Olhos Estreitos escrita por ericalopes


Capítulo 6
06. Falha na Comunicação


Notas iniciais do capítulo

Dedico esse capítulo pra Gaby (linda) Mathias ♥
Que têm demonstrado ser a maior fã de todos os tempos! UAHSUASHUHASUASUHAUSAUSHUAS

Espero que gostem ♥



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Neighboor.


Eu ainda me mantinha agarrada a minha alma em torno da fogueira. As conversas eram animadíssimas porém sussurradas. Glenn me explicou que o barulho atraia os andantes.

– Qual é a sua idade? – perguntou a curiosa Georgine.

– Adivinhe! – eu brinquei.

As crianças se entreolharam e soltaram alguns risinhos. Carl foi o primeiro a tentar acertar.

– 16? – chutou com cautela. Acenei dizendo que não para decepção do garoto.

– 15? – arriscaram os gêmeos.

– 18? – atreveu-se e branquíssima Ellena.

Todos erraram, embora passassem extremamente perto da sentença correta.

– 21. Com toda a certeza. – afirmou o velho Morgan.

– Parabéns! – disse brevemente surpresa.

– Uol! Você já é velha – exclamou um dos gêmeos. Todos riram com a expressão do menino.

– É. Inclusive já tenho cabelos brancos você quer ver? – Simon e Steve se levantaram curiosos. E eu tirei do meu monte de cabelos marrons um fio de cabelo branco que havia brotado quando eu tinha uns 10 ou 12 anos. Eles se impressionaram.

Não demorou muito para que entrássemos no assunto que todos queriam debater. Era sobre mim que falaríamos aquela noite.

– Então... – começou Andrea. – Como era a sua vida antes?

Eu pensei por um momento. Foi como abrir uma fita de vídeos e de desenrola-la vendo cada momento da sua vida em cada um daqueles frames. Tentei fracionar tudo em ínicio, meio e fim mas parecia complicado demais.

– Meus pais vieram pro Mississipi algum tempo depois de eu nascer. A colheita iria começar e se eles ficassem lá perderiam muito dinheiro e a fazenda. Na verdade eu nasci em Windsor na Inglaterra. Mas eu não sou Inglesa, de forma alguma. Embora eu tenha morado lá até os 6 anos, quando eu voltei para cá e as pessoas pediam pra que eu falasse alguma coisa afim de ouvir aquele sotaque típico dos ingleses, eu me mantinha calada. Eu queria ser como meus pais eram. Estranhamente, quando eu cheguei nessa terra, que não tinha carros, nem centenas de pessoas, nem trens e prédios, eu senti como se tivesse morado no lugar errado toda a minha vida. O Tenesse era o lugar certo pra mim, era o meu lar. Então eu fiquei aqui pra sempre, fazendo o que meus pais faziam. Sabe aquele jardim que vocês viram na entrada da fazenda? Ele era meu, era eu quem cuidava. Eu ganhava um bom dinheiro com aquelas flores, embora eu odiasse ter que vende-las, eu gostaria de mante-las lá para sempre.

Resumidamente, eu sou uma caipira vendedora de flores que tentou ser uma lady inglesa. Mas graças a Deus as coisas saíram completamente erradas e eu continuei a ser a caipira do Mississipi.

Shane se aproximou em meio as risadas e cochichou baixo.

– Não diga que eu contei, mas Daryl veio das suas bandas. Ele é um caipira mas odeia que o chamem assim. Não diga que eu contei. – confessou.

Ele nem precisaria ter me contado, eu já havia notado. Qualquer um notaria. Sorri confidenciando o “segredo comigo”.

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–É hora da velhinha ir dormir! – receitou Doutor Petterson interrompendo com cuidado nossa conversa.

A esta altura eu já sabia que Jonnas era dono de uma sub metralhadora que ficava acoplada em cima da van. As crianças, cada uma delas, tinha um rifle de pequeno porte. Assustador.

Rick me contou sobre como encontrou Lori e Carl, e sobre seu coma após uma batida policial. História surreal, ainda mais que a minha. Andrea contou-me sobre a irmã que havia perdido após ser atacada por um andante. E em algumas horas de conversa eu estava totalmente mergulhada na vida de cada uma daquelas pessoas.

– Só mais alguns minutos Doutor. – pediram as crianças; Embora eu realmente quisesse prolongar aquela conversa por horas, meu corpo já dava sinais de que precisava descansar.

– Eu gostaria de ficar, mas eu realmente estou com muito sono Carl. – expliquei ao menino.

– Ok – ele respondeu cabisbaixo.

– E já está mais do que na hora de vocês fazerem uma visitinha a cama de vocês, vamos! – disse Hanna tocando as crianças para os seus respectivos dormitórios.

– Boa noite gente! – eu declarei a todos.

Boa noite’s soaram e os passos direcionavam aos carros. Glenn e Petterson me acompanharam ao trailer mesmo com as minhas palavras de que conseguiria ir sozinha. Dobrar as pernas fazia a região do meu abdômen se esticar, o que ainda era bastante dolorido.

– Pode nos ajudar por favor? – Petterson falava com Daryl que estava deitado sobre a cama ao lado da minha no trailer.

– Oh! Por favor. Ela não vai ficar aqui, vai? – questionou indignado.

– É, ela vai sim – respondeu Petterson. – E já que você não pode fazer nada a respeito, nos ajude por favor.

Daryl se aproximou bufando.

– Com delicadeza grandão, por favor! – implorou Petterson.

Daryl o encarou no fundo dos olhos e passou meus braços ao redor da sua nuca. Seu corpo era quente como as chamas da fogueira. O toque me aqueceu mas também me causou surpresa.

O pedido do Dr. Petterson foi atendido. Daryl me levou até a cama sem me machucar ou fazer gemer de dor. Mas foi Glenn quem me deitou mostrou realmente o que é ser cuidadoso.

– Você pode ficar aqui? Sem mata-la ou causar alguma confusão?

Daryl não olhou para Petterson enquanto ele falava, seus olhos estavam voltados para a janela e logo se fecharam numa expressão de desprezo.

Ninguém falou nada.

Petterson apenas me olhou e sussurrou um “está tudo bem, ele não vai fazer nada”. Glenn me cobria com 2 cobertores e seu olhar de preocupação agora era ainda maior.

– Grite ok? Eu estou bem ao lado. – advertiu.

Daryl pareceu enfurecido com o aviso de Glenn, fazendo parecer-lhe um maníaco ou algo do tipo. Possibilidades estas que você não descartaria ao ver a expressão dele naquele momento.

– Está bem. – acalmei-o com um breve sorriso.

– Boa noite – desejou-me o coreano. Pisquei para ele enquanto descia as escadas sem não antes encarar o monstro ao meu lado na cama.

De repente eramos só eu e ele. O meu quase assassino e eu, a vítima. Um silêncio intenso, se não fosse algumas conversas lá fora. Daryl ignora a minha presença, embora fosse perceptível que ela o incomodava. Os olhos pregados lá fora e a “besta” sobre o colo sempre o fazendo companhia.

Passei os olhos pelo pequeno automóvel em busca da minha, Glenn havia deixado-a pendurada bem a frente da minha cama. Me encarando e fazendo a guarda. Fiquei um bom tempo a encara-la de volta.

– Você a usava ou ficava guardada no porão? – questionou gesticulando para a arma ao meu lado.

– Desde os 5 anos. – eu disse observando a agora brilhante e imponente arma como se ela pudesse me olhar de volta e lembrar das tantas que passamos juntas. Só depois de algum tempo notei que era Daryl, Daryl havia falado comigo.

– Caçava? – perguntou com a mesma expressão rustica de sempre.

– Sim. Minha tia dizia a todos o quanto horrível isso era para uma criança. Coisas de quem come comida enlatada. – disse lembrando de minha tia Margareth, a minha tia preferida. Uma inglesa conservadora e cheia de caprichos, assim como a grande maioria dos ingleses são.

Daryl era totalmente inexpressivo a falas ou qualquer coisa. Ele mantinha sempre o mesmo aspecto bruto e solitário.

– E a sua? – perguntei tentando emendar uma conversa. Ele demorou um pouco mas respondeu.

– Presente do meu pai e do meu tio.

– Me parece um bocado cara. – afirmei sem mentir. A Alma de Daryl, ou como eles chamavam, a besta de Daryl parecia uma arma de guerra.

– 100 dólares e dois cavalos apenas. – ele disse, dessa vez me olhando nos olhos.

– Está sendo irônico? Eu não pagaria nem metade num negócio desses! – afirmei impressionada com o valor.

Daryl se levantou bruscamente e me fitou com fúria.

– Ah é? Então fique com essa porcaria feita de gravetos e vamos ver quanto tempo você sobrevive nessa droga. Inglesa de merda! – esbravejou alto chamando a atenção dos outros.

– Que inferno está acontecendo aqui? – Dickson já estava em pé na porta pronto para apartar qualquer eventual briga.

Daryl saiu do trailer tão violentamente que quase derrubou o velho Ruy.

– Você está bem? – disse entrando em cena o comumente desesperado Glenn. Ainda observando a sombra de Daryl desaparecer entre os arbustos eu o respondi.

– Eu... tô, tô bem! – disse desviando rapidamente para seus olhos.

– O que aconteceu aqui? – questionou Rick.

– Daryl parece ter me interpretado mal. Eu disse que não pagaria 100 dólares e 2 cavalos na besta dele e ele se sentiu ofendido com isso.

Todos pareciam indignados com o motivo da desavença. E não era pra outra.

– De todas as mulheres desse acampamento. Daryl é a pior delas. – disse Shane. Todos gargalharam com a piada menos eu, que me sentia um tanto quanto culpada e fracassada por não ter conseguido me aproximar de Daryl.

– Aonde ele foi? – perguntei com preocupação carregada na voz.

– Ele vai caçar e amanha cedo estará de volta. Ele faz isso quando está irritado. – Rick disse tentando me acalmar.

O frio era tanto que até mesmo ali dentro do trailer podia-se senti-lo. Imaginei-me então dentro da floresta escura. Daryl podia ser grande e valente, mas na escuridão qualquer um é vulnerável. Nem o fato de ele ter sobrevivido tantas vezes me fez sentir melhor ou pensar que nada ruim aconteceria.

– Fique calma está bem? Ele vai voltar vivo. Como Daryl, não como um zumbi, entende? Tipo, vivo-vivo não morto-vivo. Infelizmente. – explicou-se Glenn.

– É, eu acho que entendi. – respondi confusa.

– Boa noite. – desejaram-me todos. Glenn se preparava para sair mais uma vez quando eu lhe pedi novamente que ficasse. Ele de pronto atendeu o pedido e deitou-se no lugar onde estava Daryl antes.

– Me desculpe por tantos pedidos e trabalhos. – eu disse me encolhendo e observando seu rosto a minha frente. Ele também se encolhia e procurava calor na fina coberta que o cobria.

– Não há de quê. – disse forçando um sotaque britânico. Rimos baixinho.

– Boa noite Glenn. – eu desejei.

– Boa noite Lara.


Enquanto tentava pegar no sono eu implorava pra que a noite passasse tão rápido quanto os dois dias anteriores. Mas mais que isso, eu implorava pra que Daryl se calmasse e voltasse logo ao acampamento, e que, se caso isso não acontecesse tão rapidamente quanto eu queria, que ele estivesse bem e protegido aonde quer que fosse. Eu não sei porque motivo eu suportava Daryl, eu não conseguia, assim como Dog, Glenn e os outros, sentir raiva daquele caipira mal humorado. Por algumas vezes Daryl me lembrava o papai, quando explodia xingava tudo e todos, e de todos os nomes possíveis. E mesmo assim eu sabia que ele nos amava, no fundo. Ele falaria milhões de besteiras mas não viveria sem nós.

Talvez Daryl fosse daquele jeito por um momento, e no outro se arrependesse e amasse a todos de novo. Talvez ele fosse mesmo daquele jeito o tempo todo, como realmente parecia ser. Mas é impossível que não haja uma gota de amor dentro de um homem tão grande.

Aqueles olhos estreitos e azuis, raivosos. Talvez ali atrás more um pouco de sanidade e algum sentimento não repugnante. Pois o que sei das cores, é que as coisas ruins se escondem nos tons escuros, e as coisas boas, nos tons claros. E se eu estava certa sobre isso, os olhos de Daryl escondiam as coisas mais belas do mundo.


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Notas finais do capítulo

Muitos corações pra representar Lara xonadinha ♥