Mulheres de Vênus escrita por Lara Campos


Capítulo 2
Capítulo 2 - Bem vinda ao clube




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Sábado.

O dia mais esperado por todos, a folga e o sossego semanal. Pois bem, era um dia como qualquer outro para mim. Pilhas e pilhas de processos, projetos de lei, documentos e certificados. Antes eu me encaixasse na vasta parte da sociedade que ingressa na carreira pública para, literalmente, não ter o que fazer e ganhar bem por isso.

Mas uma coisa me alegrava: a noite anterior. Acordei pontualmente às 8 da manhã, despertada pela voz gravada de Jéssica em meu celular. Maldito dia em que aceitei colocar aquela coisa brega e idiota como toque. Ainda assim, não perdi o sorriso. Meus sonhos, se é que não apenas delírios, foram repletos dos olhos escuros daquela mulher de cabelos cor de fogo. Julia beijava meu rosto, meu pescoço, meu colo, e seus cabelos iam ficando pra trás enquanto ela descia devagar pelo meu corpo. Para minha infelicidade, nada daquilo era real, apenas meu inconsciente ainda embriagado.

Quando ousei colocar meus pés no chão e fixá-los na tentativa de ficar em pé, uma enxaqueca terrível me deu um soco, fazendo com que eu me sentasse na cama outra vez.

_Cowboy filho da puta.

Eu falava sozinha, às vezes. Muitas vezes, aliás. Ainda mais quando a raiva me subia à cabeça. Comecei, pois, a andar novamente e fui até a cozinha xingando do desgraçado que inventou a bebida alcoólica até o coitado do João, que só serviu o que lhe paguei para tal. Engoli um analgésico a seco e abri o armário retirando de lá um saco de bolachas de água e sal. Deitei-me em minha poltrona na sala e liguei a TV somente para ter um foco visual.

Minha mente estava vagando. Cada vez que uma brecha se configurava, bam!, estava lá a figura de Julia em frente aos meus olhos. Eu ainda custava acreditar que deixara ela ir embora logo quando nosso amasso estava ficando mais quente. Meus olhos se fechavam de minuto em minuto imaginando como aquele corpinho delicado, volumoso e aquela boca tão pequena e gostosa deixavam meu corpo todo mole. No meu antebraço esquerdo havia uma pequena marca que ela deixara, creio que sem intenção, com as unhas.

Marca de amor, pensei alto. Porém, ainda longe disso. Eu estava encantada, com os olhos perdidos e à procura de algo mais para pensar. É aquele tal do sentimento que fica após uma noite de sexo daquelas. Mas não, nós não havíamos chegado nem perto disso. Graças ao meu bom Deus, aliás. Era cedo demais, dizia a mim mesma pestanejando. Jessica ainda estava dentro de mim, de alguma forma, e não havia se passado sequer uma semana do nosso término definitivo. Envolver-me com outra mulher, eu repetia a mim mesma, ainda era cedo demais.

Meti a cara no trabalho. Meu escritório particular era em casa mesmo, onde eu guardava tudo o que precisava para ganhar o maior número de casos possíveis e receber um ônus especial ou quem sabe, uma promoção no serviço. Já haviam se passado horas e horas e nada de o nome Julia sumir da minha cabeça.

O celular vibrou ao meu lado, na mesa, e me assustei, primeiramente. Meu coração disparou meio adoidado e meu íntimo queria que fosse uma ligação dela. Mas não. Jessica está te ligando, dizia a tela do celular. Parei por um instante, pensei se atendia ou não e acabei por aceitar a chamada.

_Alô – respondi meio seca -.

_Tudo bem, nina?

Ela sabia que eu adorava aquele apelido, era seu jeito carinhoso de me chamar de menina. Desnorteante, eu diria, ainda ouvir ela me chamando daquela forma.

_O que você quer?

_Ih, porque o stress, Lara

Difícil entender o porquê de ela ainda me fazer aquela pergunta. Ou o senso lhe faltou ao sequer cogitar ligar para mim ainda, ou ela não o possuía, de fato. Eu apostava na segunda alternativa.

_Não preciso nem te responder isso, né?

Ela ficou em um silêncio repentino, porém passageiro.

_Só liguei pra chamar você pra irmos ao clube, se ainda estiver afim. Todas as meninas vão hoje.

O clube não dizia respeito a um parque aquático ou algo do tipo. Desde os 17 anos, Jessica, eu e nossas amigas em comum, especialmente aquelas que eram lésbicas ou bissexuais, nos encontrávamos no parque privado dentro do condomínio onde Raquel morava. Raquel organizava reuniões periódicas, de acordo com a disponibilidade do grupo todo, para colocarmos o papo em dia, fofocarmos bastante, trocarmos farpas ou qualquer outra coisa que o valha.

Quando mais novas, a intenção real desse clubinho era nos encontrarmos e termos tempo longe de nossas mães para que pudéssemos exercer nosso direito lésbico de ser com nossas respectivas namoradas/ficantes. Mulheres de Vênus, o intitulamos. Se não me engano, chegamos até a fazer um quadro de anotações em que assinávamos nossa presença, para lembranças posteriores. Coisa de adolescente.

_Não sei, tenho muito trabalho por aqui ainda. Veremos.

Desliguei o telefone sem muitos rodeios, voltei a ler e até me esqueci do convite. Já eram 8 da noite e eu ainda estava sentada, enfurnada em frente àquela pilha de papéis interminável.

Por um instante me ocorreu uma ideia: eu chamaria Julia para ir ao clube. Dois pombos num tiro só. Eu a veria novamente e mostraria a todas que estava superando Jessica. Peguei o celular, ativei a discagem e...

_Ah não!

Eu não tinha o número dela. A merda do número dela não estava na minha agenda. A merda da minha cabeça não prestava pra nada.

_Que idiota você é, Lara.

Eu ainda não acreditava naquilo. Como eu a veria novamente? Eu sequer sabia por onde começar procurando. Talvez achasse ela pelas redes sociais, Facebook ou qualquer outro que fosse. Mas nem eu mesma tinha o tal do Facebook. Verdade seja dita, eu teria de fazer um naquele instante, já que ainda não o havia feito, pois Jessica não achava conveniente namorarmos e estarmos nas redes sociais. Ciúmes, possessão, esses eram os motivos.

Liguei meu notebook, cadastrei-me e logo estava lá “Lara Rodrigues, 27 anos, Advogada e solteira”. Lembrei-me de como eu havia dito essas mesmas palavras a ela enquanto a tinha em meus braços. Passei a procura-la, então, mas não obtive sucesso. Adicionei Amanda, Marília, Raquel e a Duda. Logo quando o fiz, Jessica me adicionou e mandou uma mensagem que dizia “Às 9:30, casa da Raquel. Hoje vão: Raquel, Duda, Andressa, Elis e Julia”.

Julia.

_Julia?

Seria uma coincidência enorme ou um puta de um mal entendido? Quem era essa Julia que estava na lista? Quem a convidou? E se fosse ela, mesmo, quem a conhecia além de mim?

Tomei um banho rápido e me vesti num instante. Coloquei minha calça cáqui preta, uma camisa bege clara de manga ¾ e uma echarpe roxa clara. Calcei a primeira sandália baixa que encontrei, peguei minhas chaves e sai de casa. Em quinze minutos estava na porta do condomínio de Raquel e entrei receosa. Eu suava frio, minhas mãos suavam frio. Meu coração estava meio apertado também, na verdade, cheio de vontade que a tal Julia fosse a minha Julia.

Cheguei ao parque, estacionei o carro em frente ao enorme pinheiro que ali vivia e desci de cabeça baixa. Eu não queria ter a confirmação – seja positiva ou negativa – de quem era a Julia misteriosa olhando de longe. Evitei levantar a cabeça, mas logo o fiz. Avistei Raquel e Andressa conversando sentadas na mesa de pedra, Jessica, Elis e Duda preparando algo para comermos na pequena cozinha coberta que ali fora construída e nada dela. Ninguém mais estava ali.

Raquel se levantou, veio em minha direção sorridente.

_Quanto tempo, Lara – e me abraçou forte – Você continua linda hein, amiga.

Eu sorri sem jeito. Ela sempre tinha de arranjar uma forma de dar em cima de mim, mesmo quando eu estava comprometida.

_Como você está? – perguntou-me -.

_Bem, bem – respondi sucinta – Mas me diga, quem é essa Julia que a Jessica disse que vem?

_É uma amiga da Jéssica de longa data. Ela se mudou pra cá há cerca de um mês e ainda está meio perdida. Não conhece as perigosas do pedaço ainda.

Ela sorriu e eu sorri junto. Perigosas. Essas éramos nós, mulheres de vênus de carteirinha. As lésbicas do pedaço.

Jessica me cumprimentou, assim como todas as meninas e eu mantive minhas mãos suadas, ainda a espera da outra que não chegava. De repente, enquanto estávamos sentadas todas ao redor da mesa, Jessica se levantou e olhou para algo que estava atrás de mim.

_Julia!

Ela saiu da mesa e eu não quis me virar e nem olhar, tive medo. Logo abaixei a cabeça e vi todas as meninas olharem para a tal mulher com certo... Digamos, veneno no olhar. Aquele era o típico sinal de que acharam alguma outra mulher mais bonita do que elas. Eu ainda não havia colocado meus olhos nela.

Jessica veio se aproximando com Julia em nossa direção, eu podia ouvir os passos das duas.

_Gente, essa é a Julia, minha amiga de infância. Espero que nossa noite seja agradável – ela soltou uma risada alta e meio espalhafatosa demais -.

Pois logo eu já não conseguia mais me segurar. Fiz menção de me virar para fitar a nova convidada, mas antes de poder fazê-lo, ela apareceu a minha frente e, também surpresa, parou seu olhar em mim.

_Julia Gampietro – falei sorrindo -.

_Lara – ela retribuiu o sorriso e mexeu os cabelos como quem sabia muito bem o que fazer diante de mim -.

Tentei disfarçar meu espanto, meu prazer em vê-la, minha vergonha e todo o pudor que nem eu sabia que tinha. Ela se aproximou, sentou-se ao meu lado, pousou suas mãos a segurar meu rosto e beijou meus lábios de leve, como se fossemos um casal que dizia um simples oi. Todas nos olharam espantadas e Jessica, principalmente.


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