A Filha Do Sol escrita por Let B Aguiar, Taty B


Capítulo 3
Dou um passeio no carro do sol


Notas iniciais do capítulo

Hey! Let passando aqui para postar mais um capítulo para vocês! Altas emoções no capítulo passado, huh? Haha. Obrigada a todos que leram! Aproveitem o terceiro :) x



Este capítulo também está disponível no +Fiction: plusfiction.com/book/343062/chapter/3

Um fato: se você se sente intimidado pelos seus pais, que são normais, nunca queira estar na companhia de um deus. Não é uma coisa muito confortável de se fazer, mesmo se no caso ele seja seu pai e você o conheça desde pequena. Rumamos até a sala e Kye, Percy e Annabeth dispunham-se no sofá. Kye e Percy conversavam sobre algum assunto muito empolgante, porque Kye gesticulava sem parar e comia um pratinho de prata que ficava em cima da mesa de centro. Os olhos de Annabeth miravam a televisão, mas seus ouvidos estavam atentos à conversa entre os garotos. Minha beagle, Lara, rodeava-os e latia para Kye, como se ele fosse um visitante indesejado.
– Pattie! – Kye exclamou e logo depois arrotou – Desculpe. – ele soltou o pratinho de prata tão rápido quanto tinha comido aquela latinha de refrigerante.
– Eu já sei uma boa parte da história, mas eu não sei quem vocês são. – disse, encarando-os. Os três pararam o que estavam fazendo e Annabeth foi a primeira a se apresentar.
– Eu e Percy também somos semideuses, Pattie. Eu sou filha de Atena.
– E eu sou filho de Poseidon. – Percy intrometeu-se.
Assenti e esperei que Kye dissesse algo. Seu olhar era tenso e ele transpirava tanto que o suor escorria pelo seu rosto. Kye era um garoto diferente, se comparado aos outros. E não é porque ele comia latinhas de refrigerante e pratinhos de prata, ou porque sempre usou uma touca e calças largas, parecendo até um daqueles rappers tipicamente californianos. Kye tinha um sério problema de acne comparado aos meninos de quinze anos. Ele também tinha o cabelo enrolado e castanho, e uma barbichinha estranha. Seus braços eram bastante peludos e, como eu já disse, ele nunca deixou suas pernas à mostra.
– Olha... – Apolo interrompeu. – Nós precisamos partir para o Acampamento agora. O sol se põe daqui três horas e vinte e três minutos. Eu prometo que no caminho você pode tirar todas suas dúvidas, sim?
– Tudo bem. – concordei. – Mas eu tenho uma pergunta que não vou conseguir guardar até lá: que raio de acampamento é esse?
– Obviamente, é um acampamento para Meio-Sangues. –Annabeth cortou a conversa educadamente. Ela ainda parecia apreensiva, mas tinha quase certeza que era porque estávamos batendo um papo com um deus. – O Acampamento Meio-Sangue é o único lugar seguro para os semideuses. É lá que nós aprendemos a manusear armas, duelar e sobreviver. Você já deveria ter sido enviada para lá. Kye é um sátiro, um protetor, e esteve de olho em você todo esse tempo. Eu e Percy viemos até aqui para te 'escoltar' em segurança, à pedido de seu pai.
Olhei para Kye, tentando enxergar aonde aquele garoto estranho se assimilava à um sátiro. E então ele tirou os tênis e revelou cascos, como os de um bode.
– É, acho que nada mais me surpreende depois disso. Por que você nunca me contou? - voltei meu olhar para Kye, que pareceu transpirar mais ainda. Gotículas de suor escorriam por sua testa.
– Eu não podia. Quando um semideus descobre o que é, os ataques de monstros aumentam.
– Bom... eu posso te perdoar por ter mentido pra mim se alguém me disser onde fica esse tal de Acampamento Meio-Sangue!
– Long Island. – Percy respondeu. – Fica um pouco distante daqui, então eu acho que Apolo está certo. Nós precisamos ir.
Depois disso, o clima ficou mais pesado do que já estava. Lara agora deitava no colo de minha mãe e tinha parado de latir, então, por alguns segundos, o único som ali era o da propaganda que passava na televisão.
Eu não queria ir para esse acampamento, não queria deixar minha mãe sozinha. Mas eu sabia que se eu não fosse para lá, me envolveria em problemas mais sérios do que os usuais.
– Pattie, sua mala já está pronta e está no seu quarto. – minha mãe quebrou o silêncio. Percy ofereceu-se para pegar a mala e quando voltou de lá, todos já estavam na porta, prontos para partir.
– Mãe, você vem conosco? – perguntei, esperançosa. A expressão de minha mãe converteu-se em um pedido de desculpas silencioso e seus olhos lacrimejaram.
– Eu não posso, Pattie. Mortais não entram no Acampamento Meio-Sangue, mesmo se enxergam através da Névoa.
Assenti, resignada. Apolo me lançou um olhar encorajador. Abracei minha mãe, ambas tristes, porém certas de que nos comunicaríamos enquanto eu estivesse no acampamento, e me despedi de Lara.
– Obrigada pelos cookies, Sra. Veloso. Estavam deliciosos. – Percy agradeceu.
Minha mãe deu mais alguns para viagem e Percy quase pulou em cima dela de tanta felicidade. Ela queria parecer forte, mas a sua insegurança e tristeza por me deixar ir eram visíveis. Apolo assegurou-a de que eu iria ficar bem e que não me meteria em encrenca, e pediu para não se preocupar, pois iria dar notícias. Dizendo isso, nós partimos e andamos até chegar ao estacionamento do condomínio. O carro do meu pai era o mais chamativo ali. Por que? Porque ele tinha um Porsche. Sim, um Porsche amarelo. Um carro desse porte no estacionamento de um condomínio residencial no subúrbio de Los Angeles é mais chamativo do que um cachorro dançando salsa.
– Ótimo, não vou precisar mudar de carro para transportar todo mundo.
– Como assim mudar de carro? – questionei, confusa.
– Você está vendo esse carro, doçura? Bem, este é o carro do sol. Eu sou o deus do sol então, basicamente, ele pode ser qualquer carro que eu queira que seja. – respondeu cheio de si, como se o carro fosse o prêmio mais caro que alguém poderia ganhar. – Essa belezinha aqui já virou até uma van, mas eu prefiro ele nessa forma. Então, todos para dentro!
Apolo deu uma batidinha na lataria do carro e todos adentraram. Por sorte, o carro era espaçoso o suficiente na parte da frente, para nós dois. Já na parte de trás, não poderia dizer o mesmo. Kye, Percy e Annabeth se espremiam no banco traseiro, tentando achar uma posição confortável, o que era praticamente impossível.
– Hum-hum. – meu pai resmungou. – Eu deveria trocar de carro. Está tudo bem aí atrás?
– Claro.
– Sem problemas.
– Nem um pouco. – Kye murmurou, mas Apolo pareceu não ouvir, já que ele deu partida no carro e arrancou da garagem.
Fazia um dia quente em Los Angeles, ou seja, observava-se pessoas indo à praia, jogando bola, andando de skate e algumas escutando música no último volume enquanto andavam pelo calçadão de Venice Beach. Um dia comum na grande L.A. O carro não chamava tanta atenção na rua, já que era banal ver pessoas famosas dirigindo seus carros milhões de vezes mais luxuosos que esse. Meu pai dirigiu por algumas ruas, entrou em várias avenidas e saímos em um estacionamento deserto, entre um McDonalds e outra loja. Eu não entendi muito bem porque fomos parar ali, e ele logo se apressou em explicar.
– Você tem medo de altura, Pattie?
– Não.
– Maravilhoso. – assim que disse isso, o carro deu uma guinada e voou. Sim, voou. Não pude evitar soltar um gritinho agoniado e ele riu de mim, que deveria estar aterrorizada.
– O que você está fazendo? Você está louco? – exclamei, desesperada. Apolo e os outros, exceto por Kye, que também estava apavorado, riram da minha reação.
– Como você pensou que nós iriamos chegar em Long Island, querida? – ele perguntou, num tom de brincadeira. – Por terra? Oh, por favor! Isso é muito clichê e impossível de acontecer em menos de 3 horas.
Meu pai percebeu que eu continuava branca como quem viu uma vaca voando e finalmente desembuchou, como se adivinhasse o que eu estava pensando.
– Ah sim! Você deve estar se perguntando como os humanos não veem um carro voador, certo? – indagou. Eu assenti, ainda com a mesma expressão assustada. – É o seguinte: o que não deixa os mortais verem essas coisas estranhas como carros voadores e monstros, é a névoa. A névoa é o véu que distorce a visão dos humanos e impede que eles vejam as coisas do jeito que realmente são. Como sua mãe, alguns humanos nascem com o dom de ver através da névoa, e tenho que dizer que não é muito fácil encontrar um mortal com esse poder.
– E o que os mortais estão vendo no lugar de um Porsche voador?
– Provavelmente, um jatinho particular. – Percy respondeu com a boca cheia de cookie. De novo.
– Você está sujando o estofado do meu carro, Percy. – meu pai reclamou. Por um momento, ele pareceu ameaçador e intimidador, como um deus deve ser. Mas foi questão de segundos até eu me lembrar que ele continuava o mesmo Fred/Apolo de sempre.
– Desculpe, Senhor Apolo. – Percy se retificou. No mesmo instante, ele largou o cookie. Kye continuava aterrorizado e evitava olhar pela janela.
A vista de cima era maravilhosa. Era possível ver toda a baía e lugares importantes de Los Angeles, como o aeroporto LAX, o bairro de Beverly Hills e Hollywood. Esse sem dúvida foi o passeio mais estranho e emocionante da minha vida. Eu olhava de canto de olho para aquele que eu descobrira que era meu pai há alguns momentos atrás. Tudo estava acontecendo tão rápido. Tantas perguntas ainda não haviam sido respondidas. Minha cabeça começou a girar novamente.
– Pattie, você está bem? – Annabeth perguntou. Ela foi a única que percebeu a mudança no meu semblante. Ninguém queria me ver desmaiando de novo, certo?
– Estou, estou sim... – respondi, tentando fazer com que isso soasse natural. Mas acabei soando bem insegura e apreensiva.
– Doçura... Relaxe e curta a vista. As coisas vão começar a se encaixar aos poucos. Tudo vai ficar mais claro, você vai ver. – Apolo falou com um sorriso aconchegante e de uma maneira tranquilizadora. Eu sorri de volta. E depois de tantos anos convivendo com ele, apenas agora, depois de saber a verdade, notei como nossos sorrisos eram parecidos.
O tempo pareceu voar enquanto estávamos dentro do carro. As paisagens mudavam em questão de milésimos, e no máximo quinze minutos depois, nos encontrávamos sobrevoando Nova York. O sol começava a baixar no horizonte, anunciando a proximidade do fim do dia. Estava conversando com Percy e Annabeth, fazendo perguntas sobre o tal acampamento, quando senti o carro se inclinar para baixo e segurei firme, arfando. Apolo riu de mim, e até o som da sua risada era belo. Não por menos minha mãe se apaixonou.
O Porsche estacionou num gramado, localizado no meio de vários chalés. De fato, o lugar parecia um acampamento de férias. Mas cada chalé tinha uma forma e decoração diferentes e tudo remetia à Grécia antiga. Fiz menção de abrir a porta e descer, como Kye, Percy e Annabeth faziam, mas meu pai segurou minha mão e saiu do carro antes de mim, para abrir a minha porta. Um pefeito gentleman.
– Então foi assim que o senhor conquistou a dona Olivia! – falei marotamente, enquanto descia do carro, e Apolo piscou para mim.
– Não foi só assim, meu bem, não mesmo! – Tive que rir da duplicidade em sua frase, e quando vi, Kye e Percy já tinham tirado a minha mala do porta-malas. Annabeth rumava para uma grande casa que ficava em uma colina mais acima. Agradeci a eles, e então pude perceber que várias pessoas, aproximadamente da minha idade, nos olhavam com curiosidade. Uns deles carregavam escudos, espadas, lanças. E cara, estava começando a me sentir em um filme de mitologia grega.
– Pai? O que o senhor... – um menino de cabelos castanhos claros, alguns centímetros maior que eu e com um rosto sério e divino, aproximou-se com as sobrancelhas franzidas. Quando Apolo o viu, abriu um sorriso e foi até ele, distribuindo tapinhas nas suas costas. Mas espera aí... Ele o chamou de pai. Então quer dizer que eu nunca fui filha única e nem sabia?
– Hey Matt, é bom te ver garoto! Tenho uma surpresinha para você! Essa é sua irmãzinha mais nova, Pattie! – O garoto olhou do meu pai para mim, e de mim para o meu pai. Não havia como demonstrar mais incredulidade. Percy e Kye estavam levando minhas malas até um chalé completamente dourado, com um arco e flecha pendurado sobre a porta. Matt pigarreou, engolindo seco. Ele continuava me olhando com surpresa e espanto. Talvez eu estivesse com a maquiagem borrada, sei lá.
– Minha irmãzinha mais nova? Pai... Isso quer dizer que o senhor... Que não cumpriu o juramento dos deuses! Ela não tem 13 anos, ou tem?!
– Pelos deuses, Matthew! Não seja sem educação e dê as boas vindas à sua irmã! – ele empurrou-o em minha direção. Ficou perceptível que meu pai não queria falar sobre esse assunto. – Vou até o chalé ver seus irmãos. Depois vão para lá, crianças! – meu pai correu em direção ao chalé dourado e por fim, Matthew me estendeu a mão, suavizando um pouco sua expressão.
– Seja bem vinda, Pattie – ele disse – Meu nome é Matthew Sommers. Bom... Tenho certeza de que você não está entendendo nada, mas eu sou seu meio-irmão.
– Obrigada, Matthew...Matt, posso te chamar assim? – Ele assentiu, enquanto me levava na direção do chalé. Percebi que o carro se fechara sozinho. – É claro que meu nome não é Pattie. É Patricia Veloso, mas prefiro que me chamem de Pattie mesmo.
– Me desculpe por ter ficado tão surpreso. É que faz um tempo que, hum...Não recebemos nenhuma meia-irmã em nosso chalé. – Sua expressão voltou a ficar pesada, mas dessa vez, de constrangimento. Sorri e falei:
– Sem problemas. Com certeza você não está mais surpreso do que eu! – entramos no chalé, cuja porta estava aberta. E a primeira coisa que pensei foi: esse lugar é bem legal. Havia beliches. Muitas delas. O espaço era enorme. Percebi que também havia um baú para cada habitante do quarto. Mais a esquerda, simplesmente me deparei com uma sala de música incrível. Tinha uma bateria, um baixo, uma guitarra, um piano, uma banda completa. Porém, também havia alguns instrumentos musicais tão antigos que eu com certeza nem sabia seus nomes. Junto com os instrumentos, havia pequenos pufes e uma mesa de estudos mais ao canto. Em todas as paredes kits de arco e flecha estavam pendurados. Meu pai sentava em um pufe, enquanto conversava com outros sete garotos tão bonitos quanto ele. Eles me olharam com a mesma curiosidade de Matt.
– Meninos, essa é a Pattie! Pattie, esses são seus outros meios-irmãos. – cumprimentei cada um deles. Todos eram muito bonitos. Muito bonitos mesmo. O mais velho se chamava Will Solace e era o líder do chalé. Os outros mais novos, dois com 18 , outro com 17 anos e três com 16 se chamavam respectivamente Johnny e Austin, Ronnie, Leroy, Carlos e Adam. Todos ficaram um pouco constrangidos com a minha presença. Logo entenderia por quê.
– Ah, todos os meus filhos reunidos... Eu preciso fazer um haicai sobre isso! – Vi os olhos de meu pai brilharem mais do que o normal, e ele respirou fundo antes de começar. Levantou a mão direita e colocou a esquerda sobre o peito, dramaticamente. Os meninos sufocaram risinhos, mas ele pareceu não perceber.

Família, que coisa bela, magnífica,
Meus filhos são minha alegria
Minha caçula logo será conhecida.

Tenho que admitir que até eu sufoquei risinhos incontroláveis. Nunca ouvira, nesses 15 anos de vida, Fred, quer dizer, Apolo, recitar um poema tão brega. Algum tempo atrás, tinha achado alguns poemas numa caixinha secreta da minha mãe. E agora sabia exatamente quem os escrevera. Eu e os garotos aplaudimos discretamente, pois nosso pai olhou para nós esperando aplausos.
– Bom, Pattie, você precisa ser apresentada para os responsáveis pelo acampamento. E eu preciso conversar com eles. Você e seus irmãos terão todo tempo do mundo para se conhecer. E Will, Matt, Austin, Johnny, Ronnie, Leroy, Carlos e Adam... Lembrem-se do que eu falei. A partir de hoje, vocês moram com uma donzela! – Apolo olhou para eles com cara de ‘quem avisa amigo é’, passou um braço pelos meus ombros e foi saindo comigo do chalé.
– Uau... – murmurei, olhando a minha volta. Pude ver estábulos com cavalos. Mas não eram apenas cavalos. Eram cavalos com asas. Parecia um sonho. Mais além, vi uma oficina, eu presumi, pois várias sucatas se acumulavam ao redor dela. Também vi uma parede de escalada absurda, mais realista impossível. Lava e pedras rolavam por ela. Imaginei-me tentando escalar aquilo. Seria um desastre memorável. A verdade é que havia tantas coisas para se ver enquanto subíamos a colina que eu nem sabia para onde olhar. Muita informação para pouca Patricia.
– Isso é um uau de ‘nossa, que fantástico’ ou um uau de ‘poxa, quantas coisas acabaram de acontecer’? – Apolo perguntou, dando a entonação necessária a cada tipo de uau que descreveu.
– Acho que é uma mistura dos dois. Não imaginava que de repente teria oito irmãos! – dei uma risada que sem querer acabou soando um pouco debochada.
– Ahn... Pattie, isso é uma questão que é melhor a gente conversar depois... – é possível o deus do sol ficar enrubescido? Se sim, ele acabara de ficar.
– Minha mãe sabe? – a pergunta saiu por entre meus lábios antes de eu raciocinar direito.
– Mais ou menos... – Apolo deu um risinho evasivo e logo mudou de assunto – Você vai gostar muito daqui. Sua vida mudará daqui pra frente. Será uma ótima arqueira e uma excelente esgrimista. Por mais que eu não aprove essa segunda parte.
Ele falou isso com tanta convicção que até me assustei.
– Como sabe disso?
– Escapuliu sem querer. Não gosto de despejar visões sobre meus próprios filhos, mas às vezes elas escapam. – deu de ombros, e então chegamos à varanda da casa grande.
Um senhor de meia idade estava parado à porta, sentado numa cadeira de rodas, as pernas cobertas por um xale. A principio, imaginei o que teria acontecido com suas pernas. E de súbito, a cadeira de rodas sumiu e ele se transformou em um centauro, com a metade da cintura para baixo como a de um garanhão branco. Fui para trás instantaneamente. Meu pai achou graça.
– É um prazer te conhecer, Pattie. Meu nome é Quíron! – o centauro me estendeu a mão amigavelmente. Eu o cumprimentei, agora menos impressionada e me acostumando com a sua metade cavalo. – Seja bem-vinda ao Acampamento Meio-Sangue. Nós estávamos te esperando há um certo tempo... – ele lançou um olhar para meu pai que eu teria classificado como repreendedor. Mas não poderia ser, afinal meu pai era um deus, superior a tudo e a todos.
– Ela não é linda, Quíron? Uma preciosidade! Agora entende por que quis tanto protegê-la? – sinceramente, não havia como não gostar do modo que Apolo falava de mim. Isso foi o que eu sempre quis, durante toda minha vida.
– Tem toda razão, meu senhor. Ela é realmente encantadora. Mas creio que deve estar ansiosa para conhecer o resto do acampamento, sim? – Quíron se dirigiu para mim e seus olhos me penetraram. Era como se ele conseguisse adivinhar o que eu estava pensando.
– É claro! – respondi com um sorriso. Eu me encontrava de fato curiosa para conhecer o resto.
– Suponho que Dionísio quer ter uma conversa com o senhor, Apolo. – o clima se tornou mais pesado e Apolo pigarreou.
– Aquele barrigudo chato... Vamos ver o que ele tem a falar. Já nos vemos, filhinha. – ele me deixou na varanda com Quíron, que se mostrou super agradável. Quíron me levou para conhecer o acampamento inteiro, desde as cozinhas até a arena de esgrima. Parecia uma coisa do outro mundo. Um sonho, talvez. Ele também me explicou toda a rotina de funcionamento do acampamento e pediu para que eu entregasse meu celular. Isso fez meu coração doer, mas acabei entregando, pois ele me explicou que aparelhos de telefonia móvel serviam como uma espécie de chamariz para monstros.
Quando voltávamos para a casa grande, eu vi algo descendo a colina. Na verdade, só consegui distinguir o que era quando essa coisa passou tão rápido por mim que eu levei uma trombada e cai de bunda no chão.
– EI! – bom, vamos dizer que não sou a pessoa mais calma e serena do mundo. Tenho um temperamento bem forte. O garoto que trombou em mim parou imediatamente de correr e voltou na minha direção, me ajudando a levantar.
– Leo, preste mais atenção! – Quíron o repreendeu.
– Ai caramba, que mancada! Eu te machuquei? – O garoto me pegou pelo braço e me colocou de pé. Seus olhos eram tão vivos e elétricos quanto os de quem tinha acabado de tomar dez xícaras de café seguidas. Seu cabelo era preto, levemente encaracolado e desgrenhado, e ele tinha marcas de fuligem por todo seu rosto e roupas. Não era maior do que eu e possuía um ar levemente hispânico. Não sabia o motivo, mas sua expressão leve e debochada me lembrou a de um elfo.
– Não, não me machucou, mas poderia ter me machucado! – levantei, tirando a grama da minha calça. O garoto ficou me olhando como se eu fosse um objeto a ser analisado.
– Você é uma nova campista? Desculpe pelas minhas boas vindas emocionantes! Sou Leo Valdez, filho de Hefesto, a seu dispor. – ele fez uma reverência esquisitíssima, não pude deixar de rir. Bizarro.
– Está desculpado, Leo Valdez. Tome cuidado para não sair voando ou rolando da próxima vez. – falei ironicamente e ele me lançou um sorriso brincalhão, enquanto Quíron e eu continuávamos o nosso caminho.
– Posso saber seu nome e o seu chalé, nova campista? – Leo Valdez questionou quando eu já tinha dado as costas. Virei-me e respondi.
– Patricia Veloso, filha de Apolo. Até mais, Leo Valdez! – Continuei a andar, mas tive a leve sensação de que aquele garoto ficou me olhando por um bom tempo. Eu hein!
Voltamos para a casa grande. Dessa vez, eu adentrei o lugar. Era enorme. Vi meu pai conversando com um cara rechonchudo, de cabelos pretos encaracolados, que vestia uma camiseta roxa xadrez e bermudas cáqui, e tomava uma Diet Coke. Assim que eu e Quíron aparecemos, eles pararam de conversar.
– Infelizmente, é hora de partir! – Apolo se levantou poeticamente da poltrona em que estava sentado. O gorducho se virou preguiçosamente para trás e me fitou com desprezo.
– Então é essa sua filha? Espero que não recite poemas tão ruins quanto os seus. – ele falou, revirando os olhos. Meu pai fez cara de ofendido.
– Cale-se, Dionísio! O que você entende de poemas, seu bode bêbado gordo? Você só entende de uvas e de jogar pinochle!
Quíron pigarreou antes que o gordinho respondesse. Ele bufou e se levantou da poltrona também.
– Bem vinda ao Acampamento Meio-Sangue, Penny Valdoso. E blá blá blá. Esperamos que você não morra na primeira semana. Agora, se me dão licença... – aquele rabugento mal me olhou nos olhos, e saiu da sala, deixando um leve aroma de uvas. Não gostei dele de cara.
– Perdoe o Sr. D, Pattie. Às vezes ele consegue ser bem mal educado. Ele é o diretor do acampamento. É melhor se acostumar... – Quíron advertiu. – Bem... Apolo, já está de saída?
– Sim, meu caro amigo Quíron... O sol está quase se pondo. Tenho que ir! Minha doçura... – papai se aproximou de mim e colocou as duas mãos em meus ombros. – Não sei se vamos nos ver tão cedo. O acampamento é o lugar perfeito para semideuses treinarem e se divertirem. Temos muito que conversar ainda, eu sei... Mas com o tempo, vamos colocando tudo a limpo, ok? Não se esqueça de mandar notícias para sua mãe. Se cuide. – então ele me abraçou. Um abraço sincero e quente. Correspondi da mesma forma, apesar do sentimento de decepção que de repente aflorou em meu peito.
– Vou me cuidar pai, pode deixar. – forcei um sorriso e ele falou alguma coisa incompreensível, em outra língua, talvez grego, e me deu um beijo na testa. Despediu-se de Quíron com um aceno e foi descendo a colina, de volta para o seu carro do sol.
– Poucas vezes vi um deus ter tanto carinho assim por uma filha, Pattie. Sinta-se abençoada. – Quíron me confortou, e senti um quê de ressentimento em sua voz. Talvez ele tenha sofrido com a ausência de um pai. Ou conhecia histórias tocantes. A única coisa que notei foi que, de fato, ele exalava conhecimento e experiência.
– O mais estranho de tudo é que ele sempre esteve ao meu lado, e eu nunca soube. – olhei para Quíron e este curvou seus lábios num sorriso de compaixão.
– Sua história é privilegiada, minha querida. Um dia você entenderá o quanto. – não apreciei muito o tom misterioso em sua voz. Parecia que ele já conhecia tanto sobre mim, e eu nada conhecia dele.
– O que o senhor faz aqui no acampamento? – perguntei, quebrando essa sensação estranha.
– Sou o diretor de atividades. Eu coordeno tudo o que acontece aqui no acampamento... E por falar nisso, amanhã de manhã sua primeira atividade é comigo. Aula de grego antigo, não se esqueça. Agora acho que está na hora do jantar. Que tal você se reunir com os seus irmãos? – Quíron foi me conduzindo para fora da casa. Trocamos mais algumas palavras e então eu rumei para o refeitório, uma imensa estrutura grega branca, de grandes colunas. Só de sentir o cheiro da comida, meu estômago rugiu como um leão pronto para atacar a presa.


Não quer ver anúncios?

Com uma contribuição de R$29,90 você deixa de ver anúncios no Nyah e em seu sucessor, o +Fiction, durante 1 ano!

Seu apoio é fundamental. Torne-se um herói!


Notas finais do capítulo

Isso é tudo, por hora. Gostaram do capítulo? Críticas? Elogios? Deixem um comentário para nós sabermos! Amanhã tem mais um capítulo novinho para vocês, semideuses! Até lá :) Let xx



Hey! Que tal deixar um comentário na história?
Por não receberem novos comentários em suas histórias, muitos autores desanimam e param de postar. Não deixe a história "A Filha Do Sol" morrer!
Para comentar e incentivar o autor, cadastre-se ou entre em sua conta.