Subi as escadas da casa e encontrei Luca dormindo ao lado de Stubb. Chacoalhei o garoto sonolento até que ele caísse da cama. Se levantou com um pulo.

–Ai Luca, teu babaca. Quase enfartei, rapaz. –Coloquei a mão esquerda sobre o peito e dei um tapa nele com a esquerda.

–Há, me desculpe alteza. –Fez reverencia. – É sempre uma honra ser acordado pela rainha do mundo e da razão.

Revirei os olhos.

–De nada. –Suspirei. –To com dor de cabeça e não acho sua caixa de remédios.

–Deve ser porque eu não tenho uma.- Olhei-o com o olhar mais suplicante que eu podia.- Mas deve ter uma por aqui, ok? Vamos lá em baixo procurar Mel. –Suspirou e chacoalhou os cabelos castanhos que, a essa altura, já estavam bem mais cumpridos.

Descemos a escadas com ele na frente com os braços estendidos pra trás e eu segurando suas mãos. Ele parou e eu meti o nariz em suas costas largas.

–Ai ai.

–Não reclama. – pulei em suas costas e ele me segurou.

–Mas meu nariz doeu.

Deu de ombros.

–Tanto faz... deve estar por aqui. –me soltou e olhou para cima do microondas, onde eu já não enxergava mais. Estendi o pescoço e fiquei na ponta dos pés, e nada.

–Mas que porra. –Reclamei e ele riu.

–Sabe baixinha, Você não vai alcançar... –Ele olhou para mim e arregalou os olhos. –Mel, que dia é hoje?

–Dia 28...

–DA SEMANA, QUE DIA É HOJE DA SEMANA? –Gritou.

–NÃO GRITA COMIGO, RAPARIGA FRESCA! –Voltei a ficar na ponta dos pés e estendi o dedo indicador para ficar apontado para sua cara.

–Mas que droga! É hoje! – Ele me informou, segurando meus ombros e me chacoalhando um pouco. –É hoje, Mel.

–Que que tem hoje, projeto de drama barato?

–O Pietro.

Dei um passo a trás e tentei imaginar porque diabos ele diria isso. O nome de Pietro soava estranho dito assim, alto, e não só na minha imaginação. Pietro era um assunto que eu tinha socado no ponto mais fundo da minha consciência, e ele tinha ficado muito bem lá dentro, sabe? Porque, por mais que a casa ainda tivesse seu perfume e os moveis e as coisas ainda me lembrassem cada ponto dele, ainda assim não era mais o suficiente para me abalar. Talvez isso me matasse a um ano atrás, mas agora... A um ano atrás. A UM ANO ATRÁS. PORRA!

–Que horas?

A porta da frente se abriu e o meu coração parou. Parou e voltou com todas as forças logo em seguida, parou e recomeçou de forma desgovernada e irracional, quase como um touro se debatendo em uma arena. O que foi questão de segundos me pareceram horas,

Pietro entrou com uma mala nas mãos e outra nas costas. Seus cabelos tinham um corte novo que eu, pra minha surpresa, curti mais do que o corte anterior. Observei ele levantar os olhos do chão e seguir para os meus, uma faísca quase visível surgiu entre seus olhos verdes e os meus. Ele parou ali mesmo onde estava e me olhou de cima a baixo. Não pude entender ao certo sua reação, nem o sentimento que transparecia, porque de trás dele surgiu uma garota alta, de olhos claros e cabelos loiros curtos.

Respirei fundo e olhei para Luca, esperando alguma reação. Ele me olhou de volta.

–Pietro, que bom que voltou! –Sorriu e foi o abraçar.

Segurei na mesa com medo de cair. A dor que eu sentia na cabeça acabara de se transformar em massacre de lembranças e esperanças. Não era mais a bebida do dia seguinte que me faziam mal, era a droga das minhas lembranças. Estava tendo uma overdose de lembranças e sentimentos perdidos.

–E ai cara. –Eles se abraçaram. –Saudades, irmãozão.

–Saudades também...

–Então, essa é Camila, minha...

–Namorada. –Ela completou com um sorriso de orelha a orelha. Vou vomitar com essa simpatia nojenta que ela carregava nos lábios.

–Ham... –Luca olhou pra mim. –Prazer Camila.

–E quem é essa?

Essa? Opa, sou eu.

Responde, Melanie, caralho.

–Essa é a Mel. –Pietro falou.

Senti meu estomago se revirar.

–E o que é que vocês estão fazendo aqui? –Educação passou por ela e gritou “OLÉ”

Vou contar até dez... se ela não tirar esse sorriso tosco da cara eu quebro ele em 30.

–Eu estou dividindo minha casa com Luca. Ele cuidou dela pra mim enquanto eu estive fora e agora vamos dividir as despesas.

–E ela é o brinde?

–É, mas a comida é você. –Pisquei pra ela e ela, graças aos bons dentes que ela tem, retirou a porcaria do sorriso do rosto.

–Hey, você me ofendeu.

–A madame vai me desculpar, mas não precisa de ajuda pra isso não. –Tentei manter a postura enquanto meu sangue fervia. –Alias quem esta me ofendendo é você. Sair de lá de Brasília pra vir poluir o meu ar aqui? Sacanagem.

Pietro riu, mas parou assim que ela o encarou, senti vontade de rir. Senti vontade de rir enquanto enfiava os saltos agulha dela em seu rosto de princesinha.

Ela vestia um vestido soltinho e florido, sapatilhas e um óculos escuro. E eu? Eu estava de shorts jeans rasgado e uma camiseta cumprida, descalça.

Pietro bateu a porta da sala com uma força desnecessária. Revirei os olhos e fui até a sala calçar meu all star, podia sentir o ódio exalar dos olhos azuis de Camila e me queimar.

–Já vai pra casa? –Pietro perguntou. –Nem nos cumprimentamos... nem me contou como foi o seu ano.

Respirei fundo, olhei para o teto e depois pra ele. Me levantei.

–Quer saber como foi o meu ano?

–Claro.

–Você foi embora, a Sam foi embora com o John, o Math ta namorando... Depois que você foi embora eu fiquei sozinha. Eu sobrei, ta ligado? Eu fiquei sozinha, mas ai apareceu o Luca. Um amigo, sabe? E nesse ano ele virou meu melhor amigo, porque você não era mais você, você estava longe... Você, porra, você dizia que me amava e foi embora. Ta, eu sei, o seu pai... mas palavras não são o suficiente, entende? Não sou colecionadora de frases bonitinhas, sou colecionadora de verdades. –Respirei fundo e pisquei varias vezes para não chorar. –E a verdade é que eu fiquei aqui sofrendo enquanto você ficava com outra, e o Luca... –Olhei pro Luca. –O Luca teve que segurar a bronca toda, teve que equilibrar meu senso se humor arrogante, com a minha grosseria, falta de jeito... Deixa quieto. –Revirei os olhos e o empurrei da porta.

Tirei a chave do carro do bolso enquanto Pietro largava as malas no chão e vinha até mim.

Ele abriu a boca para falar, mas Luca foi mais rápido, passando em passos rápidos por Pietro e me alcançando.

–A onde você pensa que vai.

–Pra minha casa.

–Fica...-Pietro sussurrou.

–Deixa ela ir. –Falou Camila, se encostando na porta.

–Quer saber, eu vou ficar. –Dei um beijo na bochecha de Luca e ele sorriu largo.

O que eu não faço pra provocar essas Barbies de silicone cerebral?