Mulheres de Vênus escrita por Lara Campos


Capítulo 4
Capítulo 4 - Convite para o pecado




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Um papel amassado foi o que restara da noite passada.

                Jessica, com pesar e rancor em seus olhos, arrancou uma página em branco de sua agenda e anotou o número de Julia para mim. Fiquei surpresa, devo confessar. Para mim, seu orgulho falaria mais alto e ela não me concederia nenhuma brecha para que eu conseguisse seguir em frente com meu caminho. Porém, num ato de altruísmo desmedido, apenas deu o que eu queria dela.

                Dormi um sono pesado. Não conseguia parar de pensar em como aquela ceninha ridícula de Jessica poderia ter machucado Julia, de alguma forma. Nós não éramos namoradas, ficantes, ou qualquer categoria que fosse, ainda, mas ela pareceu chateada. A primeira coisa que fiz, então, ao acordar, foi ligar para Julia e tentar reconquistar o clima bom que ficara entre nós após nosso primeiro encontro. Disquei seu número, fitei a tela por alguns segundos observando seu nome gravado em minha agenda e chamei, por fim.

                Ela atendeu ao telefone num tom desconfiado.

                _Alô?

                _Oi, Julia. Sabe quem é?

                _Não. Quem fala? – ela parecia ter acabado de acordar. Já eram onze da manhã, mas de um domingo -.

                _É a Lara.

                Ela apenas respondeu com um ‘hum’ meio inexpressivo e ficou em silêncio esperando que eu dissesse algo.

                _Eu queria conversar com você, explicar melhor o que aconteceu ontem – acrescentei temendo sua resposta -.

                _Acho que não. Você não me deve explicações nem nada do tipo, aliás, nós não temos nenhum vínculo.

                Aquelas palavras cortaram como navalha. Era a verdade, porém ouvi-la dizer em simples e bom tom que eu não era nada para ela e vice versa, provocava uma sensação ruim.

                _Eu sei que não, mas me deixa conversar contigo direitinho? A gente pode fazer algo, sentar em algum botequim ou restaurante, fica a seu critério – insisti já sem muitas esperanças -.

                _Não, Lara. Acho melhor não.

                Desisti, então. Nada do que eu dissera pareceu relevante, ela não queria me ver e nem ouvir o que eu tinha para falar. Para alguém que tinha a mim como ninguém, evitar minha presença parecia até meio contraditório. Talvez nos beijássemos, fizéssemos sexo em local público mesmo, tomássemos um ou dois drinks e dançássemos juntas novamente. Talvez ríssemos dos outros, falássemos mal das autoridades, dirigíssemos bêbadas ou levássemos uma a outra para um motel e ao invés de transar, dormíssemos ali mesmo. Mas não, nem o encontro casual pareceu bem vindo. Confesso que me senti mal.

                Como boa advogada e péssima em relações amorosas, entrei em meu escritório e fui encarar a pilha interminável de papéis. Peguei na geladeira um vinho tinto, um cooler com bastante gelo e uma caixinha de leite condensado e os levei para minha mesa também. Alguns diriam que trabalhar e beber não combinava, porém era por isso que eu bebia mais gelo do que vinho, em si.

                Passei a tarde estudando, trabalhando e no fim do dia, por volta das sete da noite, decidi ligar para um amigo.

                _Ei, Téo – era como eu o chamava -.

                Teófilo, assim registrado em sua certidão de nascimento, fora meu colega de pesquisa na universidade, enquanto ainda éramos acadêmicos. Dentre todo nosso tempo de estudo juntos, o que mais fazíamos era burlar as regras, de certa forma. Explicando melhor, todos os professores pediam que iniciássemos pesquisas curtas e que envolvessem o curso de Direito propriamente dito. Porém, encontrei nele meu parceiro de fuga. Em cada ano de universidade ingressamos em áreas diferentes, fazendo de pesquisas na área do campo psicológico ao pedagógico e até matemático. Todo esse tour a que nos dedicamos levou Téo a cursar Letras após receber o diploma de Bacharel em Direito.

                _Ei, amiga – respondeu-me com entusiasmo – Quanto tempo!

                _Tudo bem contigo, paixão?

                _Tudo ótimo. E as novas? – ele sempre acabava com o assunto com seu típico E as novas? -.

                _Nada que eu possa falar pelo telefone – disse -.

                _Se esse for um convite para sairmos, a resposta é sim. Me pegue às oito.

                E desligou o telefone.

                Ele era uma graça, todo disposto a sempre ajudar e amparar as amigas desesperadas. Nunca perguntava aonde iríamos, dizia confiar no meu taco. Nunca havia reclamado, porém, dos lugares em que fomos. Eu o levaria no The Pub exatamente para nos sentarmos onde me sentei quando conheci Julia e para que jogássemos conversa fora. Estava louca para desabafar e pedir por conselhos.

                Em meia hora estava pronta. Passei para pegá-lo e em mais vinte minutos estávamos na boate. Ele, com sua camisa gola V branca, trançada onde o próprio V se formava e uma calça jeans bem solta, estava deslumbrante. Téo era um homem lindo, pena – para as interessadas no gênero – que era gay. Aliás, o mais gay que já conhecera. Eu estava vestida de forma séria e casual ao meu estilo. Usava apenas um sobretudo de couro marrom por cima de um conjuntinho íntimo de renda branca e uma botinha cano baixo bege.

                Entramos no local, que estava incrivelmente cheio. Téo foi andando na frente segurando minha mão esquerda e nos sentamos no balcão, assim como o fiz na noite de sexta.

                _Olá, dona – João, o garçom que não tinha se esquecido de mim, sorriu e postou-se a nossa frente – O que deseja hoje?

                Téo me olhou como quem dizia Ele te quer amiga e eu sorri discordando com o balançar da cabeça.

                _Eu vou querer um Martini, por favor.

                _Eu quero o que você me indicar – disse Téo e se apoiou na mesa olhando para o garçom -.

                Bicha abusada, pensei e lhe dei um tapa no braço.

                João trouxe nossas bebidas e Téo iniciou as fofocas.

                _Estou namorando, amiga.

                _Jura? – perguntei espantada – Quem é o louco? – e sorri zombando dele -.

                _O Carlos, meu instrutor de direção de reciclagem da carta de motorista.

                Disparei a rir e fiquei sem saber o que dizer. Que coisa mais bizarra, simplesmente namorar um cara que está lhe dando aulas de direção. Há pontos positivos nisso, porém.

                _E você vem pegando aulas só de direção no carro dele? – arqueei uma das sobrancelhas -.

                _Claro que não, muitas outras aulas, meu amor. Muitas outras.

                A partir dali não paramos mais. Ele desabafou toda a vida amorosa dele, todas as sessões terapêuticas que estava fazendo e todos os affaires que tivera enquanto não mantivemos contato. Contei-lhe sobre meu término com Jessica e, boquiaberto, não sabia o que dizer diante daquilo.

                _Meu Deus, Lara, mas o que aconteceu?

                _Traição... Do tipo mais baixo que você pode imaginar, com uma secretariazinha de escritório metida a nova moda de querer enfiar a cara em qualquer buceta que estiver disponível.

                _Difícil acreditar, amiga, vocês pareciam tão bem – Téo estava ainda indignado -.

                _Só aparência, meu bem, só aparência – reafirmei – O bom seria se esse fosse o maior dos meus problemas agora.

                Comecei a contar tudo o que havia acontecido nos últimos dias. Pontuei os aspectos mais importantes da trama, como uma boa advogada o faria, para não alongar muito o assunto e cair na fossa outra vez. Contei-lhe sobre Julia, a mulher ruiva dos meus sonhos, do melhor beijo que eu já provara.

                _E quem é essa poderosa que tá mexendo com você agora, hein?

                _Ela...

                No instante em que levantei meus olhos para respondê-lo, Julia entrou pela porta da frente da boate. Não era possível! Chega de coincidências.

                _Ela.

                Repeti, lancei o olhar para onde ela se encontrava e fiz com que Téo virasse o rosto para vê-la. Meu coração ficou apertado ao avistá-la de longe. Julia nem sequer havia me visto. Passou reto pelo meio da pista de dança, sentou-se numa mesa de canto e, quando menos se esperava, um homem sentou-se ao seu lado.

                Como assim?

                Fiquei transtornada ao ver aquela cena. Quem era aquele? Por que estava com ela? Por quê?

                _Lara, Lara! – Téo balançou meu braço me acordando do transe em que eu me encontrava -.

                _Oi – respondi atordoada -.

                _Você percebeu que simplesmente acompanhou a ruiva gostosa por todo o salão e ainda lançou seu olhar mega perigoso pra cima daquele bofe com ela?

                _Claro que não – neguei sem muito sucesso -.

                _Amiga, poupe-me do teatro. Eu conheço você.

                Deixei para lá.

                Téo ficou o tempo todo tentando puxar assunto, dizer algo que descontraísse, mas meu olhar rígido não desaparecia. Fui percebendo seu desânimo, sua falta de vontade de tentar me dizer algo mais. Parei de pedir outros drinks ou qualquer bebida alcoólica. Se eu fosse ousar descontar minha raiva na bebida, como tentei fazê-lo e Julia me impediu, eu não trabalharia amanhã. Ou melhor, talvez nem estivesse de pé amanhã.

                _Vem cá.

                Téo puxou-me pelo braço, levando-me para o meio da pista de dança. Lá, iniciou um flerte meio forçado comigo ao passar suas mãos pela lateral do meu braço esquerdo e depois pousá-la em meu rosto. Fitei pelo canto dos olhos Julia e seu macho sentados e conversando, eles nem estavam ligando para o mundo ao redor. Puxei meu falso macho pelo braço, chegando mais perto de onde o casalzinho estava sentado e comecei a dançar de forma mais provocante de acordo com o ritmo. Nem eu sabia que dançava daquele jeito, até então.

                Sucesso.

                Julia nos viu. Parou seus olhos em mim por um instante e eu fingi nem perceber sua presença. Levantou-se e o cara sentado ao seu lado fez o mesmo. Os dois também foram para a pista de dança e quando menos esperei, ele a beijou.

                Fiquei estática. Téo olhou para trás para tentar entender minha reação e logo viu o ocorrido. Tive uma vontade súbita de chorar ali mesmo, um choro de raiva, mas não o fiz. Eu era orgulhosa demais para tal. Engoli meu orgulho, porém, deixei Téo parado e sozinho no meio da pista e fui até onde o casal estava.

                _Ei – cutuquei seu braço direito e ela parou o beijo para me olhar -.

                _Oi, Lara – e sorriu -.

                Falsa.

                _Quem é você? – perguntei numa hostilidade desmedida ao rapaz -.

                _Meu nome é Sandro, senhorita – ele estendeu a mão para que eu o cumprimentasse, mas não lhe dei tal luxo -.

                _A gente pode trocar uma palavrinha, por favor, Julia?

                Ela não respondeu, mas me acompanhou, ainda dando mais um selinho no tal Sandro antes de sair. Aquilo incitava o ódio dentro de mim.

                Fui andando na frente em direção à porta dos fundos pela qual saímos na outra noite e passei por ela me encostando-me ao corrimão. Julia recostou seu corpo sobre a parede, assim como havia ficado na noite de sexta, também.

                _O que foi isso? – perguntei num tom fraco e sem muitas forças -.

                _Do que você tá falando?

                _Quem é ele? Por que você estava com ele? Você não é nova na cidade pra ter tantos casos assim já? – meu maxilar estava rígido só de começar aquela conversa estressante -.

                _Lara, eu não entendo você. O que você quer de mim?

                Fiquei calada por um longo minuto, Julia olhando nos meus olhos sem desviar e eu sentindo seu olhar quente enquanto fitava apenas o chão. Dei um passo à frente ainda sem forças. Eu parecia estar machucada fisicamente, meu corpo se sentia fraco diante dela, meus pensamentos embaralhados e meus olhos perdidos. Coloquei uma das mãos na parede ao lado do seu corpo e a outra, do lado oposto, de forma que eu a prendia, sem ao menos lhe tocar.

                _Eu quero que você não beije outros caras – disse ainda com a cabeça baixa -.              

                Ela suspirou fundo, botou sua mão segurando meu queixo e fez com que eu levantasse o olhar.

                _Você sabe que não pode me pedir isso agora – ela respondeu com voz doce -.

                _E quando eu vou poder? – mordi o lábio inferior e passei a olhar para sua boca -.

                Julia levantou o indicador e colocou-o em meus lábios fazendo um sou de Shiu para mim. Cercou meu pescoço com as mãos e puxou meu rosto para mais perto do seu.

                _Me beija – disse ela -.               

                E eu obedeci. Obedeci tanto a ela quanto ao meu próprio corpo que pedia por ela. Enchi meu peito ao encostar meus lábios nos dela e encostei nossos corpos por inteiro. Envolvi-a num abraço que nos unia mais ainda e passei a beijá-la com mais vontade.

                Ficamos ali, caladas, quietas, entre beijos e novos silêncios. Ela recostou sua cabeça em meu ombro, pois era consideravelmente mais baixa do que eu e só após longos segundos daquele nosso transe tão único, tão a par do ambiente ao nosso redor, foi que voltamos para dentro da boate.

                A primeira visão que tive foi a de Sandro e Téo se beijando e aquilo me causou uma estranheza e uma gargalhada escapou sem que eu percebesse.

                _O que foi? – Julia sorriu também -.

                _Você beijou um cara que era gay? – perguntei com um tom de descrédito -.

                _Só o fiz pra te deixar com ciúmes – confessou e me puxou para outro beijo, agora dentro da boate -.

                _Você não vale o chão que pisa, mulher – brinquei -.

                _Você também não, ex-namorada da minha ex-melhor amiga.

                Apesar de entender o comentário, fiquei meio chateada. Nosso romance tinha custado a amizade entre Julia e Jessica. Se bem que, como diria o bom e velho direito antigo, Olho por olho e dente por dente.

                _Vamos pro meu apartamento? – disse ela em meio ao som alto da música de fundo -.

                _O que? – fingi não entender -.

                _Vamos pro meu apartamento, Lara.

                Ela repetiu e eu adorei a forma como ela fez soar meu nome, num tom puro de convite ao pecado.

                _É claro – respondi e acompanhei-a em direção ao seu carro -.

                


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