The Devil's Daughter escrita por Ninsa Stringfield
Nem tudo é ruim quando se está no Inferno. Vocês aprende muitas coisas quando se está por lá, como por exemplo não gritar ou sair correndo quando você atravessasse uma porta e se deparasse com criaturas horrendas que te encaravam friamente.
Qualquer um que não estivesse acostumado a encontrá-las (assim como Katherine não deveria estar), ficaria ao menos com medo, mas Katherine sabia que aquela sensação que percorria a sua espinha era muito mais do que isso. Era curiosidade.
Ela não conseguiu se segurar e sorriu para as criaturas que a encaravam, estas, que possuíam chifres em praticamente toda a região da cabeça, arregalaram os olhos espantadas.
Talvez esse é o meu momento de insanidade, pensou ela, com certeza para eles eu devo ter algum problema aparente.
O poço, não se parecia com o que Katherine imaginava como o interior de um poço. Era na verdade uma floresta selvagem, ou pelo menos o que Katherine pode considerar como selvagens, se comparado a floresta silenciosa que ela estava acostumada. Não só por não ser nem um pouco silenciosa (ela conseguia ouvir tantos rugidos e sons diferentes de animais que desistiu de tentar adivinhar o que eram), mas aquela floresta era o sinônimo das florestas que Katherine imaginava como perigosas antes de se encontrar com a do Inferno.
A vegetação parecia não abir espaço algum para que qualquer criatura passasse. As árvores eram altas e seus troncos eram cobertos por outras plantas, que também eram cobertas por outras plantas e assim vai. O céu era escuro, ou pela fresta do céu que os topos das árvores permitiram que Katherine enxergasse, parecia ser de noite, uma noite morna, mas mesmo assim, Katherine conseguia ver a fumaça de sua própria respiração a sua frente. Como se a temperatura não conseguisse se ajustar. Todo o chão, era de terra, e ela conseguia ver em alguns pontos, algumas cavernas de pedras e algumas outras criaturas que possuíam um olho só, voarem ao redor das mais altas.
Finn começou a andar na direção de uma pequena trilha que Katherine não tinha percebido antes, depois de um tempo, ela o seguiu. A vegetação no meio da mata não mudava nem um pouco, ela não sabia para onde estavam indo, mas estava ocupada demais observando o lugar, que não se importou. Talvez estivesse muito concentrada mesmo, porque quando algo agarrou seu ombro e ela virou para trás, ela não conseguiu se segurar e desabou no chão.
Algo prendia sua cabeça no chão, e ela tentava ao máximo não abrir a boca, ali, no chão, o cheiro do lugar não parecia tão agradável, e ela não queria engolir as folhas úmidas que cobriam o lugar e que tinham feito um pequeno corte em seu braço.
- O que...? - perguntou Finn, mas antes de terminar sua pergunta, seja lá o que estava segurando Katherine, resolveu segurá-lo também - Me solte Hal, agora! - ordenou ele entre berros. Pelo o que ela podia ouvir, ele ainda estava em pé. Não deveria ser tão fácil assim golpeá-lo.
- Humano - sibilou uma voz em cima de Katherine - Entrou aqui sozinho, é nossa propriedade.
- Ela está comigo, Hal - disse a voz de Finn.
A criatura em cima de Katherine soltou um chiado. A mão que prendia a cabeça da garota contra o chão ficou menos rígida.
- Você não aprendeu nada no bar? - disse a voz que deveria pertencer a Hal - Humanos são comida. Filhos do diabo não se intrometem em nosso mundo.
- Nós salvamos as suas vidas diversas vezes e é assim que nos agradecem?
- Salvam nossas vidas? - perguntou Hal com nojo - Você chama o que fizeram com a boate de salvar nossas vidas?
Finn soltou um suspiro irritado.
- Você sabe que boates de monstros são proibidas no centro das cidades deles - disse Finn - Não venha brigar comigo por algo que as bruxas inventaram.
O monstro que estava em cima de Katherine a soltou. Ela mexeu os braços e levantou a cabeça, para encontrar um homem corcunda, com a pele parecendo um tronco de árvore de tão crespa, os poucos fios de cabelo que restavam na cabeça eram longos e deveriam ter sido castanhos um dia.
- Vocês as desprezam tanto - disse ele - Tanto. E mesmo assim continuam a fazer tudo o que elas mandam.
Finn tentou se soltar novamente. Duas criaturas, com as mesmas características do que estava em cima dela seguravam cada braço dele.
- Quando tivermos escolha - Finn abaixou a voz, o rosto dos dois estavam próximos - Vocês serão os primeiros a saber.
O monstro cuspiu na cara de Finn. Ele fechou os olhos com força, como se estivesse se assegurando de que ainda tinha um pouco de paciência no estoque e os abriu novamente. O monstro se voltou na direção de Katherine novamente.
- Quem é esse verme? - ele se aproximou dela semicerrando os olhos - Por quê trouxe uma humana para cá, garoto Smith?
- Estamos procurando um monstro - Katherine respondeu antes que Finn pudesse fazê-lo. Ele a encarou com raiva - Precisamos falar com ele.
Hal a encarou por um bom tempo antes de se contorcer e começar a soltar ruídos que deveriam ser risadas. Os outros dois monstros que seguravam Finn fizeram o mesmo.
- E o que um ser tão não desenvolvido como você poderia querer com um de nós?
- Temo que isso eu só possa responder para o monstro desejado - respondeu Finn, com seu sorriso frio.
- Você se recusa a me responder uma pergunta, filho do diabo? - Hal estava próximo dele novamente.
Finn olhou para os lados como se considerasse a pergunta, depois exibiu seu sorriso.
- Infelizmente - disse ele - Sim.
- Já que é assim - o monstro foi até Katherine e levantou a garota pela blusa - Eu temo que ela terá que pagar pelo pato - então desferiu um soco no queixo dela.
Ela ouviu Finn gritar. Sentiu seu corpo desabando pelo chão. E ouviu a risada dos monstros antes de se entregar para a escuridão.
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Rangendo os dentes, Katherine abriu os olhos. Ela estava em uma sala escura, ela nem ao menos conseguia enxergar as próprias mãos. Ela se sentou e passou a mão pelo chão. Ele era de terra, então presumiu que ainda estava no poço. Ela pôs a mão na cabeça quando sentiu esta latejar e soltou um gemido de dor. Algo se arrastou na direção dela e ela soltou um grito, mas quando uma mão segurou seu braço, seu corpo inteiro relaxou.
- Você está bem? - perguntou a voz de Finn de algum ponto na sua frente. Ela suspirou aliviada.
- Sim - ela se ajeitou mais, a mão de Finn continuava a segurá-la, ela olhou para todas as direções, com a esperança de ver algum tipo de luz.
- Onde estamos?
- Hal nos prendeu - disse ele. Mesmo sabendo que ele não poderia sentir nada, Katherine podia imaginá-lo com raiva naquele momento - Estamos em uma caverna.
- Afinal - disse ela - O que esse cara é?
- Ele é um Poen - replicou ele - Um monstro da dor.
- Da dor?
- Sim - disse ele tirando o braço dela. Ela conseguia sentir que ele estava se sentando ao seu lado - Eles se alimentam da dor dos seres humanos. Por isso te trancaram aqui.
- Você não é humano.
- Existem muitas formas de machucar uma pessoa - foi tudo o que disse.
Eles ficaram um bom tempo em silêncio. Katherine observava a escuridão com desinteresse e ouvia sons de pingos distantes vindo de suas costas.
- Então - disse ela depois de um tempo - Quando vamos sair daqui?
- Na teoria isso não deveria ser possível, mas...
- Mas o quê?
- Eu não sou o tipo de cara que segue teorias.
Ela riu.
- Então tá, garoto rebelde - disse ela, recebendo sua risada calorosa - Qual é o plano?
- Vai demorar um pouco para ficar pronto.
- Isso quer dizer passar horas aqui? - perguntou ela - Sem comida. Sem água? - ele não respondeu - Ótimo, estava precisando ficar mais magra mesmo.
- Mais magra? - ele riu - Se você ficar mais magra, desaparece.
- Deveria tomar isso como um elogio?
- Se desejar...
Os pingos de água ficaram mais intensos enquanto o tempo passava. Finn começou a tamborilar com os dedos no chão, não obtendo muito barulho e Katherine observava a escuridão. O lugar parecia ficar mais gelado com o tempo, e ela não aguentaria ficar ali por muito tempo.
- Está com frio? - perguntou Finn, de algum ponto na sua frente.
Ela fez que sim com a cabeça, mas então se lembrou que estavam na completa escuridão.
- Um pouco...
- Tome - ela ouviu o tecido esfregando a pele dele, e de repente uma blusa estava em suas pernas. Ela tomou a jaqueta e se vestiu com ela, apreciando o tecido quente graças a pele dele e seu cheiro, que inundou suas narinas.
- Bem que poderia ter um pouco de luz por aqui - ela soou triste.
Uma mão agarrou a jaqueta de Finn e Katherine quase gritou, mas quando a mão tocou o tecido fino da blusa dela e ela percebeu que era de Finn, ela apenas se enrijeceu. Ele abriu a jaqueta e pegou algo de seu bolso interno. Quando ele tocou o objeto ele se iluminou e ela conseguiu ver o rosto dele na escuridão. O objeto era na verdade uma adaga com cabo de couro preto. Ela conhecia aquele brilho. Era o brilho sombrio que ela já tinha visto em uma de suas espadas.
Pontinhas de luz iluminavam o rosto de Finn, fazendo com que seus olhos avermelhados dicassem ainda mais escuros, chegando quase a um tom de preto. Ele a percebeu observando-o e sorriu.
- Melhor agora?
Ela assentiu. Fraca.
- O que vamos fazer até esse seu plano poder ser executado?
- Sei lá - ele se sentou ao seu lado novamente. Mesmo estando com a jaqueta dele, ela conseguiu sentir o toque de seu braço no dela. E estremeceu - Qualquer coisa. O que quer fazer?
- Ir embora.
- Eu disse que encontrar monstros não ia ser legal - ele olhou para ela e ela desviou o olhar.
- Você não disse isso.
- O que vale é a intenção.
Ela observou a caverna. Agora que podia enxergá-la, percebia que não era tão grande. Ela provavelmente não conseguiria ficar em pé ali, mas a caverna era alta o suficiente para que ela ficasse agachada, e um bom espaço ainda sobraria entre sua cabeça e o teto. Dava para ela ficar deitada com as pernas esticas no chão também, sem problemas. Provavelmente os dois caberiam deitados ali, juntos.
- Podemos fazer o jogo das perguntas.
- Jogo das perguntas? - perguntou Finn com desdém - Quantos anos acha que tenho?
- Eu acabei de inventar isso e pode chegar a ser útil - ela cruzou as pernas e olhou para ele - Qual é! São apenas perguntas. Vamos fazer assim: eu faço uma pergunta, você responde, você faz uma pergunta, eu respondo. E assim vai.
- Isso é ridículo.
- Eu sei - admitiu ela com um suspiro - Só não tenho nenhuma ideia melhor.
- Posso te ensinar vários truques com uma faca! - ele fez uma voz animada - Posso deixar você me usar como alvo, qualquer coisa!
- Okay, eu começo - ela o ignorou - Quantos anos vocês tem?
Ele riu e a encarou.
- Sério? Essa é a sua pergunta?
- Apenas responda - disse ela - Imortal.
- No seu calendário tenho dezenove - ela não tinha certeza, mas pensou ver uma sombra em seu rosto - No do Inferno, tenho 245.
- A contagem dos dias no Inferno é diferente?
- Nada disso, agora é minha vez de perguntar - as sombra não estava mais em seu rosto - Você tem namorado?
Ela agradeceu a escuridão da caverna, assim, ele não poderia ter visto o jeito que o rosto dela ficou vermelho, mas mesmo assim ela engasgou.
- Isso é pergunta?
- Apenas responda - ordenou ele - Mortal.
- Tenho - ela tentou soar firme - Chris - ele desviou o olhar e ela sentiu seu rosto esquentando ainda mais - Então - disse ela, jogando o cabelo para trás - Os dias no Inferno são diferentes?
- É complicado - ele colou a cabeça na parede de pedra - Não que sejam diferentes, mas os dias no Inferno são mais curtos dos que o do seu mundo. Eu posso passar vinte dias lá e vai parecer que passei apenas uma semana fora - ele esperou alguma reação dela, mas ela não se mexeu, então ele continuou: - Por que você não fugiu?
- Não fugiu da onde?
- Quando nos encontramos - esclareceu ele, tornando a olhar para ela, os olhos vermelhos brilhando - Quando nos conhecemos na noite em que você foi sequestrada, por que você não fugiu?
- Eu não tinha escolha, tinha?
- Sim - respondeu ele - Você tinha. Você podia ter me dado um soco e fugido, podia ter corrido para a floresta quando chegou aqui, ou ter gritado até cansar implorando que te levássemos de volta. Você podia ter feito milhares de coisa, mas não fez. Você ficou no Inferno.
- Eu não sei - admitiu ela - Acho que eu nem pensei nisso. E aliás, qual seria a graça de sair correndo?
- Você não respondeu a minha pergunta.
- Eu não tenho uma resposta para essa pergunta, eu só... - ela suspirou - Eu não sei, talvez eu queria ficar - ela desviou o olhar e encarou a parede da caverna.
Ela dissera a verdade. Ela não sabia o porquê de não ter fugido. Ela apenas não tinha, e ela sabia que boa parte dela não se arrependia disso.
- Minha vez então? - perguntou ela, com um sorriso torto. Ele assentiu - Qual é o problema entre vocês filhos do diabo e as bruxas?
- Você realmente gosta de complicar a minha vida... - ele murmurou, passando a mão pelo cabelo, deixando-o despenteado - Digamos que as bruxas são servas de Deus e nós, bom, o nome diz tudo.
- Okay - ele se endireitou - Você não pareceu ficar muito surpresa quando soube que Paim não era sua mãe. Você já desconfiava disso?
- É que depois de descobrir tanta coisa em menos de uma semana, tudo pareceu quase que possível para mim. A única coisa que me falta é descobrir que minha mãe na verdade é um monstro e eu sou uma aberração.
Ele riu.
- Você é irmã de Niah. A coisa de aberração ta no sangue.
Ela fez uma careta então se lembrou de uma coisa.
- Como ela fez aquilo? - perguntou - Como Niah fez aquilo com o meu braço? A cruz que disse que éramos irmãs.
- Niah tem esse dom - ele respirou fundo - Não o de ilusão, um outro. Ela é meio que única já que nenhum filho do diabo já tinha tido mais de um dom. Ela meio que se entende com o sangue - ao ver a cara de Katherine ele continuou: - É como se ela conversasse com ele, pudesse controlá-lo.
- Ela controla o sangue?
- Mais ou menos assim - disse por fim - Você iria realmente salvar o monstro? Quero dizer, aquele que você salvou, você iria mesmo salvá-lo?
- Eu já fiz isso antes, não?
- Eu não entendo porquê - ele balançou a cabeça - O que ele fez para te fazer pensar que é digno de sua salvação?
- Ele não fez nada - respondeu ela o encarando - Isso já é um começo.
- Então é só não te machucar para ganhar sua proteção? - ela assentiu - Isso me põe fora da lista?
- Não - ela se segurou para não desviar o olhar - Algo sempre me faz te dar outra chance - eles estavam próximos agora. A sensação que fazia seu braço formigar com o contato dele aumentou ainda mais - Acho que eu acredito que você possa querer não me ver machucada de verdade.
- E o que seria isso? - ele olhava para os lábios dela agora, mas ela não conseguia tirar os olhos dos dele - Por que seja lá o que for eu também quero entender. Eu quero entender o que é isso dentro de mim que não me deixa chegar perto de você. Eu quero entender o que é essa dor que me aperta quando você se machuca ou está em perigo. Eu quero entender porque eu estou sentindo quando eu não deveria sentir nada - ele segurou o rosto dela e olhou para seus olhos - Você consegue me explicar, Kath?
Ela fez que não com a cabeça e ele se aproximou mais. Quando seus lábios se chocaram, o formigamento que antes estava apenas em seu braço se espalhou por todo seu corpo. Eles se viraram de frente um para o outro e Finn segurou sua nuca, puxando-a ainda mais para frente. Ela conseguia sentir a relutância em seus lábios, a pequena chama de vontade de se afastar, mas assim como ela, ele não conseguia. Eles se desequilibraram exaltados e se chocaram contra a parede, Katherine não ligou para a dor, mas quando se separaram para respirar e abriu os olhos para olhar para ele algo chamou sua atenção.
Não era o barulho da respiração descontrolada dos dois, ou de seus corações acelerados, era algo diferente... eram gotas de água. Katherine virou a cabeça para a parede que estivera encostada até aquele momento e viu uma pequena rachadura de onde água se derramava. Ela estivera ouvindo as gotas, e não percebeu quando pararam, quando pararam de ser simplesmente gotas.
Enquanto ela encarava a parede, a água começou a jorrar com mais força, até que uma parte desta explodiu e um jorro de água a atingiu em cheio, a derrubando no chão, ao lado de Finn. De fato os dois cabiam ali perfeitamente.
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