Paradoxo Temporal: A Origem De Ginmaru escrita por Vanessa Sakata


Capítulo 1
Perda




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A claridade rompia a escuridão em Edo, mas não deixava o céu menos triste do que estava na véspera, após uma luta sangrenta, onde vidas foram sacrificadas e onde foram feitas feridas que iam muito além das físicas.

Para isso, fora a Yoshiwara mergulhar-se na luxúria, para esquecer, mesmo por alguns momentos, as dores das feridas que tinha não só no corpo, como também na alma. Queria deixar a mente toda em branco para suportar aquela dor, espairecer seus pensamentos...

Precisava parar de relembrar a cena trágica que presenciara em batalha. De qualquer maneira.

Levantou-se e começou a se vestir com cuidado para não ferir ainda mais os locais protegidos pelas bandagens. Jogou o quimono branco por cima, ajeitando como de costume: vestindo apenas a manga esquerda e deixando a direita pendurada, após colocar a faixa roxa e o cinto.

Checou se os curativos do rosto ainda estavam lá colados. Seus olhos – que não transpareciam preguiça, mas sim abatimento – encontraram a sua fiel espada de madeira, que ele pegou e colocou no cinto.

Andou alguns passos, afastando-se do futon onde estivera deitado junto a uma jovem de pele alva e cabelos negros como a noite, que ainda dormia tranquilamente. Após dar um profundo suspiro de desânimo, abriu a porta corrediça e saiu, fechando-a em seguida.

Adentrou o Distrito Kabuki quase deserto, sob o céu plúmbeo que anunciava a pesada chuva que estava prestes a cair. Subiu a escada e entrou na Yorozuya. Tirou as botas e sentou-se no sofá da sala, com a cabeça baixa.

Não dava pra se acostumar a tamanho silêncio ali. Tanto tempo vivendo ali em meio a barulho, asneiras e tudo mais... Não dava pra acostumar.

Não dava pra acostumar sem ela ali.

Kagura realmente fazia falta. A lacuna deixada por ela jamais seria preenchida novamente.

Sadaharu se aproximou de Gintoki, que fez um carinho na cabeça do cão gigante. O animal também parecia abatido, nem tentava abocanhar sua cabeça como costumava fazer. Esperaria por sua dona em vão.

Ela nunca mais voltaria de onde agora estava.

Não havia volta para quem ia parar no mundo dos mortos.

Ouviu a porta corrediça se abrir e passos lentos e abafados se aproximarem quebrando o incômodo silêncio do ambiente.

- Bom dia, Gin-san – Shinpachi, com o braço direito imobilizado e sem os óculos, cumprimentava mais por formalidade do que por outra coisa.

- Cadê seus óculos, Shinpachi? – Gintoki estranhou a ausência do acessório no rosto do garoto.

- Precisei mandar trocar as lentes. Ficar com ele ou sem ele já não tava fazendo diferença com as lentes trincadas.

E mais uma vez o ambiente foi tomado pelo silêncio. Os dois integrantes da Yorozuya quedaram-se completamente absortos nas lembranças de véspera. Lembranças terríveis que, por serem recentes, não saíam de suas mentes.

O trio Yorozuya havia sido atacado pelo Harusame e pelo Kiheitai, em um ataque conjunto, que visava eliminar os maiores obstáculos aos seus intentos. Fora um ataque claramente direcionado a Gintoki, Shinpachi e Kagura, em pleno Distrito Kabuki, à luz do dia.

E o espertinho do Takasugi não tinha dado as caras por lá.

[Flashback ON]

O prédio onde ficavam o bar de Otose e a Yorozuya Gin-chan fora cercado, deixando seus moradores e frequentadores completamente acuados. Os homens que cercavam o local aguardaram pacientemente a ordem para invadir e destruir tudo, caso o trio não saísse da toca.

Mal sabiam Gintoki, Shinpachi e Kagura que o trio seria desfeito ali.

Os três saíram, em troca da preservação do prédio e tudo que havia ali dentro. Era arriscado, mas Gintoki não queria que aquela velha ficasse sem nada. Havia prometido que protegeria Otose até as últimas consequências, fossem elas quais fossem.

Era justamente isso que estava fazendo.

Dezenas de homens do Kiheitai e do Harusame partiram para atacar os três, mas grande parte deles acabou sendo abatida no combate. O instinto de sobrevivência de Gintoki, Shinpachi e Kagura acabou por possuí-los, de tal forma que praticamente nada nem ninguém poderia detê-los. Para completar, Katsura aparecera providencialmente para reforçar o time.

Os homens que sobraram acabaram por se acovardar diante do quarteto que lutava com valentia para permanecerem vivos, mesmo diante de uma chacina iminente. Com isso, já havia acabado a possibilidade de suas vidas estarem em risco.

Tinham conseguido salvar a própria pele e dar uma resposta para Takasugi: de que ninguém poderia acabar com eles.

Ledo engano.

Gintoki sentira um líquido quente e pegajoso espirrar em seu rosto e ouvira um grito sufocado, que chamara a atenção não só do albino, como também dos demais. O guarda-chuva roxo de Kagura caiu no chão. Em seguida, a própria Yato também ia ao solo, diante das expressões aterrorizadas e petrificadas de Katsura, Gintoki e Shinpachi.

Uma poça de sangue surgiu logo abaixo da garota, que jazia quase sem vida. O silêncio denso acabou se rompendo com um rugido de Gintoki ao sujeito que atacou Kagura:

- Monstro...! – segurava com mais força ainda sua espada de madeira. – Você é covarde...!

Shinpachi e Katsura foram acudir a Yato.

- Kagura-chan – o garoto de óculos disse. – Por favor, resista!

- Aguenta firme, Líder! – Katsura tentava ajudar como podia.

Mas era tarde demais. Kagura não resistira ao cruel golpe que lhe atravessara o peito e perfurara seu coração. O Shimura abraçou a amiga com força e começou a soluçar, quando berrou:

- KAGURA-CHAAAAAANNNNN!!!

Gintoki ficou ainda mais transtornado do que já estava. Porém, o que era ruim poderia piorar:

- Eu não tenho culpa se ela estava distraída.

O Yorozuya ouviu a voz de um sorridente Kamui, que ostentava a mão direita ensanguentada. Era o sangue que tirara da própria irmã. A garota não tivera tempo de liberar seu próprio monstro interior para se defender.

Kamui era um covarde. Aquele desgraçado havia acabado com a vida de uma pessoa que era não só de sua família, como da “família postiça” de Gintoki.

Para ele, a garota era como sua irmãzinha caçula de língua afiada, mas de bom coração. Queria apenas domar seu monstro interior, ser “normal”. Não queria matar ninguém, não queria ter o mesmo destino de sua raça – matar uns aos outros.

Mas ela não escapou desse destino tão atroz.

Os olhos vermelhos injetados de ódio rutilavam com a mesma cor do sangue respingado em sua face completamente distorcida pela fúria que se apossava do albino.

- Cale essa boca, monstro...! – rugiu mais uma vez. – Você é o pior tipo de monstro covarde que já conheci, maldito!

Rápido como um raio, Gintoki correu de encontro a Kamui num ataque. Com toda a força e fúria que o dominavam naquele momento, cravou sem piedade sua espada no peito do Yato, transpassando-o com toda a crueldade que o marcava como o Shiroyasha de anos atrás.

Sentiu novos respingos de sangue no rosto, saindo assim do transe em que estava por conta da sua fúria de Demônio Branco. Viu a espada de madeira enterrada no peito de Kamui, e que este estava morto.

Cabisbaixo, não conseguia pousar seus olhos em Shinpachi, que não parava de soluçar sobre o corpo de Kagura, ao lado de um consternado Katsura.

[Flashback OFF]

Depois de muitos anos, Gintoki voltava a sofrer devido a uma perda traumática. Seria esse o destino do Shiroyasha? Apegar-se às pessoas e depois perdê-las da pior forma possível?

Primeiro, Shouyou-sensei... Agora, Kagura.

Estaria fadado a viver e morrer sozinho?

Tinha medo de perder mais alguém e ficar mais uma vez na solidão. A solidão era muito cruel com ele.


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