Charlotte se levantou da cama e tentou se equilibrar em suas pernas. Sua visão estava um pouco embaçada, e ela não sentia o chão sob seus pés. Nem sentia o pano seco da camisola hospitalar, ou seus cabelos pinicando seu pescoço. Sequer ouvia os passaros cantando naquela manhã ensolarada.

Tocou a porta com suavidade, abrindo-a. A sensação de não sentir nada lhe era tão familiar. Caminhou pelo corredor do hospital, em direção ao jardim. O silencio morbido, porém conhcido, lhe acompanhando a cada quieto passo que dava.

A porta para o jardim eram duas portas grandes de correr, de vidro transparente. Charlotte as abriu, e contemplou a paísagem comum. Um pedaço do piso era feito de pedra. O resto, grama verde. Ali, por perto, varios bancos, mesas e cadeiras, bancos de balanço, todos brancos. Ao fundo, uma legião de árvores se estendia, brilhando com a luz de um sol branco.

Charlotte avançou. Piscava varias vezes, parecia que a luminosidade natural estava lhe devolvendo a visão. Em um dos bancos de balanço, pensou ter visto alguém. O que era comum, ela não era a única paciente ali. Mas ele não usava uma camisola hospitalar, e sim um uniforme preto. Um uniforme de alguma escola particular, deduziu Charlotte. Deveria ser um estudante.

Como conseguiu entrar, ela nunca soube. O jardim era murado e, pessoas de fora só entrariam ali se estivessem visitando algum paciente. Até onde Charlotte via, ela estava sozinha.

Parou em frente ao rapaz, contemplando-o. Os cabelos eram extremamente louros, quase brancos. Oculos quadrados que protegiam grandes orbes castanhas. Seus labios se moveram, pronunciando palavras.

"Pode me chamar de Light Stark"

Charlotte abaixou a cabeça. Não podia ouví-lo. Stark sorriu, calmo, assim que entendeu a situação.

Em seu rosto, uma expressão que lembrava a única memoria que ela teve em dois anos. Uma lua palida e zombeteira.

Ajeitando seus oculos, ele continuou "Você é Charlotte Thompson, não? Demorou para acordar"

Charlotte o fitava com olhos mortos. Lhe via proferir palavras, mas não as ouvia. Light continuava, como se não se importasse.

"Agora que você finalmente acordou, vai poder ir para casa." ele continuou "Mas antes, tem que se recuperar por completo. Com o tempo, tudo vai voltar."

Ele mirou seus olhos negros. Não havia um único traço de vida ali.

"Confie em mim." disse por fim "Volte para o seu quarto, e seja uma boa garota."

Girando-a e lhe dando uns leves tapinhas nas costas, Charlotte marchou até a entrada do jardim. Virou-se rapidamente, e o rapaz ainda estava lá. Acenando.

Adentrou o hospital novamente. Percebeu que não podia mais avançar. Uma enfermeira havia bloqueado seu caminho.

"O que está fazendo aqui? Está muito cedo para ir ao jardim."

Charlotte fitou-a com seus olhos sem vida enquanto seus labios, cobertos por uma fina camada de batom, se moviam. Seu cerebro se perguntou por quanto tempo esteve ali. Por quantas vezes viu aquela mulher mover seus labios daquela forma.

"Mas... Você é aquela garotinha...." a enfermeira murmurou.

Charlotte ainda a olhava. Um olhar gelido, fazendo a enfermeira tremer.

"Você não devia ter acordado..." disse. "Não devia ter acordado." disse novamente, guiando-a até seu quarto.