Depois de descobrir uns trocentos machucados por meu corpo, Alex me levou para a enfermaria da mansão. Fui devidamente tratado, limpo e coberto de faixas de gaze. Yomi-chan e as outras voltaram da escola e vieram me ver.

– Yusuke-kun que bom que você voltou! - Disse Yuka me abraçando apertado.

– Que bom mesmo, senão eu ia ter que arranjar um outro agente para a Cash-chan - Arkane cruzou os braços, claramente desapontada comigo.

– Um agente como eu, Arkane-chan? - Perguntou Hikaru, pulando entre nós e empinando o peito.

Arkane o empurrou e virou o rosto.

–Tsc, um agente que não fosse tarado como você! - Ela respondeu.

– Ne, por que demorou tanto, Yusuke-kun? - Mira me olhou torto.

– Bem... - comecei, mas Hikaru me interrompeu.

– Err, o Yusuke-kun ficou para limpar a bagunça da missão - ele forçou o riso.

– Isso mesmo -concordei.

– Cashmire já sabe que você voltou? - Mira quis saber.

– Não, ela está com Arthur desde a hora em que saiu do colégio.

– Então você tem que estar perfect pra ela!! - Arkane e Hikaru gritaram juntos.

E aí desenrolou-se um falatório dos infernos enquanto os quatro escolhiam todos os tipos que combinações possíveis e impossíveis para me vestirem. Me arrastaram até meu quarto - antes que a Alex-chan descobrisse que me tiraram da enfermaria - e passaram a chave no trinco.

– Oe, o Hikaru me ajudar a me trocar tudo bem, mas as senhoritas não podem - adverti com uma ruga de irritação.

– Ah, por que não? - Perguntaram com carinhas tristes e fingidas.

– Eu sou um homem, e vocês são damas - expliquei o óbvio. - Isto não condiz com as regras de etiqueta.

– Eba, vou vestir o Yu-kun!! - Hikaru fez cara de pervertido.

Arkane o olhou espantada e se pôs a rir com as outras.

– E... E eu que achei que você era hentai só com as garotas - ela reuniu fôlego para falar em meio ao riso.

– Gomen, Hikaru-kun - pousei a mão em seu ombro, rindo. - Eu não curto yaoi.

Mira parou de rir e voltou a sua postura fechada.

– Ok, ok - ela chamou a atenção com palmas. - Já está ficando tarde e daqui a pouco a Cashmire e o Arthur estarão de volta.

– Ou seja, temos que te arrumar rapidinho - Yuka completou com uma piscadela.

– Yuka-chan, o Yuto-kun sabe que você está aqui? - Perguntei arqueando uma sobrancelha.

– Err, não? - Ela respondeu com outra pergunta.

– Ah, ótimo. Depois ele vai ficar enfezadinho com o Hikaru - o ruivo ficou perplexo.

– Comigo?! - Ele escancarou a boca.

– Ora, você é o mais pervertido entre nós cinco - cruzei os braços. - E também, foi você quem deixou elas virem pra cá. Eu sou apenas uma vítima dessa algazarra.

Arkane se inclinou para cochichar no ouvido de Yuka. Mal sabe que consigo ouvi-la, graças ao fato de nossos youkais serem da mesma espécie, que criança inocente.

– Ne, ele fala isso mas está todo empolgadinho por dentro - ela sussurrou antes de rir baixinho.

– Ne, você fala isso como se eu não pudesse te ouvir - sorri vantajoso.

– Que mala, você!! - Ela pigarreou.

– Mas, Yusuke-kun, teremos um jantar mais comemorativo por sua volta e pela missão ter sido completada - informou-me Hikaru.

– Isso mesmo - as três garotas acenaram com a cabeça.

Agora fiquei sem escolhas. Teria de deixar essas quatro criaturinhas me vestirem e fazerem todo tipo de esquisitice comigo. Suspirei pesadamente e estendi os braços.

– Sou todo de vocês.

– Yuup!! - Disseram juntos, exceto a Mira-chan.

O passeio com o Arthur foi hiper divertido, mas tive que aguentar os olhares invejosos das garotas na Gelato. Era a Alex-chan que deveria ter recebido aqueles olhares! O Arthur não me pertence - e nem quero que esse problemático me pertença.

Conversamos bastante sobre muitas coisas e experimentamos praticamente todos os sabores de sorvete e todos os condimentos da sorveteria - já estava começando a ficar resfriada. Arthur me contou sobre seus sentimentos em relação à Alex-chan, o jeito como ele falava dela era muito fofo e romântico mas sem melzinho demais.

Claro, o loiro - curioso - quis saber sobre o que eu realmente sinto pelo Yusuke-kun. Eu quase chorei no meio da sorveteria, quase. Disse que eu já tinha me declarado para ele e que estava aguardando sua resposta, mas até agora nada.

Yusuke-kun sempre diz que precisamos esperar a poeira baixar. Mas que poeira? E quando isso vai acontecer? Acho que o problema é a diferença de idade. A família dele ia querer matá-lo se soubessem que nós estávamos juntos - puxando pra um relacionamento amoroso - por dois motivos: eu sou doze anos mais nova que ele; Yusuke-kun foi permitido abandonar sua carreira como engenheiro para cuidar de mim, não para me molestar.

Se bem que é mais provável que eu moleste ele, do ele fazer algo pervertido comigo. Pra se ter uma noção, o Yu-kun ainda não teve seu primeiro beijo. Inocente demais em alguns pontos... Deveria ser um segredo, mas eu acabei contando pro Arthur e pra Alex-chan, pra Yomi-chan e pro Hikaru, pro Fran e pro Ginger. Tá vendo só como eu sei guardar segredo?

Abri o closet e procurei um vestido casual. Ginger avisara que o jantar ia ser especial, em comemoração pelo sucesso da missão. Eu não estava afim de comemorar isso. Pra começo de conversa, se não fosse por essa missão ele ainda estaria aqui comigo.

Minha escápula começou a arder de novo. Parecia que alguém tinha esfregado uma folha de urticária em minha pele. Corri para o banheiro com o vestido escolhido nas mãos. Achei a pomada no armário do espelho e apliquei na escápula. O alívio foi refrescante e imediato.

– Ahh - suspirei enquanto espalhava a pomada por minha pele.

O vestido escorregou do canto da pia - onde eu o tinha largado. Reparei um pouco nele, a peça tinha duas saias, uma se sobrepondo à outra com babados de renda branca contrastando com o azul bebê. O decote ficava a dois dedos do início do busto, o que dava um ar moderno sem nenhuma vulgaridade. Uma dobra marcava e circundava a cintura, o que ajudava no fato de a peça ser regata.

O tecido azul parecia ser um complemento ao branco do forro embaixo, dava a impressão de serem dois vestidos iguais, um por cima do outro. Eu o vesti e calcei um sapato azul cobalto de couro e salto baixo. Fiz tranças nas mechas que emolduravam meu rosto, as prendi na parte de trás da cabeça e acertei a franja.

Parecia uma hime, a hime que os outros viam e eu não enxergava. Balancei a cabeça rindo. Apaguei as luzes e deixei o quarto quando Yomi-chan e Hikaru vieram me buscar.

– Uau! Está linda - eu a elogiei.

Arkane estava usando uma saia de um palmo acima dos joelhos, rosa e soltinha. A blusinha bege fazia um padrão perfeito de cores, os cabelos brancos estavam presos em um coque - que o Hikaru deve ter feito pelo estado do penteado.

– Owwn, você está tão kawaii - Yomi-chan e Hikaru gritaram juntos.

– Ok, ok. Vamos, senão nos atrasaremos para o jantar - eu os empurrei até o elevador.

Hikaru estava de camisa branca com uma gravata de um rosa no tom da saia da Yomi-chan. Os dois juntos ficaram muito românticos. Incrivelmente, perto deles eu não me sentia segurando vela, chegava até ser reconfortante.

O elevador parou no mezanino do salão de jantar e então saímos. Alex estava parada em nossa frente, batendo o pé impacientemente no chão.

– Deixa eu adivinhar - comecei -, o Arthur está atrasado?

– É - Alex respondeu nervosa com o loiro.

Ela estava linda, usando um vestido branquinho de uma alça só. O tecido realçava o tom azul escuro de seus cabelos e causava um ar maduro, mas também a deixava mais pálida do que já era. Ela entrou no elevador e apertou o botão do andar de Arthur, sorrindo para nós.

Enquanto descíamos as escadas que levavam até o salão, notei uma figura peculiar conversando com Kain. A silhueta me era familiar e me causava calafrios. Não só calafrios, mas também a queimação na escápula. Tentei controlar meus impulsos de massagear o lugar, como também o de minhas feições se contraírem.

– Cash, está tudo bem? - Yomi-chan perguntou.

– Tudo ok - eu sorri para disfarçar.

Não tinha problema nenhum em contar o que estava acontecendo para ela, ou para o Hikaru. Mas eles são bem escandalosos, e Ginger estava por perto. Se fosse a Alex-chan ou Arthur, ainda vá lá.

– Hm, então tá - Arkane deu de ombros.

Fomos nos aproximando de Kain, e, a cada passo que eu dava, a dor na escápula piorava. Quando já estávamos próximos o suficiente, o outro cara se virou e pude descobrir o porquê sua silhueta me era familiar.