Caminhos Cruzados. escrita por Little Owl


Capítulo 12
Não-Humanos


Notas iniciais do capítulo

Desculpem-me pela demora



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É verdade.

Nico não é primeira criatura não-humana que eu conheci.

Quando ainda estava no orfanato, acho que eu tinha 4 anos, tinha uma colega de quarto chamada Sue. De noite, quando ninguém nos vigiava, ela fazia os objetos do quarto flutuarem. Na primeira noite eu me assustei, e Sue também. Ela me disse que ninguém mais podia vê-la fazendo isso, todos pareciam não enxergar objetos voadores no meio da sala, mas quando eu vi pela primeira vez e gritei, ela se surpreendeu, mas ficou feliz também, pois achava que estava ficando louca. Perguntei a ela como fazia isso e ela me disse que os pais a ensinaram, mas eles usavam varinhas e palavras estranhas e não faziam só isso, mas muito mais. Ela tentou me ensinar, mas eu não conseguia de jeito nenhum.

Anos depois, enquanto eu assistia O Aprendiz de Feiticeiro, lembrei de Sue. E acabei concluindo que ela não era normal, que ela era algum tipo de feiticeira, ou bruxa. Mas Sue não parecia ser má, como as bruxas dos filmes, ela era super simpática e feliz. Mas eu estava certa de uma coisa: Sue não era humana. Não totalmente.

E agora tudo se confirmou.

Fiquei pensado em tudo o que Nicolas disse, que todas as histórias são verdadeiras. E me lembrei das coisas que vi durante minha vida inteira: Um homem com um olho só; uma menina que voava; Uma carruagem com cavalos fantasmas; um unicórnio; um menino lutando com uma espada contra um dragão sem asas; um gato gigante com três cabeças; uma fada preta, toda sombria; um duende; um lobo gigante; uma garota se transformando em águia. E muitas outras coisas, que faça com que você precise tomar remédios de esquizofrenia pelo resto da vida.

O estranho é que eu não estava assustada.

Por toda minha vida eu me senti estranha, como se eu fosse diferente. Meu pai me olhava como se eu fosse um demônio, ele dizia (não na minha frente, mas eu ouvia) que queria nunca me ter adotado, "peguei ela, pra depois ela virar uma criminosa e drogada". Sim, meu pai achava que eu usava drogas e por isso eu via coisas. Acho que ele até esperava um dia ligar a tv e me ver como procurada nos jornais. "Tudo culpa desses criminosos que ela anda". "E não basta ela ser uma criminosa, ainda precisa ser louca?".

Olhei para minha caixa de remédios em cima da mesa. Eram uns sete, cada um por uma coisa. De repente senti raiva de tudo, dos remédios; dos médicos, que achavam que eu era louca; de todos, por não acreditar em mim; do sr. Gonçalves, por me tirar Mike e Dillan; do Nicolas, por confirmar minha loucura e dizer que eu vejo a realidade; do Carlos e do Max, por me esconderem as coisas; da Bruna por me atacar; de mim mesma por viver. E especialmente o destino (se é que eu acredito mesmo nisso) por brincar com as pessoas.

E de repente eu estava de pé, procurando algo para espancar.

Parei meus olhos no meu kit de desenho. Seria menos mal se eu descontasse no papel. Tentei então me alcamar um pouco, eu precisava de concentração, precisava colocar a raiva apenas no lápis.

Na primeira folha eu apenas rabisquei, para desestressar. Algum professor de artes diria que é arte abstrata, mas na verdade são apenas rabiscos.

Pensamentos felizes. - disse a mim mesma. - Jane recomendou ter pensamentos felizes.

Troquei a folha e comecei a desenhar o lugar mais vivo e feliz em minhas memórias, o quintal da minha casa. Com o pequeno balanço vermelho, a grama verde, os canteiros de flores bem cuidados, a mesa de piquenique de madeira. E desenhei as três pessoas que vão ficar pra sempre dentro de mim. Tudo estava tão claro em minha mente, a maneira como o sol fazia os cabelos de Thalita ficarem ainda mais ruivos, enquanto ela estava sentada na grama e lendo um livro, seu favorito: Fios de Prata; e o sorriso travesso de Dillan, enquanto ele bolava um plano para o próximo assalto, enquanto fazia anotações sentado na mesa de piquenique. Mike limpando os bolços, e tirando de lá notas de 2, 10 e 50, duas carteiras, um relógio de ouro, um anel de prata, dois celulares, um parafuso, um papel velho, uma pulceira, uma chave, e mais um punhado de pequenas coisas. - Mike tinha uma mão leve, e dessa vez ele foi dar um passeio pelo centro da cidade.

Isso aconteceu a mais ou menos 1 ano. Eu estava cansada, e estava deitada na rede da varanda, desenhando. E quando eu olhei para cima, vi essa cena. E me pareceu uma cena muito perfeita. Quase para me lembrar de que eu ainda era uma garota normal.

Olhei para as fotos na parede de Mike e Dillan. E um arrepio passou pelo meu corpo, porque estranhamente me lembrei de Max. O formato do rosto dos três eram parecidos. - Claro, Mike e Dillan eram irmãos, mas não eram tão parecidos. - Max era muito parecido com os dois. O cabelo, o sorriso, o rosto.

Um pensamento me ocorreu.

Nicolas, quando estava me contando a verdade, disse algo sobre não poder contar o segredo dos outros, quando eu perguntei sobre o grupo do Max e do Carlos. Nicolas disse, sobre o próprio segredo, que não poderia contar, porque o segredo não era apenas dele, mas eu o forcei. Mas Nicolas, antes, tentou me contar a verdade indiretamente, me perguntando se eu conhecia histórias e mitos.

E quando eu perguntei a Max o que aconteceu, ele disse que não podia contar. Acho que não diretamente, como se ele fosse revelar um segredo que não era só dele e não tinha autorização. E então tentou alguma indireta.

"Seu professor de história vai pedir um trabalho sobre mitologia grega, melhor pesquisar sobre isso. " E quando eu perguntei mais, ele só disse: "Apenas faça sua pesquisa de história."

Inquieta, eu me levantei e fui até o notebook, liguei e pesquisei sobre mitologia grega. Claro, eu sei o básico de mitologia grega, e espero que você também saiba, e se não, o que está esperando? você também tem internet.

Vou tentar explicar:

Existiam Gaia (deusa terra), Caos (a deusa do mau), Tártaro(Das profundesas do inferno) e Urano (do céu). Eram os primeiros deuses, os mais poderosos. Caos teve seus filhos: Todos maus, e tem muitos. Gaia e Urano tiveram filhos: os Titãs. Depois Gaia teve filhos com Tártaro: Os gigantes.

Os Titãs tiveram seus filhos: os deuses. Que foram os ultimos a reinar no Olimpo, após derrotar os Titãs. Os 12 Olimpianos mais poderosos eram chamados de deuses maiores. Existiam muitos mais, menos poderosos, chamados de deuses menores. Dentre os 12 maiores eram: Zeus, Poseidon, Hades (os três irmãos eram chamados de Os Três Grandes). Hera, Ares, Apolo, Ártemis, Atena, Afrodite, Démeter, Hermes, Hefesto.

O que mais me chamou atenção era Hermes. Deus dos ladrões. Ele usava um caducéu com duas serpentes enroladas como símbolo. Toquei institivamente meu colar. Max tinha um igual.

Continuei lendo.

Os deuses tiveram seus filhos com mulheres e homens mortais, resultando em semideuses. Os semideuses herdam características e poderem divinos de seus progenitores divinos, mas eram menos poderosos, pois também herdavam de seus progenitores humanos. Os semideuses podiam caminhar pelo mundo dos mortais e pelo mundo dos deuses.

Comecei então a ligar os pontos:

Max me deu sua dica: Mitologia grega.

Nicolas disse que todas as histórias eram verdadeiras. É só acreditar agora.

Max não seria Hermes. Será que ele seria um semideus? Filho de Hermes?

Eu queria saber a verdade. Fechei meu notebook e me levantei. Nesse momento alguém bateu na porta.

Abri, e achando que seria Max, quase comecei a perguntar, mas vi que era alguém totalmente diferente.

– hã... - Scott disse, quando abri a porta. - Você está bem? É que você não foi para a aula de italiano, pensei que alguma coisa tivesse aontecido.

– Ah, está tudo bem, acho. - Eu disse. - Eu estava com Nicolas. E acabei descobrindo algumas coisas.

Indiquei para que ele entrasse e fechei a porta. Ele se sentou na cadeira e eu me sentei na beira da cama.

– Coisas... Tipo o que? - Scott perguntou, curioso mas cauteloso.

– Coisas sobre os alunos. Que alguns não são normais.

– É verdade... Alguns não são normais. Não como pessoas normais.

– Não.

– O que mais descubriu? - Scott perguntou. Com cuidado.

– O que elas, ou pelo menos algumas delas, são. Vampiros, Anjos, Nefilim, Semideuses. - Eu disse, esperei a reação dele, aguardando que me chamasse de louca e faria eu consultar mais psiquiátras.

Mas ele apenas assentiu e perguntou.

– E você levou numa boa?

– Acho que sim. - Eu disse.

– Ótimo.

– Scott.

– Sim?

– Você é como uma dessas pessoas?

– Não. Eu sou totalmente humano, só que as enchergo.

– As encherga?

– Sim. A maioria dos humanos normais não as vê, porque existe uma espécie de névoa escondendo a realidade bizarra, fazendo humanos não verem a verdade do que está lá, caso elas vejam uma criatura não-humana, a névoa faz com que elas vejam algo comum para elas. Mas existem alguns humanos que enchergam através dessa névoa. E eu sou uma delas.

– Certo. Acho que também sou uma delas. E acho que essa névoa justifica muita coisa.

– Tive alguns problemas quando era criança. - Scott me contou. - Ninguém acreditava em mim.

– Eu fui a milhares de psiquiátras e psicólogos. - Eu disse. - E tomo uma dúzia de remédios.

– É frustante.

Era estranho. Pareceu que isso nos uniu. Passamos pela mesma situação. E de repente estávamos conversando como se fossemos velhos amigos.

E de repente me vi contando essa história novamente. A minha história. Minha infância cheia de visões de monstros e seres mitológicos. Meus psiquiátras e psicólogos. Minha infância ao lado de Mike e Dillan. Depois me vi apontando as fotos penduradas na parede, me segurando para não chorar na frente de Scott. Das minhas descobertas de hoje. Das minhas suspeitas de que Max e Carlos fossem semideuses.

Scott era paciente e bom ouvinte.

Quando eu terminei, perguntei sobre Scott. E ele me contou sua história.

Scott era um garoto de São Franscisco. Morava com seus pais e uma irmã mais velha. E sua infância toda via dezenas de criaturas mitológicas, mágicas, fantásticas. Mas cometeu o erro de contar a alguém. Foi a alguns médicos, e depois de um tempo começou a mentir sobre ver as coisas, mas era um péssimo mentiroso. E então seus pais acharam um reformatório para pessoas especiais. E aqui estamos nós. Scott está aqui faz 2 anos.

Ele não conversava muito com os não-humanos, porque quase todos eles desprezavam humanos. Não sabia quem era o que. Porque a maioria era discreta.

– Sabe de uma coisa? - Perguntei, me levantando.

– O que? - Ele perguntou, quase com medo.

– Vou conversar com Max. Se ele for mesmo um semideus, pode preencher algumas lacunas.

– Ele não lhe contaria. - Scott disse.

– Há muitas maneiras de se descobrir. - Eu disse, sorrindo. - Se ele não quiser me dizer, posso fazer como nos velhos tempos com meus amigos. Sabe, eu na maioria das vezes descobria sobre a família podre de rica.

– Sabe, acho que gostei de você. - Scott disse. - A vida nesse lugar é muito monótona para humanos, mas você é diferente.

– Você nem conheceu a melhor parte. - Eu disse me levantando e caminhando para a porta.

– Ah, é? E qual é? - Scott perguntou, se levantando.

– Vai descobrir se Max não nos quiser contar nada.

– Nossa, fiquei curioso.

– Você sabe onde fica o quarto dele? - Perguntei.

– Fica no subsolo. Andar -3, Bloco D, corredor G , porta 193. - Scott disse. - eu tenho uma planta de todo o prédio no meu dormitório.

O dormitório do Scott ficava a 3 corredores do meu.

Sua porta era cheia de figurinhas do pokemon, Ele abriu a porta e me surpreendi, esperando uma baderna, mas o quarto dele estava impecável. Sem uma peça de roupa jogada, ou qualquer coisa jogada pelo chão. Tudo parecia ter um lugar, sem ficar amontoado. Scott foi até uma gaveta em uma estante, a gaveta estava arrumada, com coisas das mais diversas. Scott tirou um papel dobrado, pegou uma caneta e rabiscou algumas anotações, depois me mostrou.

Eu sou horrível de descrever plantas, então vou mostrar uma foto. (mentira, fiz no paint):

– Ele deve estar na ultima aula. - Scott disse.
– Melhor ainda, eu pego ele de surpresa. - Eu disse, me virando e indo em direção à porta. Me virei para ele, antes de sair. - Quer vir junto?
– Ah, não. Eu não sou o tipo de pessoa que arromba os quartos dos outros.
Eu ri. Tentando imaginar Scott junto comigo assaltando uma casa.
– Tudo bem, te vejo depois? - Perguntei.
– Claro, quero saber de tudo.
Voltei ao meu quarto e peguei minha mochila pra emergências. Essa mochila era muito especial. Levei ela em todos os assaltos que fui com Dillan e Mike. Ela já estava pronta, eu nunca tirava as coisas dela e trouxe como uma recordação.
Desci os 5 lances de escada e fui até o salão principal, estava quase vazio. Fui até a escada dos dormitórios e desci até o -3.
Quando chegamos ao quarto do Max, nem precisei de esforços. A porta estava aberta. Max estava deitado na cama, ouvindo Simple Plan, quando me viu na porta se sentou.
– Olá.
– Oi. - Eu disse, meio decepcionada, não esperava ele no quarto.
– Aconteceu alguma coisa? - Ele perguntou, se levantando.
– Não. Na verdade eu só tenho uma pergunta. - Eu disse, entrando no quarto dele e fechando a porta.
– Pergunta?
– É, sabe, eu pesquisei sobre mitologia grega... - Percebi que não sabia bem o que dizer, eu não podia perguntar se ele era um semideus.
– E... - Ele me incentivou a falar.
– E li sobre os deuses e semideuses. E um deus me chamou a atenção. - Eu disse. E segurei meu colar.
– É? Qual?
– O deus dos ladões. Hermes.
Max sorriu. E também segourou seu colar.
– Ele é demais, não é? - Seu sorriso aumentou.
– É, eu gostei dele. - Sorri. - Mas... a minha pergunta: Você é um semideus?
Seu sorriso durou alguns segundos a mais, depois foi substituído por uma expressão séria, enquanto examinava meu rosto. Eu tentei ficar o mais séria possível, para que ele veja que não estou de brincadeira.
– Rafaela, você tomou seus remédios? - Ele perguntou, por fim.
Isso. Essa pequena frase. Foi como uma adaga perfurando meu peito. Doeu.
Mas antes de deixar que a visão de meu pai falando essa frase me atormentasse, fechei os olhos e lembrei de Nicolas dizendo que todas as histórias são verdadeiras.
Respirei fundo e olhei nos olhos de Max.
– Eu não tomei meus remédios. Porque eu não preciso mais. Eu nunca precisei. Eu só vejo a verdade, que os outros seres humanos tem medo de ver. Eu sei que é real. Eu sei que existe. - Tudo bem, isso pareceu meio esquizofrenico, mas eu pedi. - Por favor, não minta pra mim. - Dei uma pausa. Depois perguntei: - Você é um semideus?
Ele olhou bem pra mim, e pensou um pouco, medindo as consequências. Depois suspirou.
– Sou. - disse ele, por fim. - Eu sou um semideus. Filho de Hermes.
Sorri. Pelo menos não estou maluca.
– E você sorri? - Max deu uma gargalhada. - Acabei de te contar que sou um semideus, você não tem mesmo um parafuso aí na sua cabeça.
Ri ainda mais.
– Eu estou feliz. Pelo menos eu não sou tão louca como os médicos dizem. Pelo menos não sou louca sozinha.
– Você não ficou nem um pouco surpresa? - Ele perguntou, curioso e meio desapontado.
– Na verdade, não. - Eu disse. - Você não é o primeiro não-humano que eu conheço.


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Notas finais do capítulo

(meio repetitivo? sorry)
gostaram?



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