Mulheres de Vênus escrita por Lara Campos


Capítulo 8
Capítulo 8 - Julia de lá, de cá e um caso




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Dormi ali mesmo, no sofá, meio jogada, mas misteriosamente coberta por uma manta que guardava do lado esquerdo do guarda roupa. Minha manta favorita, de um azul escuro e que tinha cheiro de aconchego. Sim, o cheiro dela me lembrava a casa de meus pais, que, por mais que não fossem mais tão ligados a mim, faziam falta e além disso cultivavam uma casa impecavelmente limpa, cheirosa e, como dissera, aconchegante.

Meus pés doíam, talvez pela tensão que meu corpo insistia em canalizar sempre naquele mesmo local quando me submetia a algum momento de stress exagerado. Recordei-me rapidamente de uma certa vez, há muitos anos atrás, quando completara meus 16 anos e estava prestes a beijar uma menina pela primeira vez. Ela morava na rua debaixo, perto da limoeira. Ah, como me lembrava bem daquela limoeira. Havia cerca de dois meses que conhecera a garota, recém chegada no bairro, e algo nela me instigava. Mal sabia eu que eram apenas os hormônios gritando o quanto aquela guria ela linda e tinha um belo par de peitos já na nossa idade.

Apaixonada desde quando trocamos palavras pela primeira vez, passei a sentar-me todos os dias após a escola debaixo da limoeira vizinha à sua casa e esperar que ela chegasse em casa só para dar aquele oi tímido e que tenta introduzir uma conversa sequer. Era uma sexta, a guria dos olhos escuros, como duas jabuticabas enormes, avistara minha bicicleta jogada numa das esquinas do bosque e quando notei, ela trazia consigo, voltando da escola, a bicicleta em mãos para me entregar.

_Ei, é sua, não é? Encontrei logo ali, jogada...tá toda quebrada, cara.

Ela se aproximou aos poucos, seus cabelos pretos - obviamente pintados - brilhavam muito diante àquele sol escaldante das duas. Por um instante congelei naquela mesma posição, sem conseguir dizer um oi ou sequer tirar meus olhos do lacinho que o soutien dela fazia na altura dos ombros.

_Lara? - disse meu nome -

_Oi, Julia - respondi de supetão e só consegui completar, desconexamente - Eu, é...bem bonito, mesmo.

Sem entender nada, a garota sorriu para mim, ela tinha um ar de amadurecimento que eu, mesmo com a mesma idade, ainda não tinha. Com seu sorriso ainda pendurado, ela encostou a bicicleta deitada no meio fio, se abaixou para alcançar-me, sentada abaixo da árvore, e me deu um selinho que...é, fiquei sem ar.

_Lara? Lara?

De repente fui acordada dos meus devaneios pela voz de Julia à minha frente, parada de pé ao lado da televisão. Engraçado...

_Julia de cá, Julia de lá... - conclui meus pensamentos em voz alta -

_Eu tenho quase certeza de que não te dei álcool ontem, mas...tá tudo bem? - ela sorriu sem graça - Quem é Julia de lá?

_Deixa quieto - puxei-a pela mão e fiz com que ela se sentasse no meu colo -.

A minha ruivinha não pôde ficar por mais muito tempo. Tinha de trabalhar, ainda era cedo, mas assim como eu, ela tinha uma vida pós confusão. E era exatamente essa vida que nos mantinha de pé ainda por todos os dias. O ganha pão. O garante sustento.

Tomei um banho demorado, chorei ao banho lembrando de Jéssica, mas chorando de raiva. Arrumei-me rapidamente, vestindo a primeira camisa amarelo-clara que encontrara a vista e um jeans básico. Entrei em meu escritório para pegar minha pasta e fui direto ao serviço. Um semáforo de cá, um acidente de lá, e meia hora de atraso já contribuíram para um belíssimo início de novo dia. Jessica deixara um recado na caixa de voz do celular - coisa de filme americano, ela adorava ser piegas - e nem fiz questão de ouvir. Deixei o celular no carro e quem quisesse, que viesse me encontrar em meu escritório ou passasse recados a uma das secretárias.

Ao adentrar minha sala, um vaso fino e longo com duas flores que eu bem reconhecia estavam ali em cima. Um bilhete as acompanhava. Eram duas tulipas vermelhas, minhas preferidas. No momento em que segurei o bilhete temi me decepcionar, mas logo vi a assinatura escrita numa letra elegante e com certo sembrante itálico: "Julia, com carinho, espero que alegre esse seu novo dia. Venha ao meu apartamento hoje a noite, tenho uma surpresa para você. Beijos para a morena mais linda da cidade."

Sorri instantaneamente e logo percebi o que aquilo significava. Ela, a ruiva dos olhos escuros, a mulher que me surpreendeu desde o princípio investindo numa cantada em beira de bar e me tirando a casca protetora quase que de imediato ao aparecer, era a única coisa que mantinha, ainda, meu lábios repuxados. Por vezes, mantinha também meus pensamentos bem longe, imaginando cada uma das curvas que aquele corpo pequenino que era tão desejável aos meus olhos.

Resolvi toda a burocracia, despachei papeis e mais papeis e fugi logo para o meu carro ao fim do expediente. Nem por todos os tapetes de luxo do Egito Antigo eu ficaria mais um minuto naquele departamento. Bela prisão em forma de concreto, que há tempos não trazia um pouco de emoção à minha vida, devido aos casos simples demais e manjadas soluções que me encarregavam de tomar.

Desci as escadas correndo e pensei comigo mesma que nem passaria em casa antes de ir até a casa de Julia. Era pra lá que eu ia.

Em cerca de vinte minutos eu estava em seu apartamento e, como avisara antes, Julia já me esperava com portas abertas. Entrei de mansinho e ela estava de pijama e na cozinha, suja de molho e sorrindo para mim devido à bagunça. Linda.

_Me perdoa pela bagunça, meu amor, mas... - ela apenas sorriu e eu, obviamente, também sorri ao som daquele "meu amor" que ela deixara escapar -.

_Tranquilo, mas...acho que previ que não precisaria nem me arrumar, porque vendo pelo estado em que a senhorita se encontra.

Sorri novamente e ela ficou sem graça, soltou a colher que segurava meio na ponta dos pés, se esticou e me beijou, evitando sujar minha roupa do molho que já se espalhava por todo o avental que usava.

_Oi - beijou-me novamente - Realmente não é nada que reclame mais preparativos...só estou preparando algo pra comermos e quero te fazer uma proposta.

Ao som da palavra "proposta" mil coisas já se passaram pela minha cachola. Namoro. Casamento - ninguém manda nos pensamentos, né? - Mudança. Anel de compromisso? Filhos. Despedida. Não dava mais. Dava mais. Arg, enfim.

_Pode falar - incitei-a -.

Antes de mais nada ela retirou o avental, soltou o elástico que prendia seus cabelos, lavou as mãos e foi se sentar na sala. Acompanhei-a.

_Lara...

_Julia - brinquei e ela sorriu -.

_Quero que você trabalhe comigo em um caso.

Assustada com a proposta, meio confusa, perguntei:

_Você virou advogada agora, mulher?

Ela sorriu.

_Não, amor, olha só. Uma amiga que conheço entrou na justiça contra o ex-marido por agressões físicas e por ele requerer a guarda das crianças que os dois tiveram juntos. Até aí, tudo bem. Acontece que o advogada que estava trabalhando no caso, abandonou, simplesmente, ela.

_Mas como abandonou? Esse cara vai perder o direito de função de advogado.

_Ele preferiu assim, vai entender.

Ela continuou contando sobre o caso de Veronica, que havia deixado o marido para se envolver com uma outra mulher. Julia estava acompanhando a história de perto há tempos, pois tratava-se de um caso de, além de amizade, paciente e terapeuta. Há dois anos conhecia a tal mulher e ajudava-a ao não cobrar pelas consultas, uma vez que Veronica não era lá muito estável financeiramente e precisava da ajuda de alguém imparcial para cuidar de seu caso.

A paciente confessava gostar de mulher e se reprimir, muitas vezes, por causa das duas filhas que possuía com Reinaldo, dono de uma grande empresa de marketing em São Paulo e um belo de um idiota. Veronica sofria agressões físicas frequentemente do marido e nunca o denunciara. Hoje, estavam em julgamento, pois, além de tratarem do litígio, das agressões e das duas meninas, Veronica acusava o marido de tentativa de sexo forçado, resumindo: estupro domiciliar.

_Nossa...que história - disse ao terminar de ouvir todo o caso contado por Julia -.

_E então, topa defender nossa cliente? - piscou para mim - Mas, olha, saiba que isso vai ter que ser uma decisão sua bem pensada, porque, como eu disse, ela não tem tanto dinheiro, ainda mais agora, se separando.

_Esse não é o problema, mas...você sabe porque o advogado abandonou o caso?

Julia hesitou por um instante, mas logo respondeu.

_Pode parecer meio estúpido, mas...ele queria dar razão ao Reinaldo, porque "mulher que larga do macho pra comer buceta precisa de cura".

Aquelas palavras não foram só ofensivas, mas inexcrupulosas. Por um instante o sangue me subiu a cabeça e eu sabia que aquela era a oportunidade de pegar um caso realmente grande e com proporções midiáticas, devido ao fato de envolver um grande empresário. O grande Reinaldo Arantes. Dono de uma das maiores redes de maquiladoras desde o México aos Estados Unidos, filho de brasileira com gringo, perdeu a mulher para uma outra mulher e agora reinvindica sua honra ao querer forçar Veronica ao sexo e a deixar as crianças. Belo exemplo de estupidez aos moldes século XXI.

_Fechado, o caso é nosso.

Julia sorriu aliviada, me deu um beijo e se levantou.

_Agora vem pro quarto que a surpresa que vai te agradar tá lá dentro... e é comestível - e piscou de novo para mim.


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