Eu nunca estive tão confusa.

Harry me arrastava para Deus sabe onde de forma abrupta e animalesca. Além de parecer aflito, ele parecia agoniado. Enquanto isso, lá fora, uma grande batalha estava prestes a começar.

- Harry, por favor. Pare o que está fazendo. - implorei.

- Eu não queria, eu não queria... - ele repetia insanamente, o que me fez franzir o cenho. - Eu só...

- Mas o que...

- Cala a boca! - ele me pegou de mal jeito outra vez, me jogando em seguida no chão frio e úmido com uma força voraz. Tossi pelo impacto, esperando não ter quebrado nada.

- Não entendo. - murmurei, aturdida.

- Não sabe há quanto tempo esperei pra fazer isso; Luna, querida - falou ele com um sorriso estranho. Malicioso, talvez. - Tudo o que está engasgado na minha garganta. Tudo o que eu sempre quis mostrar enquanto fingia ser um idiota bonzinho! - com força, ele segurou o meu cabelo, me jogando contra a parede.

- Você...! - eu me surpreendi, sem acreditar. - Harry...você não está dizendo que...?

- Sim! - disse em alto e bom som, sorrindo. - Não estou do seu lado, querida. E sabe por quê? Porque você deveria ser a minha filha! - e me agarrou novamente, e gemi, reclamando. - Eu sempre fui apaixonado pela sua mãe, mas ela teve você com o ridículo do Airon! Eu me calei, só esperando o momento certo pra agir... - e deu uma risadinha. - E estamos aqui agora. Seu pai vai pagar. Ele a roubou de mim! Roubou você de mim!

- Não tenho culpa se minha mãe nunca gostou de você. - falei com a voz um pouco engasgada. - Talvez ela esteja certa, mesmo...

Ele entendeu minha indireta, e grunhiu.

- Imagine minha surpresa ao ver o quanto você é parecida com Airon... - sua voz era nostálgica. - Sabe, eu teria pego você muito antes se não fosse aquele moleque do Leon! Eu encontrei você muito antes...mas tudo bem. Se eu matá-la agora, Airon e eu finalmente lutaremos de verdade... - ele segurou meu queixo. - Perder a única filhinha...

- Você não pode deixar essa raiva dominar você! - gritei. - Esqueça o passado, Harry. Não era pra acontecer. Só isso.

- Só isso?! - ele puxou meu cabelo. - E todas as vezes que seu pai me humilhou quando éramos jovens? Não, ele vai pagar. Você vai pagar!

- Solta a minha filha agora.

A voz veio da escuridão. Airon surgiu carregando uma expressão desapontada no rosto. Ele parecia cansado - nunca o vi assim antes.

Harry apenas riu.

- Finalmente a verdade aparece, não?

- Eu mandei soltá-la - Airon repetiu. - Não pode descontar nela coisas que eu fiz. E das quais me arrependo.

- Não me venha com essas baboseiras ridículas agora...

- Luna, psiu!

Max apareceu, acompanhado de outro alguém. Aproveitando a distração - a qual meu pai havia provocado - me arrastei até que pudesse tocar na mão fria de Max.

- Como está lá fora? - perguntei, feliz por reencontrar o irmão de Lissa.

- Muito feio. - respondeu, naquele jeito infantil de ser que ele tinha.  -Escute. Tem alguém que pode ajudar.

- Quem?

Sem responder, ele fez sinal para alguém escondido. Logo uma senhora de uns 60 e tantos anos apareceu. Logo a reconheci: era Eustáquia, a "mentora" de Zattara.

- Temos que acabar com isso. - disse ela. - O enigma, Luna. Tem que decifrá-lo.

- Mas como? Não sei o que significa.

- Busque no fundo da sua alma. - sugeriu. - A resposta é algo que sempre esteve com você. Só precisa pensar um pouco.

- Josh não está sozinho. - Max disse.

- Então vamos impedir. - tomei sua mão, voltando para o confronto.

De fato, outra figura estava presente no salão. Sua aura parecia ser a mais forte de todas que havia ali. De repente, eu caí, e Max me segurou.

- Luna? Luna! - ele se desesperou.

- Não...sinto...minhas...pernas...! - balbuciei. Estava fraca demais. Era como se uma força me sugasse.

E era mesmo.

Porque, pela primeira vez, eu me encontrava diante da minha Morte.

- Olá, Luna. - sua voz parecia mais nítida. - Não perece feliz em me ver... - zombou, se aproximando.

- Fica longe! - advertiu Lissa, lutando em vão ao lado de Zattara.

Estava na hora de pensar no enigma. Não havia outra saída.

Vamos, Luna.

- Você é a minha Morte...! - me sufoquei com minha própria respiração.

- Surpresa em me ver, não? - podia sentir seu sorriso através do capuz. - Caçar você foi uma das coisas mais divertidas que já fiz. Você  era escorregadia...sempre me escapava...mas, ao mesmo tempo, fazia questão de me procurar.

De súbito, ele se levantou, finalmente revelando seu rosto.

Não consigo descrever qual foi a reação de todos em seguida.

Surpresa? Medo? Revolta?

Não soube distinguir muito bem.

Porque diante de todos nós se encontrava Clara.

- AH...MEU DEUS! - Zattara grunhiu. - Você não tá morta!

Clara deu um risinho cínico.

- Nunca estive. - ela andou até Josh, e os dois deram as mãos. - Estivemos juntos durante todo esse tempo, Zattara. Eu denunciei você porque não tivemos coragem de traí-la. Nós nos apaixonamos.

- Mentira! - Zattara gritou de volta. - Quer dizer que...durante todo esse tempo...

- Sim, éramos nós - Clara revirou os olhos, entediada. - Desde o início. Eu sempre fui a Morte da Luna. Você só foi o estopim dos meus planos.

- Nunca fui com a sua carinha de inocente. - Don disse para Clara com nojo.

- Já fui inocente. - Clara respondeu com um pouco de repulsa. - Só existe uma pessoa que me faz lembrar daqueles dias.

- Allanah. - falei.

Clara parou e olhou pra mim.

- Como sabe? - ela começou a andar na minha direção.

- Ela me alertou sobre você. - contei. - Ela quer que você pare. Se são amigas de verdade...

- Allanah me enganou! - vociferou ela. - Ela disse que seríamos amigas pra sempre e agora estou aqui enquanto ela está do outro lado!

- Ela quer ajudar você. - continuei. - Porque sabe que o que está fazendo é errado.

- Cala a boca!

- E eu, Clara? - Zattara murmurou, um tanto rancorosa. - Nunca foi minha amiga? Eu sempre dividi com você as melhores coisas da vida...e agora está aqui pra me dizer que foi tudo uma ilusão?

- Sempre soube que era uma fraca, Zattara - Clara andou até ela. - Logo vi que seria fácil de enganar. - e riu. - Agora é só uma questão de tempo para que eu tenha o elixir nas mãos. - ela estendeu as mãos, onde Kate colocou o elixir. - E possa evacuar vocês e fazer a Morte triunfar.

- Não se eu estiver aqui.

A velha Eustáquia estava parada olhando para Clara com o que parecia ser desgosto.

- Velha, vá embora! - advertiu Zattara, preocupada.

- Eu não vou embora enquanto não parar com isso - ela falou sério para Clara. - Sabe que vai se condenar, querida... - ela tentou pegar no rosto de Clara, a qual se afastou abruptamente.

- Não venha querer recuperar o tempo perdido agora! - ela reclamou. - Você não foi minha mãe quando era pra ser!

Todos paramos.

- Mãe? - Lissa foi a primeira a falar. - Como assim...você é tipo a mãe dela? Da Clara?

Eustáquia conteu as lágrimas.

- Sim. Clara é minha filha.

Zattara a observava boquiaberta.

- Velha...

- É, mas me abandonou, e em seguida me caçou! - Clara continuou a brigar.

- Eu precisei deixá-la. Foi uma das coisas mais difíceis que já fiz. - admitiu a velha. - Quando vi o que você tinha se tornado...eu tinha que fazê-la parar!

- Assim como queria fazer ela parar! - Clara segurou com força o pescoço de Zattara de uma só vez, sacando uma arma. - Anda! Me diz!

- Não... - a velha senhora chorava. - Não, minha filha. Você não sabe o que é caçar a própria filha! Eu achei que Zattara redimiria você. Que ela faria o que você não fez.

- Hã? - Zattara não acreditava. - O que quer dizer com isso?

Clara riu como uma louca.

- Não tem coragem de dizer pra ela, não é? - persuadiu a velha. - Segredinhos de muito tempo são dolorosos...

- O que é! Eu quero saber! - Zattara exigiu.

- Ela não quer contar a grande verdade que nos une, Zattara. - Clara falou. - A verdade...de que somos irmãs.

- O QUÊ?! Não pode ser...!

- É verdade! - Eustáquia abriu o jogo. - Você é minha filha, Zattara. Não sabe há quanto tempo espero pra que saiba disso.

- E por que me deixou? - Zattara quis saber.

- Porque Clara estava atrás de você! Eu só quis protegê-la!

- Está vendo, irmãzinha? - Clara zombou. - Fomos enganadas, nós duas. Está certa de que quer se unir aos que nos enganaram? Nossa própria mãe?

Era por isso que Eustáquia gostava tanto de mim. Porque eu me parecia com Clara.

- Não, Zattara! - gritei.

Zattara parecia em cima do muro.

O espírito de Allanah apareceu.

- Agora, Luna. Desvendou o enigma? Está na hora de eu ensinar umas coisas pra Clara.

Eu sorri.

"E trazes de volta para ti aquilo que tinhas

com relação aos teus pelos olhos da almas,

porque será com isso que tudo se acabará."

Porque eu havia descoberto enfim o que nos salvaria.