Olhos De Aquarela escrita por Star


Capítulo 13
Abismo


Notas iniciais do capítulo

"O problema de sempre fugir é que você pode se perder pelo caminho"



Este capítulo também está disponível no +Fiction: plusfiction.com/book/369670/chapter/13

A teoria apocalíptica dos cientistas diz que quando a terra finalmente sucumbir ao poder supremo do sol, tudo vai acabar bem rápido. Um único e solene boom sem todo o caos e agonia tão falados por Hollywood. Ninguém sequer teria a oportunidade de sentir o que estava acontecendo até que terminasse. Seria como puxar uma TV da tomada. Uma hora está ali, na outra não.

Mas Nina é capaz de discordar solenemente dessa teoria.

Ela podia sentir cada pedaço do mundo, do seu mundo, se desencaixar e ser estraçalhado, triturado, dilacerado. Sem nenhum boom propriamente dito, mas com muita, muita dor.

Graças a algum tipo de autocontrole sinistro ela somente ficou zonza quando ainda estava na recepção. Ouviu o rapaz gorducho, a mancha violeta falar que o ataque cardíaco aconteceu enquanto Cícero dormia e que ele não sofreu de forma alguma. Como se seu coração parar de bater não fizesse diferença nenhuma. Como se tentar respirar e não conseguir porque o ar não está sendo bombeado para seus pulmões não fosse nenhum pouco agonizante. É claro que não, o sofrimento sempre fica para as pessoas que ficam. O borrão violeta disse que fariam o enterro no dia seguinte, perguntou se queria que lhe anotasse o endereço. A garota permaneceu apática, distante, em choque. Não lhe dirigiu nenhuma palavra, sequer respondeu aos chamados preocupados de Alex, só subiu para o oitavo andar.

Dani ia ser presa. Cícero estava morto.

Quando a bagunça que era sua vida tinha começado a machucar os outros dessa forma?

Suas mãos estavam tremendo quando colocou a chave na porta e algumas lágrimas já caiam, apesar do seu rosto continuar endurecido. Parecia que o chão não estava mais debaixo dos seus pés. Estava tudo tão errado. Tão fora de controle.

– Nina, por favor, fala comigo – A voz de Alex chegou aos seus ouvidos e lhe causou um embaraço gelado no estômago de repulsa.

– É tudo culpa sua, não é?

Alex fez uma careta de dor que ela não viu e continuou, com o olhar baixo por onde lágrimas grossas escapavam livremente.

– Foi você. Tudo começou a dar errado quando você apareceu. Por culpa sua perdi Dani, e Cícero, e tudo, tudo começou a ficar horrível e doloroso

– Não! – Nina se assustou. Ele estava chorando. Ele nunca tinha chorado. – Não diga isso, Nina, por favor.

– Já decidi – ela falou, recuperada, a voz cheia de amargura. – Eu não quero mais você.

– Não!

– Eu desisto. Desisto de tentar, desisto do meu passado, desisto desse futuro, desisto de tudo.

– Não! Nina, eu preciso de você!

– Suma! – Ordenou, seus berros fazendo pulsar todo o sangue quente pelo corpo cansado pelas emoções dos últimos dias. – Desapareça! Morra, eu não me importo. Não quero mais você!

NÃO! – Alex gritou, quase perdendo o fôlego em meio a todo seu desespero – Nina, não me esqueça! Não de novo, por favor!

Ele parecia chorar mais do que ela. Onde estava o Alex sorridente? Onde estava o menino que fazia brincadeiras, que gostava de irritá-la? Como aqueles dois poderiam ser a mesma pessoa?

Ou, nesse caso, a mesma parte de uma alucinação.

– Não pode fazer isso, Nina! Você não entende? Sempre desiste, sempre foge, sempre prefere a escuridão!

Nina balançou a cabeça com veemência, fechou os olhos com força e tapou os ouvidos, se encolhendo contra a porta.

– Vá embora! – gritou, com os ecos abafados da voz de Alex em algum lugar distante. – Você não existe! Eu te inventei! Vá embora! Vá embora!

Ele se ajoelhou em frente a ela, ela podia sentir o seu choro magoado. Sentiu as duas mãos cobrirem as suas e dentro da sua escuridão protetora e alí o ouviu pela última vez.

– Não vou dizer que as coisas vão ficar bem, não é assim que funciona. – Era como se ele estivesse sussurrando no seu ouvido, ou talvez dentro da sua cabeça. – Você não pode desistir toda vez que sente medo, não pode fugir sempre que alguma coisa ruim acontece. Você não precisa nem consegue mais aguentar tudo isso sozinha, Nina. Já tem muitas outras dores que você tentou apagar, mesmo sem querer, e agora está fazendo isso de novo, por escolha própria. Você está se destruindo, não vê?

Nina estremeceu quando sentiu a leve pressão acolhedora das mãos dele contra as suas se transformar em frio. Ele continuou, fraco, vacilante, distante.

– Estou com medo por mim, mas acima de tudo estou com medo por você, Nina. O problema de sempre fugir da realidade é que você pode se perder no caminho.

Os soluços que ela ouvia agora eram somente os seus, junto do bater do seu coração apertado e do latejar da sua mente exausta. Já não podia mais senti-lo por perto até que o calor confortável e carinhoso de Alex pressionou um beijo contra sua testa, devagar, e soprou as palavras para dentro da sua cabeça.

“Eu te amo, baixinha.’

Então, silêncio.

Nina esperou. Não tinha certeza pelo quê. Só era capaz de ouvir seu próprio choro, sua própria respiração, sua própria agonia. Só ela. Sentiu o estômago revirar. Afinal, não era isso mesmo que queria? O nada.

Quando conseguiu se acalmar um pouco atreveu-se a abrir os olhos. As cortinas estavam se agitando para dentro do quarto e ela estava sozinha. Como quando Dani veio visitá-la, como quando estava no hospital, como na delegacia.

Só que dessa vez era diferente, e ela podia sentir isso por dentro, com uma onda de tristeza tão arrasadora que sentiu vontade de vomitar.

Alex foi embora.

Para sempre.

Movendo-se como um zumbi, Nina se obrigou a levantar. Seus olhos inchados pareciam não ver nada, mas isso ainda era uma meta a se alcançar.

O mundo deveria voltar a ser escuridão. Como antes. E isso faria com que tudo ficasse bem.

Arrancou as cortinas.

Isso traria Cícero de volta.

Bloqueou as portas.

E deixaria Dani livre.

Quebrou as lâmpadas.

Então ela poderia viver sem dor, sem mortes, sem Alex, sem cores... E todos poderiam voltar a ser feliz.

Foi uma queda brusca, drástica e decisiva.

Nina enroscou-se na escuridão e se deixou afundar no buraco negro da sua mente.




Não quer ver anúncios?

Com uma contribuição de R$29,90 você deixa de ver anúncios no Nyah e em seu sucessor, o +Fiction, durante 1 ano!

Seu apoio é fundamental. Torne-se um herói!


Notas finais do capítulo

Primeiramente, eu gostaria de agradecer à filhota linda maravilhosa Pécora Line que deixou uma recomendação na minha humilde história, que eu quase caí da cadeira aqui quando vi. E quero agradecer também à Nina, a leitora mais meiga desse nyah que sempre fica agoniada com todas as tristezas que eu apronto com esses meus bichinhos. Muito obrigada mesmo, eu não posso dizer o quando fico feliz de ver que essa história também é tão especial para vocês minhas xuxusas gostosas *-*
Agora, sobre a história. FUDEU TUDO RAPAZ.

Cícero está morto, Dani está na cadeia, Alex desapareceu, Nina está enlouquecendo.
Oh, e agora?
Se você não consegue encontrar uma forma de escalar o fundo do poço, cave o suficiente para achar outra saída.

"Somente após o desastre nós podemos ser ressuscitados."
Tyler Durden, Clube da Luta.



Hey! Que tal deixar um comentário na história?
Por não receberem novos comentários em suas histórias, muitos autores desanimam e param de postar. Não deixe a história "Olhos De Aquarela" morrer!
Para comentar e incentivar o autor, cadastre-se ou entre em sua conta.