Entrei no carro de Daniel e ficamos em um silêncio desagradável. Eu apertava nervosamente o banco, eu ainda estava chorando devido ao susto e balançava as pernas, acho que este gesto o deixou irritado já que ele suspirou e disse:

    -Olha, se acalma, por favor.

   - Eu estou calma, - eu disse um pouco nervosa  – olha Daniel, você não tem que me deixar na porta do prédio. Eu não quero incomodar.

    - Eu não ligo, já disse. – ele sorriu simpático – E então Lili, qual é o seu prédio?

    - Aquele, o prédio amarelo – eu respondi apontando.

   Ele parou o carro em frente à portaria. Eu agradeci e desci do carro.

   - Obrigada, até mais Daniel.

   - Ah, Lili, - ele chamou – eu te ajudo a carregar suas coisas.

   Eu realmente precisava de ajuda, meus papéis, meu violão, tudo caía. Mesmo assim recusei ajuda e subi sozinha. Daniel havia sido muito fofo comigo, mas eu não queria incomodar, ele já havia me levado em casa, já estava bom.

   Em casa, pedi comida chinesa e resolvi ver um filme, já que meus planos de ler meu novo livro foram destruídos por uma poça d’água. Assisti Alice no País das Maravilhas. Quando eu era criança minha mãe assistia comigo. Ela costumava dizer que se eu quisesse, todos os meus sonhos se realizariam. Espero que ela esteja certa. Levei instintivamente a mão ao colar que não estava mais no meu pescoço. Uma lágrima rolou pelo meu rosto.

    Eu sentia muita falta da minha mãe. Ela morreu de leucemia, eu era muito ligada à ela. Quando ela deu a notícia do câncer, tentamos ser fortes e lutar. Eu e minha avó ficamos resistentes, éramos só nós três. Meu pai fugiu quando descobriu da gravidez da minha mãe. Agora só restam minha avó e eu.

   Balancei a cabeça afastando os pensamentos sobre minha mãe. Sempre que eu me lembrava dela, ficava triste e feliz ao mesmo tempo.

    Resolvi tocar guitarra um pouco, tocar me relaxava e era como se eu me desligasse assim que tocava cada nota. Eu me esquecia dos problemas, da morte da mamãe, do sumiço do papai e da saudade que sentia da minha avó. Quando eu tocava, nada disso mais importava.

     Após um tempo tocando meus solos favoritos do Nirvana, percebi que minha cabeça doía, liguei na farmácia e pedi um remédio, assim que tomei me joguei na cama e dormi do jeito que estava.

   ***

    Eu teria dormido até o outro dia mas acordei com o meu telefone tocando, atendi meio fora do ar:

  - Alô. – silêncio do outro lado da linha –Alô?! – falei mais alto, nada, então desliguei.

  Olhei o número. Confidencial.  Ignorei o fato e me levantei ainda com os olhos embaçados. Olhei pela janela do meu quarto que tinha vista para um pequeno bosque da cidade. Já era noite e o céu estava lindo. Eu morava em uma parte afastada da cidade, por isso o céu a noite era lindo, era completamente inspirador.

   Tive uma ideia um pouco insana, mas era uma ideia tentadora. Coloquei um sobretudo xadrez e calcei meu coturno, peguei meu violão e fui para o elevador.

   ***

  A entrada do pequeno bosque era um pouco estranha, parecia mais um lugar abandonado. Tinha um portão enferrujado, que estava aberto. Eu entrei um pouco cautelosa. Após andar por um caminho de cascalho, cheguei até um casarão abandonado. Não era um pequeno bosque, era o jardim de uma casa.

   Andei mais um pouco e cheguei a uma espécie de praça no meio do jardim, me sentei em um banco e comecei a tocar do Best of you do Foo Figthers. Eu cantava baixinho quando ouvi algo mexer as folhas atrás de mim. Parei de tocar e olhei à minha volta.

   - Bela voz. – ouvi alguém falar. Levei  um susto.

  -Daniel? – perguntei me virando e olhando pra o cara lindo que estava escorado em uma árvore atrás de mim – Não acha que estamos nos encontrando muito? Sabe, nós nos conhecemos hoje. É estranho.

    -Você está me seguindo. – ele disse sorrindo e se sentando ao meu lado.

   -Eu cheguei primeiro, então você está me seguindo.

   Ele riu e ficou olhando um tempo para o céu.

   -Eu amo esse lugar. – ele começou, ainda olhando para cima  - Essa casa era dos meus avós, eles deram ela pra mim e pra Ci, mas ela não gosta muito daqui.

   -Aqui é lindo mesmo. Dá pra ver o céu muito melhor sem postes de luz e é bem silencioso aqui também.

  -É, hoje esse silêncio foi quebrado por alguém tocando Best of you. – ele disse se virando pra mim e arqueando as sobrancelhas.

  -Desculpa ter invadido, eu pensei que fosse um bosque.

  -Não se preocupe, foi bom te ver de novo.  – ele olhou no relógio e suspirou – eu tenho que ir, tenho aula na faculdade agora.

   -Ah, tudo bem, eu já estou indo.

   -Pode ficar, eu não me importo.

   -Eu tenho que ir, sério. – falei guardando o violão na capa e me levantando.

  Daniel me acompanhou até a porta do meu prédio, fiquei um pouco desconcentrada quando ele bagunçou os cabelos com os dedos. Ele percebeu que eu estava com cara de idiota e riu.

  -Desculpe, - sorri tímida com o rosto queimando – eu vou subir, até mais Daniel.

  -Tudo bem, ah, me chama de Danny, por favor.

  -Legal, então até mais Danny.

  Nós rimos e nos despedimos. Eu subi e me deitei, precisava dormir mais, amanhã iria até a faculdade resolver a transferência do meu curso.

Eu estava deitada na cama olhando para o teto e ouvindo Best of you. Meu dia havia sido bem agitado, fechei os olhos e logo caí no mundo dos sonhos.