Olhos Estreitos escrita por ericalopes


Capítulo 2
02. Salvador


Notas iniciais do capítulo

Olá gente!
Voltei com o segundo capítulo. Daqui em diante a história fica mais interessante e espero que isso prenda vocês :)
Boa leitura!



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02. Salvador

Os sois de quarta se projetavam imensamente sobre a fazenda em minha cabeça. Foi quando ouvi o trinco da porta girar.

Meu coração recém nascido martelou dolorosamente e descontrolou-se de imediato pondo-se a cavalgar para fora do peito. Meus olhos tentaram se arregalar, mas não obedeciam a minha vontade.

Passos sorrateiros entraram pelo corredor, acompanhado de outros. Seria suficientemente ruim se fosse como eu havia imaginado; ser devorada apenas por um. Então ele trouxe mais dois ou três. Eu torci para que meu coração falhasse, se arrebentasse ou explodisse. Não aconteceu.

Um deles pareceu ter notado a porta do quarto aberta e a escancarou sem pudor. Silêncio. Por uns 2 ou 4 segundos.

– Meu Deus! Rick, venha aqui, rápido, vêm ver isso cara! – fazia mais ou menos uns 7 meses que eu não ouvia uma voz além da minha. Até os 6 meses o rádio tinha pilhas e eu ouvia alguns cds. Mas aquela voz não era da Taylor Swift ou dos Beatles, não era um grunhido louco por carne. Era um homem, um ser humano, ainda existiam mais de nós.

Ouvi passos apressados vindos pelo corredor. A audição não falhou: eram 4. O homem que havia me achado se aproximou da cama. Os outros o acompanharam lentamente. Alguém se precaveu e logo destravou sua arma, acompanhado de mais um outro.

– Ela está viva? – perguntou um deles.

Aparentemente a mão que me tocou primeiro era do tal de Rick, não sai como definir o seu toque, delicadeza ou precaução?. Talvez um misto dos dois. Ele desfez meus braços ao redor da barriga, deu a volta na cama e encostou a palma da mão em minha cabeça.

– Está viva. Foi recente. Talvez minutos antes de chegarmos.- Avisou aos outros.

– Hey garota, nós vamos levar você com a gente. Vamos te salvar ok? Seja forte garota, seja forte. Talvez você odeie isso, mas irá agradecer um dia. – disse o cara que havia me encontrado. Ele segurava os meus pés, talvez por medo de chegar muito perto e eu o atacar.

– O quê? Vamos levar ela? Vocês estão loucos? Se cada vez que pararmos em um lugar encontrarmos alguém a beira da morte e resolver salva-los isso aqui vai virar um circo. – discordou alguém com um tom altíssimo perto da porta.

– Deixem-me acabar com a dor dela. – nesse momento ouvi um clique familiar, abre-se a “cova”, encaixa-se a flexa, fecha-se a “cova”, engata-se o gatilho. Uma alma*

O barulho fino do ferro sendo puxado para trás dilacerou meus pensamentos. Ameaças de morte resolveram se tornar uma constante em minha vida nas últimas horas.

– Daryl, não! – protestou o meu salvador.

– Lembra da regra não é? Não matar vivos! Ela está viva!

– Mas vai morrer a qualquer momento, estamos perdendo tempo. Viemos aqui para pegar suprimentos não para levarmos mais um. O que foi? Vamos cara!

Esse cara, o tal de Daryl, era uma racional desumano, não sei como explicar isso. Mas era o que ele era. Falava enquanto mantia sua alma apontada para a minha cabeça. E tenho certeza que se meu salvador não estivesse em distância o suficiente para segurar a flexa ele teria me acertado sem hesitar.

Mais uma vez o silêncio ficou suspenso por um tempo indeterminado no ar. Deviam estar se entre olhando e se perguntando qual decisão tomar já que Daryl havia transformado uma opção em duas.

– Rick por favor. – insistiu ele com um tom suplicante impossível de se descrever.

– Isso é porque ela é negra como você? Você precisa de um companheiro da sua cor para se sentir melhor? Ok, eu posso me jogar na lama e pintar as unhas caso isso faça você parar de choramingar e perder nosso tempo. – esbravejou um ainda mais furioso Daryl.

Então, o cara do meu lado era negro e queria me salvar para ter alguém da mesma cor por perto? Ainda existia preconceito no Eua? Mesmo após um desastre apocalíptico. As pessoas ainda se separavam por cor? Sem muito tempo para discussões raciais. Eu estava entre morrer e viver de novo, na verdade sempre estivera. Naquele momento, creio eu, que ainda mais do que nunca.

– Não podemos tira-la daqui Dog. – afirmou Rick.

– Vou buscar o Doutor. – disse Dog correndo para fora. Rick parece ter concordado pois não o impediu.

Ouvi a respiração profunda e discordante de Daryl ao lado da porta.

– Bando de idiotas! – Daryl saiu para o corredor enfurecido.

– Fique aqui com ela, vou organizar os grupos. – ordenou Rick. Eu não fazia a mínima ideia com quem ele falava, afinal dos 4 homens que eu identifiquei pelos passos, só havia ouvido a voz de 3 deles. O quarto, devo confessar, causou-me certo receio. Eu estava ali sozinha, com um desconhecido que em nenhum momento da discussão anterior se mostrou ao meu favor ou contra, e os calados sempre me davam medo.

Ele se manteve em pé a frente da minha cama. Próximo aos meus pés. Sua arma deveria estar em punho, pois pude ouvir o barulho da trava balançando a cada movimento seu. Mesmo estando ali, em pé e aparentemente imóvel. Eu ainda sentia medo. Eu não podia vê-lo. Só sentir sua presença. Talvez se eu pudesse ouvir sua voz.

– Meu nome é Glenn. – disse atendendo minhas preces. Sua voz era suave, dividida por um fio de medo e confusão. Parecia extremamente sem jeito.

– Eu perguntaria seu nome agora, mas acho que você não vai responder. – ironizou.

– Não liga pro Daryl ok? Ele é, ele é... er... perturbado! É, é isso, é isso que ele é. Ele é um walker entre nós, só que sem a fome de comer a gente, quer dizer, só as vezes, e também sem aquela aparência horrorosa. Ou talvez sim. – enquanto falava Glenn parecia conversar consigo mesmo, discordando entre as suas afirmações ou questionando a si mesmo o que falava. O que por vezes me fez lembrar da minha irmã Jenna. Ela era assim, parecia conversar duas vezes com ela mesma em qualquer diálogo.

– Talvez você nos odeie mais tarde por fazer isso. Ou talvez não. Talvez você só precise de alguém. E nós somos muitos alguéns. – ele afirmou.

Senti que ele se preparava para o próximo diálogo. Mas a porta foi escancarada, agora ainda mais brutalmente do que da primeira vez.

– O que você vai precisar? – perguntou Dog se aproximando imediatamente de mim. Ele parecia ter trazido o tal médico.

O médico, assim como Rick, me avaliou quase que da mesma forma. Pegou em meus braços e pernas, encostou a palma em minha testa. Ouviu meu coração com aqueles aparelhos.

– Ela está estável. A bala não atingiu nenhum órgão vital. E além do mais parece ter saído pelas costas.

Eu podia ver a expressão de felicidade de Dog somente pelo sopro aliviado que ele deu. Devia ter um sorriso de orelha a orelha.

– Dog. – o médico chamou com a voz branda, aquele era o tom de voz que se seguiria de um aviso ou observação.

– Eu não garanto que ela sobreviva. Ela está em coma agora, perdeu muito sangue. Talvez ela não tenha tanta sorte quanto Rick e fique assim pra sempre.

Pra sempre. Pra sempre naqueles tempos era um tempo indeterminado, porém não tão longo quanto a palavra expressa. Pra sempre era uma variável de horas ou dias, meses ou anos. E embora eu pudesse acabar nos próximos segundos, eu poderia também viver presa dentro de mim mesma por meses. Caso o azar me alcançasse.

– Então pra quê fazer isso? Pra quê perder tempo e suprimentos com alguém que não vai acordar? Vocês são burros ou algo assim? Ela escolheu isso e agora estamos dando um de anjos e a trazendo de volta?

Daryl era um cara insuportável. Ele jamais desistiria de tentar fazer os outros desistirem também. Mas talvez ele estivesse certo, porque você sabe, era eu que estava ali. E talvez, se fosse um outro alguém, desconhecido, eu dispararia as mesmas palavras e argumentos, e pensamentos sobre aquela situação.

– Daryl se você não quer isso, por favor saía daqui. – ordenou o Doutor.

– Vocês não conseguiram salva-la. Eu aposto minha besta* que ela vai morrer.

Dog, como se chamava o cara que havia me encontrado, expulsou Daryl do quarto. Ficamos somente eu, ele, Glenn e o Doutor. Ali, todos assistiriam a minha morte, ou o meu renascer.

– Eu só preciso parar o sangramento e fechar esse buraco.

Para o Doutor parecia simples, mas pra mim e tenho certeza que para os outros, aquelas palavras soavam com imensa clareza da dor que estava por vir.

– Ei garota, aguente firme ok? – me pediu Dog.

Expremi um “Tentarei” na cabeça.

O primeiro corte foi feito.


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Notas finais do capítulo

Espero que tenham gostado :)

Alma: Alma, é como é chamada a arma de Daryl em alguns países e culturas.
Besta: É a arma de Daryl na série e também é chamada de alma. Ou seja, Alma e Besta são a mesma coisa.