Caio E Fernanda. escrita por Vanessa Carvalho


Capítulo 4
Capítulo 04


Notas iniciais do capítulo

Fernanda conhece um pouco mais da história de vida de Caio, e fica cada vez mais envolvida.



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Fernanda acordou sobressaltada. Estava atrasada. Saiu da cama apressada reclamando dela e entrando no banheiro para poder tomar um banho rápido. Pegou a primeira roupa que viu no armário e correu para o escritório. Nem tomar café tomou.

Chegou em menos de cinco minutos. A sorte era que chegando atrasada não teria que dar de cara com o Carlos. Entrou no elevador correndo e apertando o andar de seu escritório. Quando chegou lá, notou que estava apenas cinco minutos atrasada, o que a fez relaxar um pouco.

Inês já estava esperando para saber de todos os detalhes com o cliente. Podia não parecer, mas o escritório estava contando com ela para poder sair do vermelho.

– Então?

– Então o que? – falou Fernanda entrando na pequena copa procurando café.

– Como foi?

– Foi normal, Inês.

– Ai, um cliente como ele não pode ser normal. Me fala qualquer coisa.

– O que você quer saber?

– Ah como ele é? É perigoso? É bonito? É sedutor?

– Inês, você sabe que estávamos dentro de uma prisão, não sabe? Nesses lugares a gente não repara nessas coisas.

– Vamos, faço qualquer coisa para você me falar...

Fernanda suspirou, sabia que se não falasse qualquer coisa para ela, não teria paz o resto do dia. O problema era que ela não queria dividir isso com ninguém, nem mesmo com Inês. De alguma forma, Caio mexera tanto com ela, que ela gostaria de mantê-lo seguro apenas pra ela.

– Bem, sim, ele é até bastante bonito. Tem algo de altivo nele, te olha direto nos olhos e não fica enrolando para dizer as coisas... É bem irritante, sabe?

– Ele mexeu com você tanto assim?

– Ele não... – Mas não havia saída. Inês a conhecia bem demais para tentar mudar isso. Respirando fundo deixou o peso do seu corpo, ainda sob efeito da noite mal dormida, cair sob a cadeira. – Você já viu um animal selvagem ao vivo, Inês?

– Mas o que isso tem a ver?

– Viu ou não?

– Certa vez fui naquele tal Simba Safari, mas por quê?

– Então, você sabe como eles são ao ar livre, não sabe? Já os viu presos alguma vez?

– Sempre que levo meus sobrinhos netos ao Zoológico.

– Você notou que, com o passar do tempo, um brilho nos olhos vai sumindo? Que seus olhos ficam opacos?

– Sim. – Inês estava respondendo ainda sem entender a relação disso com o cliente.

– Os olhos dele estavam no estágio de ir perdendo o brilho. – Inês não falou nada. Ao invés disso, sentou-se numa cadeira devagar e continuou escutando. – É nítido o olhar selvagem que ele tem isso fica bem claro assim que olhamos pra ele, mas... De alguma forma, estar naquele lugar está fazendo com que ele perca isso.

– E o que você pretende fazer?

– Tirá-lo de lá. Antes eu apenas tinha uma intuição da inocência dele, e você sabe que minha intuição não falha.

– Sei sim.

– Depois de falar com ele, de vê-lo, tive certeza. Ele É inocente e armaram pra cima dele. Acho que devem ter tentado isso para uma queima de arquivo nas inúmeras rebeliões que acontece.

– Então ele está correndo perigo?

– Provavelmente.

– Você falou isso pra ele?

– Não, não foi preciso. Ele é bastante inteligente.

– Por onde você vai começar?

– NÓS vamos começar indo até a casa dele buscar uns documentos e uma fita.

– N-Nós?

– Sim, vamos logo que já estamos atrasadas.

A essa altura, o escritório já estava movimentado. Advogados indo e vindo. Pequenas reuniões com clientes, advogados das partes contrárias, uma tentativa de entrar em acordo, enfim, o dia normal de um escritório de advocacia. Por mais estranho que possa parecer, sexta-feira era o dia mais intenso lá dentro. O fórum quase nunca marcava audiências para aquele dia. Então, os advogados aproveitavam e usavam este dia para por em dia suas peças processuais, suas reuniões com clientes e conversar com os chefes.

Mas havia aqueles que aproveitavam mesmo para escapulir da cidade grande e passar um tempo num lugar calmo. Fernanda até tentou o mesmo algumas vezes, indo visitar seu pai, mas logo desistira da ideia. Havia se acostumado com o movimento da cidade grande e dificilmente voltava para o interior.

As duas saíram usando o motorista do escritório. Era um senhor já prestes a se aposentar, mas ainda possuía a mão firme e o pé leve. Fernanda deu o endereço escrito num pedaço de papel a ele e ficou lendo, mais uma vez, as mais de vinte páginas do relatório do legista. Uma coisa passou despercebida por todos. Segundo o que estava escrito, a ferida a faca no peito da vítima, causa da morte, fora feita por uma pessoa de no máximo 1m70cm e canhota. Caio possuía mais de 1m80cm e era destro. Ele NÃO matou o político. Restava, enfim, saber quem gostaria de se livrar dele.

Ao chegar à casa de Caio, as duas perderam o fôlego. Fernanda olhou para o seu tamanho e começou a rir. João parou bem em frente ao portão. Um dos seguranças olhou pela guarita de forma estranha. Fernanda pode notar que usava uma arma que tentava em vão esconder. Saiu do carro e se aproximou.

– Bom dia! Aqui é a casa do Caio Costa, não é?

– Quem gostaria de saber?

– A advogada dele. – Fernanda falou com a autorização nas mãos entregando ao segurança. Este analisou o papel e sorriu.

– Sim, esta é a letra do senhor Caio. E a senhorita é a advogada dele?

– Sim.

– E quem é a senhora?

– Inês Nascimento, minha assistente. Por favor, poderíamos entrar? Precisamos pegar umas coisas que está no escritório dele.

– Claro, claro... – O segurança não demorou em abrir uma pequena porta. – Ele fica aqui fora.

As duas entraram na propriedade altamente guardada. Um dos seguranças acompanhou as duas mulheres até a porta de entrada. Mesmo sem seu dono, ela estava bem limpa e com a grama aparada.

– Nossa... – Inês falou ao passar pela porta da frente.

– É... Nossa. Por favor, você poderia nos mostrar o escritório?

– Olha moça...

– Olha moço, eu estou aqui para ajudar seu patrão. Por favor, nos poupe das frases de efeito do tipo “não conheço a senhora e tenho que falar com o Seu Caio primeiro” porque não vai adiantar muita coisa. Então, ou você nos poupa tempo e nos mostra onde é o escritório, ou a gente procura sem você. Apenas levaremos mais tempo.

O segurança ficou sem palavras diante da ousadia daquela mulher. Ela não deveria ter mais de 1m66cm e mesmo assim, quando falava se mostrava gigante. O segurança se envergonhou com sua atitude e levou as duas mulheres para uma parte da casa afastada, mais perto da escada.

Era um cômodo grande, com uma estante que cobria todo um lado da parede repleta de livros. Fernanda se perguntou se Caio teve o trabalho de ao menos olhar os títulos que possuía. Ela ficou algum tempo analisando alguns títulos e sentiu uma inveja danada de Caio por tê-los.

Afastou isso da sua cabeça e começou a analisar a mesa de cedro imponente perto de uma grande janela. Inês estava olhando um porta-arquivo que havia no cômodo.

Fernanda se sentou na poltrona luxuosamente confortável olhando os papeis que estavam em cima da mesa. Estava ainda da mesma forma que Caio deixara no momento de sua prisão. Olhou papel por papel. Encontrou umas planilhas com altos valores em dólar. Resolveu guarda-los. Alguma coisa dizia que aqueles papeis seriam importantes. Abriu a primeira gaveta e encontrou apenas um revolver. Se arrepiou completamente e fechou a gaveta. Se havia duas coisas dais quais Fernanda tinha pavor eram de armas de fogo e cachorros grandes.

Olhou a segunda gaveta. Encontrou, dentre outras coisas, um molho de chaves que deduziu que fossem da casa e um porta-retratos. Nele havia um Caio mais jovem apenas de bermuda, um casal mais velho que Fernanda soube que eram seus pais devido a grande semelhança de Caio com o senhor de cabelos brancos e uma menina de no máximo 11 anos. A irmã de Caio. Pelo que andou estudando, ela morreu alguns anos depois vítima de overdose. E isso devastou a vida de Caio. Ela era a joia rara dele.

– O que estamos procurando? – Perguntou Inês tirando Fernanda de sua concentração.

– Tickets de viagem.

– Tickets de viagem? Atravessamos meio mundo pra vir atrás de tickets de viagem?

– Vê isso? – Fernanda mostrou, um pouco irritada, a hora da morte. – Segundo isso, a hora da morte foi por volta das duas horas da manhã. O que, segundo nosso cliente, este horário ele estava voltando pra casa dentro de um avião.

– Certo, certo, não precisa me bater.

– Desculpe, não tomei café da manhã; lembra?

– É lembro. Sei que você fica mesmo insuportável quando não toma café. Mas, você deveria admitir que está nervosa e com medo de não provar a inocência dele.

– Eu VOU provar a inocência dele, Inês.

Fernanda abriu a última gaveta. Ainda não havia achado o ticket, mas achou algo mais importante. Alguns dvds de segurança estavam empilhados dentre eles o do dia do assassinato. Fernanda procurou um aparelho, não achando, colocou mesmo no notebook a sua frente. No dvd mostra claramente Caio entrando em casa depois das três da manhã cheio de malas e ainda com roupa de frio. Ou Caio estava doente no dia, ou então era mais uma prova de que ele estava limpo. Restava agora os tickets da viagem e o mais importante, quem gostaria que Caio desaparecesse.

Fernanda agora estava mais animada. As provas para a inocência de Caio estava aparecendo, mas nada adiantava se ela não achasse nada provando que Caio estava fora da cidade no dia. Mas somente isso não seria o suficiente. Ela precisava saber mais sobre o deputado.

– Nanda, olha, acho que eu achei alguma coisa. – Inês gritou de uma parte mais afastada do cômodo.

Fernanda correu para de onde vinha a voz da amiga. Era uma segunda sala, bem menor que a que elas estavam contendo somente uma mesa com um notebook.

Ao lado da mesa, uma maleta. Inês estava com uma passagem de avião nas mãos e logo entregou a Fernanda que ao analisar, sorriu abraçando e beijando a amiga.

– Você é brilhante, Inês, de verdade.

– Ah... Sou apenas curiosa e mexo em qualquer coisa que acho que devo. – Falou sem jeito com tanto elogios da amiga.

– Vou guardar isso junto com o DVD.

Enquanto as duas estavam procurando mais coisas, um dos seguranças ligou para Caio. Era ordens do mesmo que fosse avisando quando Fernanda chegasse a sua casa. Avisou para que as duas fossem muito bem recebidas. Queria que Fernanda se sentisse em casa. E que avisassem à Maria que caprichasse na comida.

Já passava de meio dia quando uma senhora sorridente e atenciosa bateu à porta do escritório.

– Com licença moça, mas o almoço está servido.

– Han... Não, nós não...

– São ordens moça e mesmo assim, já passa do meio dia e desde que vocês chegaram não comeram, nem beberam nada...

– É verdade Fernanda, eu estou com fome e você deve comer alguma coisa, pois não tomou café, lembra?

– Mas não devemos... O Caio ele...

– O Seu Caio se souber que a senhora esteve aqui e não foi bem tratada, saindo com fome, despedirá todo mundo. – Falou a senhora sorrindo. – Vamos, garanto que a senhora vai gostar.

Mesmo sob protesto, o estomago de Fernanda reagiu ao delicioso cheiro que vinha da cozinha. Sorrindo ela aceitou gentilmente a comida. Sabia que não podia se dar ao luxo de ficar sem comer.

Maria colocou a mesa para as duas e serviu a deliciosa carne de forno que havia feito. Junto com ela uma salada verde com um molho parmesão, arroz e suco de laranja.

– Hum, cheiro delicioso, dona...?

– Maria.

– Aposto que a senhora é cozinheira de forno e fogão. – Inês estava dando a primeira garfada na salada.

– Ah, Seu Caio me fez fazer vários cursos.

– A senhora trabalha com ele há muito tempo?

– Tem mais de vinte anos minha filha. Fui cozinheira dos pais dele primeiro.

– Então a senhora conheceu a Paula?

– Sim. Ela era a alegria da casa. Linda, uns olhos castanho-esverdeados, puxou pra mãe. O Seu Caio a amava incondicionalmente.

– Eu vi uma foto deles. Ela era uma menina muito bonita.

– Desculpe dona Maria, mas o que realmente aconteceu com ela?

– Bem, naquela época, as coisas não eram assim tão complicadas. As pessoas costumavam confiar nas pessoas. E a Paulinha... Bem, ela confiou nas pessoas erradas.

– Ah, por favor, a menina tinha 17 anos quando morreu e...

– INÊS... – Gritou Fernanda com raiva.

– Eu só estava querendo dizer que ela deveria saber que drogas eram ruins.

– Desculpe dona Maria, continue.

– Então, minha filha, a Paulinha estava no último ano do colégio, ia estudar pra ser doutora. Queria cuidar de gente que ficava doente. E conheceu aquele rapaz. Seu Caio não gostava dele. Vivia falando que ele não era flor que se cheirasse, mas nem ela nem os pais acreditavam. Ele já não morava com eles. Seu Caio estava com 24 anos na época. Tava terminando a faculdade, e tinha acabado de arrumar um emprego. Uma das coisas que Caio presava eram as visitas de Paulinha. Ele estava morando num apartamento pequeno, mas aconchegante.

– Ela o visitava todos os dias?

– Praticamente, mas aparecia mais nos finais de semana. Naquela época eu ainda não era fixa do Seu Caio. Aparecia três vezes pra arrumar a casa, fazer comida, essas coisas. Então as visitas dela começaram a ser mais espaçadas. Antes ela dava a desculpa que estava estudando para entrar na faculdade. Dizia que era difícil entrar.

– Sim, é um dos mais concorridos o curso de medicina.

– Até aquela noite. – Dona Maria calou-se por um instante. Estava difícil de segurar as lágrimas.

– Dona Maria se a senhora não quiser falar...

– Não minha filha, eu quero. Seu Caio não gosta de falar disso, costumo falar pra ele que ele precisa colocar essa doença pra fora, mas ele fica irritado quando tocamos no assunto.

– Que noite dona Maria?

– 23 de outubro de 2002. Eu lembro como se fosse hoje. Paulinha saiu com ele para irem a uma festa. Era uma festa da turma do colégio. Seu Caio estava resolvendo uns problemas fora da cidade. Depois de três da manhã o telefone da casa começou a tocar. Eu fui atender, achei que fosse algum moleque infernizando a vida de gente de bem. Mas era do IML.

– Nossa. Essa família deve ter ficado devastada.

– Minha filha, essa família acabou. Quando o pai do seu Caio atendeu, ele não queria acreditar. A mãe dele só chorava. Mas alguém tinha que ir lá, reconhecer a menina.

– Mas e o Caio?

– Eu que avisei filha. Quando seu Júlio chegou em casa, depois do reconhecimento, liguei para ele. Ele estava dormindo e não estava entendendo direito. E eu tive que repetir várias vezes até ele entender o que tava acontecendo.

– Nem imagino a dor dele.

– Em menos de duas horas o carro dele tava entrando na garagem da casa da família. Ele querendo saber o que aconteceu e onde tava a irmã. Quando o seu Júlio contou o que houve, ele simplesmente explodiu. Saiu xingando o mundo prometendo que iria encontrar o rapaz.

– Mas o que realmente aconteceu?

– A menina Paula chegou com o namorado e logo começou a beber e dançar. E ele ofereceu a ela todo tipo de droga, de maconha a coisa mais pesada. Ela não era acostumada. Tudo pra poder levar a menina pra cama.

– Espera, ela ainda foi estuprada?

– Sim, ela foi estrupada.

– Dona Maria não precisa falar mais nada.

– Bom, seu Caio prometeu aos pais que não descansaria enquanto não achasse o cara.

– Achou?

– Não. Acho que ele ainda procura por ele.

– Obrigada dona Maria.

Depois da conversa com a empregada e de estarem bem alimentadas, Fernanda e Inês voltaram ao escritório. Mas de alguma forma, Fernanda estava se sentindo desconfortável por estar lá. De alguma forma começou a achar que estava invadindo a privacidade de Caio ao saber de tudo aquilo. Ter uma irmã estuprada e morta pelo primeiro namorado... Não era de se estranhar a desconfiança dele por tudo e todos.

Elas ainda procuraram mais algumas coisas. Fernanda achou papeis da reunião que Caio participou provando que ele estava fora da cidade. Ela não descansaria até tirar Caio da Cadeia. O início do procedimento estava próximo e ela ainda teria que ver a escolha dos jurados e tudo o mais. O procedimento do júri era algo um pouco complexo e dependendo do caso, demorado. E em se tratando da morte de um deputado? Poderia levar dias.

Depois de quase quatro horas analisando papeis, pastas, arquivos de computador e tudo o mais, Fernanda e Inês voltaram para o escritório. De alguma forma, ela estava animada, mas mal conversou com Inês na volta. Ela estava pensando demais na história que dona Maria contou a elas duas.

Uma irmã morta. Isso poderia deixar uma pessoa louca. Fernanda ficou imaginando se durante esses anos todos ele ainda o procurava. Dependendo, era bem capaz de o cara nem morar mais no Brasil. Logo ela começou a pensar em todas as possibilidades. Prescrição ainda não ocorreu, então, ainda havia tempo. Mas, Fernanda temia que se Caio o achasse, vivo ele não ficaria.

Resolveu pensar nisso depois. Agora precisava se concentrar no caso de Caio. E quanto mais ela sabia das coisas, mais envolvida ela ficava. E quanto mais envolvida ela ficava, mais pensar em Caio pensava.


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Notas finais do capítulo

Gostaram? Divulguem, comentem, favoritem, enfim...

Beijinhos.



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