eu quero saber qual o nível de importância. Se você têm uma definição melhor que a minha. – Glenn me olhou assustado com a firmeza das palavras. Olhou para o céu uma, duas, três ou quatro vezes, depois pegou em minhas mãos suavemente fechando-as sobre suas palmas. Eu amava quando ele fazia isso.

- Não têm definição. Não têm nome. Não acho que precisa ter. É só um desejo maluco de estar sempre ao seu lado. Cada segundo. Eu não sei explicar. Mas eu não consigo imaginar a possibilidade de perder você. Não quero que pense errado, mas eu imagino qualquer pessoa morrendo menos você. Eu sofro só de pensar que você pode ir a qualquer momento. Antes eu precisava de uma razão pra continuar lutando, e eu tenho. Tenho o grupo, têm as crianças. Elas são minha razão para continuar me arriscando, entrando em cidades infestadas e ficar horas acordado a noite vigiando os acampamentos. – Glenn fez uma pequena pausa sem desviar os olhos do meu. – Mas agora eu tenho uma razão pra continuar vivendo, e essa razão é você. Eu não quero mais sobreviver, eu quero viver. E eu quero que seja com você.

A última frase ecoou umas cem vezes na minha cabeça. O meu coração martelava, minhas mãos suavam sobre as dele. Podia sentir que o coração dele batia na mesma frequência que o meu. Acelerado. Eu respirava pela boca tamanha surpresa. Tentei juntar os lábios para falar alguma coisa mas não consegui. Não conseguia acreditar no que ouvira e mastigava tudo aquilo lentamente para ter certeza de que era verdade.

- Nossa. – foi a única idiotice que eu conseguir dizer depois de longos segundos. – Eu não sei.

Glenn fechou os olhos e apertou minhas mãos muito forte.

- Me desculpe por isso, mas eu não minto. Eu não ia conseguir esconder por muito tempo. Apenas me desculpe.

Ele beijou minhas mãos e andou para uma das barracas. Seu andar lento, parecia desanimado com a minha reação. Eu queria falar alguma coisa, mas não conseguia.

- Eu preciso de um tempo para dizer a coisa certa. – foi o melhor do melhor que eu consegui. Glenn deu um sorriso desanimado e continuou até chegar até a barraca.

Meus ombros estavam tensos, minhas mãos quentes e suadas passaram pelo meu cabelo. O coração ainda batia forte e movimentava a camisa sobre o peito. Passei a tarde inteira tentando me preparar para aquilo mas não havia funcionado. Era real, meu maior medo havia se tornado real. Talvez, subliminarmente também fosse meu maior desejo. Mas independente do que fosse, não era correto. Não era de paixões e confusões que eu precisava naquele momento.


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