Asas Negras escrita por Carolina Amann


Capítulo 5
Capítulo 5




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Quando me dei conta, estávamos todos juntos tomando o café. Vó Ângela, vô Orlando, eu e... Bem, e Ethan. Ele era um cara... Diferente. Acho que é isso que chamam de carisma. Ethan havia acabado de se mudar para o meu bairro e morava a quatro quadras de minha casa, se eu saísse do Parque do Carvalho, seriam duas quadras no sentido oposto de minha casa. Ele ria e conversava e de alguma forma, ele fazia parte dali, daquele lugar. Era como se o conhecesse a séculos, sua presença era tão serena e trazia consigo tanta bondade, que eu sentia como se meu peito fosse transbordar de paz e meus problemas houvessem sumido. Era fácil ficar ao lado dele, tranquilo... Mais do que isso, era bom.

- Ah, olha a hora! – disse ele, sorrindo – Tenho que ir!

- Tão cedo? – perguntei sem pensar, me entristecia o fato de ele ir assim. Eu sabia que aquela sensação iria com ele.

- Aurora tem razão, – vovô Orlando me salvou – ainda é cedo. Fique para o almoço!

- Eu adoraria, mas não posso. – ele declinou o convite com delicadeza – Me esperam em casa. Peço desculpas, com licença. – ele levantou-se da mesa, seu jeito educado e elegante de falar mexia com meu ego. Eu me sentia extremamente inadequada na presença dele. Da porta ele acenou - Nos vemos em breve, Auro!

Corei, retribuindo o aceno. Um apelido, que ótimo. Punk vai querer me matar.

- Acho que vou para o meu quarto – disse, ainda um pouco vermelha. Subi as escadas e fechei a porta devagar. Suspirei. Esse garoto... Ethan... Ele mexia com meus sentidos, comigo. Não era como o garoto na balada (Daniel...? Era isso?), Ethan não despertava em mim esse tipo de desejo. Eu apenas queria abraçá-lo e revelar à ele todos os meus problemas, a presença dele era como a de um rio, que lava a alma de todas as coisas ruins, dando oportunidade para que as boas viessem. Respirei fundo e fui olhar meu calendário. “14 de Março – Clínica Psiquiátrica Matthew V. – 14 horas”. Era dia de visitar a mamãe! Como eu podia ter me esquecido?

O resto da manhã se arrastou, a ansiedade crescia em me peito. Queria vê-la, fazia quinze dias desde a última visita, o que para mim, parecia uma eternidade. Parece idiotice falando desse jeito, mas não a nada pior do que viver afastada de sua própria mãe, ainda mais quando se sabe que ela também sofre com essa distância.  Almocei quase nada, deixando o bife quase inteiro no prato e brincando com o arroz. Senti um olhar de reprovação de minha avó direcionado a mim, ela se preocupava com minha saúde. Assim que consegui escapar da mesa do almoço, fui para o meu quarto. Ainda era 13:15 h, mas eu tinha que me apressar, demorava cerca de 20 minutos para chegar ao internato. Tomei um banho rápido e coloquei um adorável vestido de renda de cor creme. Mamãe odiava preto.

 Peguei o livro que havia comprado para ela uma semana antes e saí às pressas de casa, gritando um tchau meio atropelado para meus avós. Vovó não iria comigo, pois lhe partia o coração ver a filha confinada em uma cela. Entrei no ônibus que ia para o sul da cidade e preparei-me psicologicamente para o que viria a seguir. Eu não queria chorar, pelo menos não na frente dela.

Entrei na recepção do prédio às 14 horas em ponto. A recepcionista, que já me conhecia, entregou-me com um olhar simpático o cartão chave, indicando-me que eu poderia subir. O elevador me levou até o terceiro andar, segui pelo corredor da esquerda até o quarto 407. Parei em frente a porta e respirei fundo. “Controle-se”. Encostei o código do cartão no leitor e a porta abriu-se com um bip. Ela estava olhando pela janela, que dava para o pátio que ficava nos fundos da clínica. Quando entrei , olhou em minha direção e sorriu com ternura. Os cabelos castanhos caiam ondulados na altura dos ombros, a pele branca continuava impecavelmente limpa e clara, intocada pelo sol. O macacão-uniforme azul-bebê servia-lhe um tanto largo. Ela sorriu, os lábios cheios e escuros abrindo-se para exibir uma fileira de dentes brancos e bem cuidados. Pelo menos, a saúde física dela era preservada de forma impecável.

- Filha... Você veio! – disse ela, com os olhos amendoados cheios de alegria.

- Como se eu não fosse vir vê-la – disse enquanto a abraçava. – Para você. – disse entregando-lhe o livro. O Regresso, de Rosamunde Pilscher. Havia escolhido esse por dois motivos:

a) era bem grosso;

b) aquele era um livro doce e tranquilo, feito para pessoas de alma jovem e coração puro. Acho que isso combina com minha mãe.

Ela sorriu – Obrigada, filha tenho certeza de que vou amar. - Nos sentamos em sua cama e conversamos a tarde inteira, enquanto o tempo voava.

Saindo do prédio, sentei-me num dos bancos do pequeno jardim da frente e chorei. Será que em algum lugar deste mundo, haveria justiça?


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