Já eram umas 7h da noite quando acordei. Nos últimos meses eu estava dormindo muito pouco a noite, pois era o horário que eu geralmente caçava Christopher. E como velhos hábitos custam a morrer esse me acompanharia por muito tempo. Athos estava deitado ao lado de minha cama, roendo um escudo de bronze quebrado. Passei as pernas para fora da cama e afaguei sua cabeça.

– Hora de ir até o pavilhão de jantar garoto. E depois disso, a caça a bandeira.

Me levantei e fui até o banheiro do chalé para poder tomar um banho e trocar de roupa. A água terminou de me despertar e demorei um pouco mais debaixo do chuveiro do que eu precisava. Quando sai, amarrei o cabelo molhado em um rabo de cavalo e comecei a vestir minha roupa. Jean preto, blusa regata preta e botas, um visual que adotei durante o tempo que passei fora do acampamento. Coloquei as luvas de couro sem dedos e sai do chalé em direção ao pavilhão refeitório. Fui surpreendida por Fer que se dirigia até mim com uma expressão sorridente. Não pude evitar e também sorri quando ele veio me dar um beijo na bochecha. Ele tinha mudado um pouco desde a última vez que o vi. O cabelo tinha sido cortado, ele estava mais forte - mas não "marombado" como Diego era - e relativamente mais alto.

– Me assustou com sua mudança de humor repentina hoje mais cedo. - ele começou.

– Eu sei... Meu humor anda conturbado nos últimos tempos. - falei - Mas e vocês, o que aconteceu enquanto estive fora?

Ele passou a mão pelo cabelo enquanto me acompanhava.

– Não muita coisa. James acabou trazendo a Gab a Thays e o Claudio - ele parou para ver minha expressão ao escutar o nome - eu estou ajudando com os estábulos e a Isa parece ter superado tudo aquilo...

– Ou é o que parece...

Ele assentiu, Isa amava Diego e ele tinha morrido em seus braços. Aquilo era um baque pra qualquer um que tivesse um pouco de emoção, sendo que Isa era a mais emotiva de todos nós. Não ia acreditar que tivesse superado tudo aquilo.

– Ei. - ele chamou minha atenção.

Me virei para Fer que me beijou carinhosamente. Seu sorriso era radiante quando se afastou.

– Senti sua falta. Na próxima vez me leve junto com você, ok?

Assenti com um sorriso. Ele era o único que conseguia me fazer sorrir além de James. Andamos juntos até o pavilhão refeitório, onde sentei na mesa destinada ao chalé 13. Claudio estava lá, para meu desgosto, e quando me viu começou a me analisar. Que droga esse garoto queria? Ele estava tramando alguma coisa, eu tinha certeza disso. Ninguém desse acampamento tinha coragem pra me provocar tanto, nem mesmo os novatos, mas Claudio Soter era uma maldita exceção a essa regra.

Depois de ofertarmos o que restou de nossa comida aos deuses estava finalmente na hora da captura a bandeira. Fui em direção a Isa e Fer que estavam acompanhados por Gabriela e Thays. A filha de Atena brandia uma espada de bronze e tinha um punhal amarrado em uma bainha na perna esquerda. Thays segurava uma faca de bronze em uma mão e tinha um chicote de liga de bronze no cinto. Notei também a Ángelos, a espada de Diego, na mão de Isa. Não pensei que ela a usaria um dia, mas parecia que eu estava enganada sobre.

– Preparados? - Fer perguntou entusiasmado.

– Claro que estamos. - Claudio falou as nossas costas, brandindo sua espada.

Aquela autoconfiança dele estava me dando nos nervos. Eu ainda ia descobrir qual era o lance daquele garoto. Comecei a andar até a floresta onde acontecia a captura a bandeira. Eu, Isa, Thays e Fer ficaríamos próximos ao Punho de Zeus, onde se encontrava nossa bandeira. Claudio e Gabriela iriam procurar a bandeira do time vermelho do outro lado do riacho assim que fosse dado o sinal. Percebi que Thays estava meio desconfortável e segurava a faca com um pouco de dificuldade.

– Ei - comecei - pegue o chicote, você vai se dar bem melhor com ele. Eu vou ficar aqui perto se te deixar melhor.

– Ah, obrigado. - ela falou guardando a faca na bainha e puxando o chicote.

Sorri para ela e comecei a subir na árvore. Eu teria uma visão melhor da área lá de cima. Fiz minha corrente se transformar na boa e velha foice e fiquei a espreita. O sinal foi dado e Claudio e Gabriela começaram a seguir pelas sombras. Como eu tinha aprendido a fazer durante o período que me afastei, me concentrei nos sons que eu considerava como os mais importantes. Avistei três campistas do time adversário se aproximando e dei o sinal para os que estavam abaixo. Quando foram avistados Fer e Isa correram para intercepta-los, e Thays ficou diretamente na linha de, ora quem diria, Raphael. Thays estalou o chicote, acertando Raphael no rosto. Ele ficou atordoado, mas voltou para o ataque. Esperei para ver como a filha de Afrodite se sairia naquela situação. Ela interceptou dois golpes de espada e chutou o estômago do filho de Ares. Sorri percebendo que poderia valer a pena me arriscar por aquela garota algum dia e saltei da árvore parando próximo ao garoto.

– Surprise mother fucker. - falei exibindo meu sorriso de psicopata.

– Ah não, você não... - ele bufou e me atacou.

Parei o ataque com o cabo da foice e o arrastei para o chão com a lamina. Raphael caiu no chão com um baque surdo com um gemido de dor. Sorri para ele me apoiando na foice.

– Segunda vez que eu te nocauteio em uma captura a bandeira. - falei acertando sua têmpora.

Aquilo tinha me distraído. Um dos campistas do time vermelho tinha conseguido pegar nossa bandeira e corria a toda para o outro lado do riacho.

– Merda! - falei correndo atrás do campista.

Eu o teria alcançado. Eu iria alcança-lo, mas alguém chamou minha atenção. Ele usava uma roupa vermelha sangue e olhava pra mim com um sorriso sarcástico. Por cinco meses eu procurei o dono daquele sorriso. Cinco meses antes eu jurei caçar e matar o dono daquele sorriso. Meu ódio conseguiu me cegar a ponto de me fazer parar. Minha mão pressionava o cabo da foice com força, fazendo os nós dos meus dedos ficarem brancos.

– Christopher! - gritei para o filho de Ares e comecei a correr em sua direção.

Ele correu também, me afastando da área da captura a bandeira sem eu perceber. Ele parou em uma área aberta o que impossibilitaria qualquer uso que eu pudesse dar as árvores. Não liguei e joguei meu corpo com força e ambos rolamos pelo chão. Parei agachada com a foice em minha mão direita, pronta para pular em cima dele. Meu ódio estava me cegando a ponto de eu não conseguir mais pensar no que estava fazendo.

– Não, não, não princesa. Sejamos pacíficos, não vim lutar com você.

Não liguei e fui ao seu encontro. Ele parou o golpe da foice e bloqueou o chute que eu lhe daria. Christopher acertou o cabo da espada em minha boca. O gosto metálico impregnava minha língua, mas não me importei e continuei atacando. Eu não estava pensando e nem avaliando minhas possibilidades, só queria mata-lo. Queria vingar Diego mais do que tudo.

– Como você está vivo? - perguntei rispidamente entre cada golpe.

– Ora, eu morri graças a você e sua amiguinha filha de Zeus. Mas eu já estava pronto pra isso, minha barganha com Érebo me deu tempo para passar pelos portões de Orfeu e cá estou eu. - ele respondia enquanto bloqueava meus ataques.

– Eu vou te matar Christopher! Você matou meu irmão! - gritei.

– Não, não, matar seu irmão foi um bônus. Eu queria matar seu namoradinho. E ainda vou princesa...

Aquilo foi a gota d'água. Minha visão ficou vermelha de raiva, mas tinha sido um erro. Christopher me empurrou, fazendo com que eu perdesse o equilíbrio. Ele bateu com o cabo da espada na minha cabeça e girou a espada, a encravando próximo a minhas costelas. Eu sabia que não tinha sido fatal, mas a dor e a perda de sangue me atordoaram. Minha foice caiu no chão e cai de joelhos pressionado o ferimento. Olhei para cima a ponto de ver Christopher desferir um chute em meu rosto, fazendo com que eu caísse para trás. Ele ficou em cima de mim com o rosto bem próximo ao meu. Ele aproximou a boca em meu ouvido e sussurrou com uma pontada ácida na voz.

– Eu poderia te matar agora filha de Hades. - ele começou pressionando o punho em meu ferimento, conseguindo me tirar um grito de dor - Mas ainda tenho planos pra você.

Ele se levantou e sorriu. Guardou a espada na bainha e pegou minha foice que estava no chão.

– Bons sonhos princesa do mal. - ele levantou a foice e bateu com tudo em minha têmpora.

Senti quando a arma foi jogada em cima de meu corpo, alguns segundos antes de minha visão ficar turva. Tudo que vi depois disso era escuridão...