Jogo Da Amizade escrita por Diego Ryder


Capítulo 1
Espectativa


Notas iniciais do capítulo

Momentos anteriores ao inicio da viagem, facilitando a familiarização com os personagens.



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Àquela hora da noite, as ruas estavam um tanto desertas e era quase inevitável não pisar fundo no acelerador afim de adrenalina e diversão. Em uma das avenidas principais da cidade, com a maioria dos semáforos piscando a intermitente luz amarela em sinal de atenção, o Jeep Troller esverdeado corria em alta velocidade rasgando o caminho em dois, interceptando o vento para dentro do veículo, bagunçando o cabelo claro do rapaz que o dirigia orgulhoso de si mesmo pelo prestígio de adquirir o próprio carro. Fazia menos de uma semana que Fernando o comprara, por isso ainda tinha consigo a emoção do primeiro carro próprio. Porque homem tem essa coisa de ter orgulho de algo que conquistou com o próprio esforço, principalmente quando se diz respeito a algo de valor. É como se fosse um filho, inicia-se uma conexão invisível entre motor e motorista, e não importa a marca do automóvel, é motivo de encher o peito e dizer “Eu comprei meu primeiro carro”. Fernando estava se sentindo assim agora.


O rapaz acabara de fazer uma mini surpresa de aniversário para uma amiga de longa data e, mesmo estando dois dias atrasado, ela adorou o pequeno gesto: Fernando combinou com Douglas e os dois compraram três cupcakes que fariam o papel do bolo de aniversário. A velinha fora adquirida de uma maneira particularmente diferente; havia um pacotinho de vinte velas rosa choque na prateleira. Os rapazes não hesitaram em abri-lo e colocar apenas uma no bolso do short disfarçadamente, segurando a risada na garganta. A aniversariante não aprovaria o gesto, mas ela não precisaria saber. E, segundo um amigo, o princípio da insignificância não permitiria que nenhum deles respondesse por processos criminais por furtar uma velinha rosa de um mercado de grandes proporções.



Agora ele estava dirigindo avidamente para casa, com o pensamento em vários lugares ao mesmo tempo, mas havia algo que centralizava toda sua mente: a internet.


Ele não era exatamente um dependente psicológico da rede, nem um viciado em redes sociais e jogos online. Mas havia uma coisa que o prendia e o fazia gostar de ficar na frente do notebook: as pessoas.

Há um ano, Nando se cadastrou em um jogo de RPG cujo tema abordava a saga mundialmente conhecida de J. K. Rowling; Harry Potter. Porém, ultimamente, o que o fazia querer voltar pra casa em alta velocidade era conseguir chegar a tempo de encontrar algumas pessoas cuja amizade se firmara há algum tempo. Ele nunca foi muito fã de comunicações via internet, mas pegou gosto pela coisa quando as pessoas em que se comunicava valiam à pena o esforço.

[...]


Deixou o feijão esquentando no fogão e voltou para o quarto; notebook ligado... senha... e enquanto a máquina reiniciava ele tirava o tênis e o jogava num canto qualquer. Sua mãe com certeza ficaria histérica com a bagunça, mas faz dois meses que não mora mais com os pais. Assim que o financeiro lhe permitiu, Nando juntou seus pertences, alguns móveis e equipamentos eletrônicos e se mudou para um pequeno apartamento na área recém construída da cidade. Não havia requintes, mas era perfeito para ele.


Uma luzinha piscou e um som conhecido fez sua atenção se voltar para o computador. Era Elvis convidando-o para uma chamada de vídeo. Fernando atendeu prontamente.

– Bom diiia, Elvu!!! Tudo resolvido? – exclamou o garoto colocando os fones na cabeça.

– Está meio escuro para um ‘bom dia’, não? – discordou Elvis sorridente na tela do notebook.

Fernando o conhecera no bate-papo do RPG, inicialmente em uma rincha entre os times do jogo, já que os dois são de lados controversos. Contudo isso nunca impedia nenhum deles de fazer amizades e trocar ideias até altas horas da madrugada. Elvis Klaus Luck, como era chamado, segundo seu login de usuário, começou uma singela amizade com o rapaz assim que se falaram pelo chat, desde então todas as vezes que se esbarravam disponíveis na rede online os dois se falavam. Talvez pela proximidade etária, ou apenas simples afeição, sem muita coisa em comum, ambos firmaram uma ligação diferente, mesmo sem nunca terem realmente visto um ao outro fora das limitações de uma câmera.

– Meus pais ainda estão receosos com esta viagem – disse Elvis um tanto baixo, fazendo Fernando apertar os fones na orelha – mas eu já estava os avisando há seis meses. No início eles não botaram muita firmeza, mas agora que a coisa está acontecendo de verdade, estão querendo frear a armada toda.

Ele fez uma boa colocação ao se referir à viagem como “uma armada”, pois não era muito normal combinar uma viagem com alguém que os pais nunca viram, nem mesmo o próprio Elvis vira. E seus pais faziam questão de lembrar isso a ele.

– É só quando a água bate na bunda que percebem que estamos falando sério – Fernando observou, enquanto tirava a calça para colocar um short mais leve – Feche os olhos, não tem nada pra você ver aqui – disse ele jogando a calça pro lado.

– É, não mesmo, porque nem que eu quisesse, não enxergo nada aí – falou ele rindo da própria piada. Fernando mostrou o dedo do meio e saiu da frente da webcam indo atrás de uma roupa limpa, ou que estivesse pelo menos em condições de uso. Era nessas horas que ele sentia falta de estar debaixo das asas da mãe.

– E como você conseguiu pegar férias? Seu patrão mudou de ideia? – Nando falou alto enquanto voltava, para que o microfone captasse sua voz, mesmo de longe. Elvis trabalhava em uma escola técnica como instrutor de cursos na área de informática. Ele já havia pego férias no ano passado na melhor data disponível, por isso estava com medo de não poder escolher quando pegaria os dias de folga certo para coincidir com a viagem.

– Ele concordou de bom grado... Desde que eu trabalhasse todos os sábados para cobrir folgas pelos próximos dois meses – explicou ele, acrescentando esta última parte com uma voz sombria, agora que fora lembrado que trabalharia de graça no começo do ano que vinha.

Ambos já estavam com as malas quase prontas. Nando sairia de sua casa no próximo amanhecer, numa quinta-feira cedinho. Uma distância de seiscentos e trinta quilômetros separava os dois amigos. O plano era chegar na cidade de Elvis pouco depois do meio-dia, São José dos Campos, e de lá, viajariam mais trezentos quilômetros para o Rio de Janeiro, a cidade maravilhosa, para chegar ao objetivo de toda a viagem: o casamento de Kyara.

– Kyara entrou!!! – exclamou veemente o instrutor de São José, Fernando ficou ereto na cadeira e deu uma mexidinha imperceptível no cabelo – Vou colocá-la com a gente.

Houve uma pausa de expectativa enquanto o silêncio conduzia Fernando a olhar para a tela do computador esperando algo novo acontecer... Aconteceu.

– Bem vinda, Kyky!!! – cumprimentou Elvis, também aguardando resposta. Kyara morava no Rio de Janeiro e, por causa dela, um caminho de quase mil quilômetros esperava Fernando pela frente.

Então surgiu na tela a imagem de uma moça loira, de olhos escuros e um largo sorriso fino. Ela os cumprimentou com um aceno com a mão e pendendo a cabeça para o lado, como ela sempre fazia para cumprimentar pela webcam.

– Isso são horas? Ninguém dorme aqui, não? Vou chamar a mamãe de vocês – dizia ela caçoando dos garotos enquanto um de seus cachorros subia em seu colo, fazendo a câmera tremer por alguns segundos. Podia-se ouvir Kyara fazendo dengo para o bicho de estimação.

– Já tenho vinte e dois anos, né. E eu vou chamar seu futuro marido, se for o caso – retrucou Nando chegando mais perto da câmera e ainda sorrindo grandemente continuou: - Como estava o pet, hoje? Muito movimento? – Kyara arregalou os olhos na lembrança do dia trabalhoso que tivera em seu pet shop e chacoalhando a cabeça avidamente para confirmar o quão fora corrido o dia.

O assunto da conferência fora basicamente a visita dos paulistas à carioca que os esperava ansiosa. Há uma semana, Elvis e Nando receberam uma correspondência que continha, nada mais nada menos, que o convite para o casamento de Kyara, que aconteceria dia dezesseis de novembro, num sábado, daqui a três dias.

– Eu ainda acho que vocês poderiam se instalar aqui em casa, tem espaço sobrando – dizia a garota distraída comendo uma barrinha de chocolate.

– Vamos ficar em um hotel a duas quadras da sua casa. Isso significa duas quadras mais perto da praia – comemorava Elvis animado com a visão de se ver em uma praia, praticamente no dia seguinte. Uma pequena pausa amistosa recaiu sobre eles, até que Kyara quebrou o silêncio:

– Ainda estou com fome.

A menção de algo de comer fez uma parte da mente de Fernando despertar e borbulhar feito água fervente, dando um pulo da cadeira ele saiu correndo levando consigo até mesmo os fones nos ouvidos e deixando o resto para trás:

– O FEIJÃO ESTÁ QUEIMANDO! – risadas foram ouvidas pela caixinha de som.

[...]

Depois do incidente, os três se despediram com toda energia, diante da perspectiva de se encontrarem pela primeira vez depois de quase dois anos em uma amizade via internet. Nando deitara em seu travesseiro com a rádio ligada, como fazia toda noite antes de dormir. Um esboço de sorriso era difícil de esconder, mesmo na escuridão da noite. O coração mais acelerado que o normal não o deixara dormir direito esta noite, mesmo porque ele teria menos de quatro horas para dormir; às seis da manhã seu despertador soaria para um novo dia cheio de expectativas.


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